Clube de Detetives Pão de Queijo

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

E TENHO DITO

 


EU GOSTO DE COLECIONAR coisas. Memes, vídeos interessantes, ditos populares... Não chego a ser um "acumulador" mas gosto de colecionar coisas legais. Legais para mim, claro. Por exemplo, eu gostava de colecionar todo tipo de revista. De Seleções à Playboy. Esta eu colecionava só pelas grandes entrevistas que ela fazia...sério, nunca ouviu a expressão "ninguém faz entrevista como a Playboy"? Já leram a crônica do dia em que tive que fazer um espermograma e me deram umas Playboys como incentivo e fiquei lá, distraído lendo as entrevistas...? Quando casei, a minha coleção de Playboys foi problematizada e não tive escolha: Foram todas para um sebo, assim como a maioria da minha coleção restante foram embora no incêndio. Tudo certo, acho que estava na hora de fazer uma reciclagem pois já não tinha tanto espaço disponível. Uma prova que não sou um sociopata acumulador é que não tive nenhuma reação mórbida com a perda. Como diz o ditado popular, "se a vida lhe der um limão, faça uma limonada".


Os chamados ditos ou provérbios, estão ligados à sabedoria popular transmitida oralmente ao longo das eras. Nascem da observação do cotidiano, de experiências coletivas, da necessidade de comunicar ideias de forma simples. E nunca saberemos quem foi o primeiro que pensou e disse...

“Em terra de cego, quem tem um olho é rei” - isso não é fantástico? Ponderem bem na sabedoria dessa simples frase! E no complemento excepcional que Zé Ramalho acrescentou ao verso de sua música, "...imagina quem tem os dois..."

E o que dizer desse outro dito muito sábio:  “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando”? Isso é filosofia pura! 

A Bíblia, o livro mais vendido e lido no Ocidente, registra muitos provérbios. Aliás, ela tem até um livro chamado "Provérbios", como você bem deve saber. Não sabe? Fugiu das aulas do catecismo? Que feio!

Por exemplo, vejam a profundidade desse provérbio bíblico: 

"Filho meu, ouve a instrução de teu pai, e não deixes o ensinamento de tua mãe" - tem provérbio mais sábio que este? Quantas vezes nos demos mal na vida por não seguir a orientação segura de pais e mães?

Quando iam cortar a grama que circundava as casas em um condomínio da Marinha onde morávamos na minha adolescência,  minha mãe sempre me dizia: Não fica perto que é perigoso. Mas os cortadores eram uns carrinhos com uma grande lâmina debaixo deles (eu nunca mais vi nada igual) e eu achava legal. Até o dia que eu, mesmo a uma boa distância, fui atingido por um pedaço de plástico que veio voando de debaixo do carrinho em minha direção e quase corta minha perna em duas. 


Muitos provérbios populares tem a proposta de serem educativos, como "Água mole em pedra dura tanto bate até que fura". Ou seja, não desista, persista, continue batendo que um dia pedra quebra! Ou ignoramos a sabedoria do dito "quem tudo quer, tudo perde"? Ou a crítica que se faz em "casa de ferreiro, espeto de pau"?


E claro, tem aqueles ditos populares

que são pura comédia (os meus preferidos). 


Se corno voasse a gente não via o céu


mas cansado que o padre da Gretchen


mais por fora que estepe de jipe


mais preguiçoso que o cara que fez a bandeira do Japão


mais sem cabeça que mula de folclore


mais inútil que buzina de avião


quem vive de amor é dono de motel 


é muita areia para o caminhãozinho


pra baixo todo santo ajuda

(...)


E aí, qual dito popular você gosta muito?


segunda-feira, 15 de setembro de 2025

TODO MILITANTE É UM CHATO

 

Resolvi escrever sobre um assunto que evito por aqui. Política e politicagens e acabei escrevendo um texto muito longo...por isso, fatiei-o em algumas partes.


MILITANTES (de qualquer coisa, de qualquer causa) são chatos. Muito chatos. Pior, podem ser violentos. Muito violentos. vide o assassinato do militante de direita americano Charles Kirk que foi assassinado enquanto dava uma palestra em uma universidade. Charles deixou esposa e dois filhos pequenos. 

A morte de Charles Kirk tirou a máscara de vários  militantes de esquerda, autodeclarados defensores da "democracia" e do "amor" e averso aos  "discursos de ódio" (dos outros, não dos próprios), que encheram as redes apoiando o assassino.

Uma escritora de quadrinhos da DC foi despedida depois de publicar um tuíte dizendo que esperava que a bala que matou Charles estivesse "passando bem". 

Um neurocirurgião brasileiro que morava nos EUA chamado  Ricardo Barbosa, teve seu visto de permanência no país revogado após publicar comemorações pelo assassinato de Charles.

É bom que haja essas reações contra esse extremismo progressista, extremismo este que eles acusam os conservadores de ter. 

Também o insuportável EDUARDO BUENO, o Peninha, também gravou um vídeo fazendo chacota do assassinato de Charles. 

Sua declaração caiu muito mal e uma palestra que ele daria na PUC foi cancelada. Recebeu várias críticas e tentou gravar um outro vídeo se desculpando, porém, deixou tudo pior ainda, pois ficou nítido de que ele não se arrependia do que tinha falado.






Os militantes políticos da esquerda frequentemente acusa os conservadores de "fascistas" e de espalhar "discurso de ódio", porém, o que mais fazem é exatamente isso, produzir discursos de ódio contra conservadores. Entre inúmeros casos, destaco o vídeo dessa menina. Isso pode ser normal? Nossa sociedade está dividida em vários guetos ideológicos e já não consegue trocar ideias, produzir teses e antiteses para chegar a uma possível síntese. Não sei onde isso vai parar.







Os conservadores de direita também possuem seus pecados, mas deles eu falo em outra ocasião.







quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Skylab

 




UMA DAS LEMBRANÇAS mais gostosas da minha infância era o momento em que minha mãe me chamava e dizia "Edu, vai na padaria comprar pão. Pede quatro bisnagas". Morávamos no bairro do IAPI, em Salvador. A dita padaria era a "Skylab" - um nome que mais parecia de TV à cabo (que não existia no Brasil naqueles tempos) ou de algum foguete da Nasa. Não sei qual foi a inspiração do dono em dar um nome tão...SKY! à sua padaria. Eu ia com gosto. Colocava os cruzeiros no bolso e fazia uma caminhada de uns cinco minutos. Ah, aquele cheiro...a Skylab tinha um cheiro indizível de pão quente que sai à toda hora. Na volta, eu quase nunca resistia e tascava um pedacinho do pão quentinho na boca e vinha saboreando... Dona Dirce, uma vizinha próxima, se me visse chegando à casa mastigando sempre me alertava: "Espera chegar em casa, menino!". Eu  tinha um pouco de medo da dona Dirce. Onde estará ela? Por certo, já passou desta pra melhor. Mas convenhamos que ela não deveria se meter no meu sublime momento gastronômico . Nem minha mãe se importava, oras! Nunca mais depois dessa época, encontrei pão francês tão gostoso quanto o pão da Skylab - um pão, verdadeiramente, dos céus!


Croniquinha levezinha pra tirar o peso da crônica-catástrofe anterior.



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Origem da ilustração: https://br.freepik.com/fotos/alimenta%C3%A7ao

sábado, 6 de setembro de 2025

A LEI DE MURPHY

 





A FAMOSA LEI DE MURPHY é realista, mas chata: Se algo pode dar errado, vai dar errado. A frase é atribuída a um engenheiro aeroespacial americano, Edward A. Murphy na década de 1940. A frase surgiu num contexto técnico, mas de tão boa que era, ganhou fama como forma cômica de encarar certas situações da vida. A ideia parece certa: diante de várias possibilidades, o pior cenário tende a acontecer - especialmente de alguma coisa que é deixada ao acaso ou mal planejado.

Acredito que todo mundo já sentiu na pele a Lei de Murphy atuando. O pão que sempre cai com o lado da manteiga pra baixo, o semáfora ficando vermelho no exato momento que você está com mais presa, etc. Não vou dizer que a famigerada lei seja sempre verdadeira. Acontece de coisas que tem tudo para dar errado, dar certo. Mas dizem que toda regra tem exceções...


                                                                      * * * * 


O ANO ERA 2020. PANDEMIA GLOBAL. Você perdeu parentes ou amigos para o COVID? Muita gente perdeu. Minha esposa perdeu um amigo de longa data, mas diante da perda de parentes e amigos, o que perdemos nada vale, nada representa. 

Como minha esposa estava trabalhando, resolvemos dormir separados para proteger tanto o  Eduardinho quanto a mim. Se alguém tivesse que pegar o tal vírus que fosse só um de nós dois. Ela passou a dormir no quarto do Eduardinho e ele passou a dormir comigo. Foram tempos muito difíceis, especialmente com o lockdown, mas ficar totalmente em casa foi impossível. 

Naquele dia fomos dormir cedo, o que não era muito comum, já que eu costumo dormir mais tarde. Minha esposa no quarto que fica no final do corredor da casa, eu e Edu no quarto que fica mais próximo da sala. 

Lá pelas tantas, abri os olhos sentindo um certo incômodo que levei alguns segundos para entender de onde vinha. Era um calor...porque está tão quente? Foi quando vi fumaça entrando pelo quarto, pois dormimos de porta aberta. Depois de uns segundos, entendi o que estava acontecendo. Fogo! Tinha alguma coisa pegando fogo na sala! 


                                                                          * * * * 


Dei um pulo da cama e não via nada. A fumaça tomava conta de tudo. Tentei ligar a luz mas ela não acendeu. Acordei o Edu, abri a janela que tinha grades, mandei ele ficar com o rosto na janela. Ele sonolento, acordou no susto sem entender nada. Se até eu não estava entendo bem...

Saí pela porta do quarto e a sala estava em chamas. Labaredas grandes saiam do canto da sala, próximo à parede lateral. Fui correndo para o fim do corredor envolto em fumaça e acordei minha esposa. "Levanta que a casa está pegando fogo!". 

Como se acorda com uma notícia dessas? Até você captar a mensagem leva alguns segundos. Minha esposa apanhou o seu celular que estava ao lado da cama e juntos voltamos pelo corredor. Minha esposa entrou no nosso quarto e pegou Eduardinho que não estava entendendo nada e bastante assustado.

Passei ao lado das chamas tentando encontrar as chaves que sempre ficavam em uma mesinha ao lado da porta. Chamei os dois e os coloquei na minha frente, abrindo as partas de cima e de baixo da porta de ferro para que entrasse mais ar puro enquanto tateava tentando encontrar as chaves. 

Como o rebaixamento do teto era de PCV, todo ele estava derretendo e caindo sobre nós. Protegi os dois como pude já sentindo pedaços de PVC queimados nas costas. Meu vizinho da frente (Ronaldo, aquele do som alto de que falei na crônica anterior) tinha acordado e da sua janela viu fumaça saído da nossa casa. Gritei pra ele que nossa casa estava pegando fogo.


                                                                    * * * * 

Enfim, encontrei as chaves. Abri a porta e conseguimos sair e descer as escadas. Moro no segundo andar de um sobrado. Ronaldo, já estava no meu portão tentando entrar para ajudar. Abri o portão e ele, muito prestativo, foi ver como estava o cenário do incêndio. Lá fora, tossíamos um pouco e eu só me preocupava em ver se minha esposa e meu filho estavam bem, se não estavam queimados. 

Voltei correndo para chamar minha sogra e o avô da minha esposa que moravam no primeiro andar. Assustados, sem entender  o que acontecia, puxei os dois pra fora de casa. O avô da minha esposa já tinha 98 anos e como era bem magrinho, eu o peguei no colo e o levei pra fora com minha sogra vindo atrás. Minha esposa chamava a mãe pra sair de casa rápido, já que parecia que ela ainda não estava entendendo o que acontecia.

Isso já eram 5 horas da manhã. Os vizinhos de um  lado e do outro também chegaram esticando suas mangueiras para tentar aplacar o fogo. Telefonamos para os bombeiros. 

Como estava impossível entrar pela porta da frente, Ronaldo tal qual um ninja, subiu no muro muito rápido e tentava arrombar a janela do meu quarto. Voltei pra dentro do quintal e ajudei Ronaldo a subir em uma escada e ele arrombou a janela do meu quarto e pulou lá dentro e fechou a porta no intuito de isolar o incêndio na sala. Antes ele tentou fechar todas as portas mas não conseguiu, a fumaça era muita e a quentura também. Mas ele fechou a porta do meu quarto, o que acabou salvando nosso guarda-roupas.

Percebem porquê não dou a mínima para a altura em que ele ouve música...?


Depois de uns 20 minutos chegaram os bombeiros. Entraram na casa e rapidamente debelaram o fogo.

Ronaldo nos levou pra sua casa para abaixar a adrenalina. Horas depois voltamos para ver o estrago que vocês podem ver na filmagem.

O fogo ficou restrito à sala, porém, o calor das chamas foi derretendo tudo ao longo da casa. Os móveis da sala viraram pó. O pequeno quarto que eu faço de biblioteca ficou um caos de livros e prateleiras caídos no chão, pretos de fuligem e molhados pela ação dos bombeiros.

Os únicos móveis que ficaram em pé foram exatamente os do meu quarto. Tínhamos perdido praticamente tudo dentro de casa, mas nós estávamos bem. Passamos por avaliação médica e a fumaça que respiramos não chegou a queimar nossos pulmões. TOMA, LEI DE MURPHY!!!!


                                                                   * * * * 

Meus vizinhos foram todos muito solícitos. O vizinho da frente que estava com a casa fechada para ser vendida, quando soube do acontecido nos ofereceu a casa pra ficarmos lá o tempo que precisássemos. Ficamos 2 meses e mais uma vez a lei de Murphy foi contrariada. Um dos meus cunhado conhecia alguém que conhecia alguém que prestava serviços solidários nas horas vagas  para pessoas que precisavam de reformas em casa. 

Apareceu lá em casa pedreiro, pintor, eletricista. Recebemos várias doações de móveis de pessoas que eu nunca tinha visto. Meus cunhados também vieram para ajudar na limpeza. No quintal, formou-se um monturo enorme dos restos mortais dos meus móveis. Dois meses depois, a casa estava novinha em folha.

Tudo sem desespero, sem chororô, sem lamentar perdas materiais. Tudo o que foi, voltou. E ainda tivemos o bom humor para fazer piada: Com toda certeza, a casa estava totalmente livre de qualquer vírus. 






P.S. O causador do incêndio foi o estouro de um carregador que eu tinha esquecido ligado, carregando meu celular. Nunca façam isso. Não deixem celulares carregando no seu quarto ou em qualquer outro lugar da casa enquanto vocês dormem. 



terça-feira, 2 de setembro de 2025

Dance Sozinho

 O que significa 

quando uma pessoa dança sozinha em casa, segundo a psicologia? Foi essa pergunta que eu li em uma matéria em um site outro dia. Dizia o autor que o ato de dançar sozinho em casa pode refletir aspectos significativos do bem-estar emocional de uma pessoa. Achei interessante e logo me identifiquei: eu danço sozinho em casa...

Acontece que meu vizinho da frente tem um gosto musical muito parecido com o meu. Ele tem uma caixa de som muito poderosa e vez em quando deixa tocar uns rock e MBD (MBD foi uma sigla, creio, inventada pelo Nelson Motta para significar Música Brasileira pra Dançar). 

Como o som reverbera quase por todo o quarteirão, às vezes me atrapalhando a ver meus filmes diários, não tem como ficar impassível. Não vou lá dizer "Ronaldo, abaixa esse som que eu quero ver filme" - mesmo porque, odeio ter qualquer tipo de rixa com vizinho e o Ronaldo é muito gente boa - eu simplesmente entro na onda sonora. 

E aproveito o som pra dançar...

Segundo informações publicadas pelo portal Ciudadano News, dançar na privacidade do próprio lar e sem companhia não é apenas uma expressão de liberdade pessoal, mas também uma forma de canalizar emoções reprimidas e promover a autorregulação emocional. Ótimo!

Isso significa que a dança tem um efeito direto no humor e no equilíbrio psicológico.

MAS GOSTO DE DANÇAR também na companhia de pessoas que dançam tal mal quanto eu! Eu já falei aqui que não tenho problemas em pagar mico. Pra provar isso, vou deixar aí um dia em que amigos e cunhados foram lá pra casa. Devia ser 2006 - 2008 (sou péssimo com datas). Minha casa ainda estava em construção. Não tínhamos móveis na sala. E uma sala sem móveis pede o quê? 

Bagunça!!!


Esse vídeo tem mais de duas horas (começamos de tarde e acabou de noite), portanto, só vou deixar um pedacinho pra cês vê, como diria um bom mineiro. 

E essa gargalhando no fundo é minha esposa, que registrava a bagaça toda.

Até queria postar mais pedaços desses vídeos...mas acho que vocês não suportariam tanta coisa ridícula junta.




sábado, 30 de agosto de 2025

Adeus a Veríssimo

 AOS 88 ANOS, um dos meus escritores preferidos, filho do meu escritor brasileiro favorito, nos deixou. Nos deixou fisicamente e nos deixou escritos memoráveis que eu nunca me canso de ler e reler. Obrigado, Luiz Fernando Veríssimo, obrigado Érico Veríssimo.





DEIXO AÍ UMA HISTÓRIA de um dos seus personagens mais marcantes: O Analista de Bagé.



Contam que Lindaura, a recepcionista do analista de Bagé (segundo ele, “mais eficiente que purgante de maná e japonês na roça”), desenvolveu um método para separar os casos graves dos que são só — como diz o analista de Bagé — “loucos de faceiros”. 

Enquanto preenche a ficha, ela dá a cada paciente em potencial uma cuia de chimarrão no formato de um seio. Depois vai anotando: “Quis chupar a cuia em vez da bomba”, “Começou a gemer e acariciar a cuia”, “Atirou contra a parede”, etc. Assim, quando recebe o paciente, o analista de Bagé já sabe o que esperar. Mas nada preparou o analista de Bagé para a entrada no seu consultório do megalômano de Carazinho. O diálogo entre os dois já começou mal. 

— Te deita no divã. 

— Não deito.

 — Te deita, bagual! 

— Não deito! 

— E por que não deita?

 — Em primeiro lugar, porque só quem mandava em mim era o meu pai, que já está no Grande Galpão do céu capando anjo pra fazer lingüiça. Em segundo lugar, que o analista aqui sou eu.


E com isto o analista de Bagé derrubou o outro com um peitaço e o segurou sobre o pelego do divã com um joelho na omoplata. Gritou: 

— Diz qual é teu problema!

 — Não digo pra qualquer um! 

— Diz senão te arranco esses bigodes dois a dois. 

— Todos dizem que eu tenho mania de ser melhor do que os outros, mas eu não acredito neles. 

— E por que não? 

— Porque é tudo gente inferior. 

O analista de Bagé saiu de cima do outro, mas deixou o facão bem à vista, para evitar incomodação. O outro continuou. 

— Eu tenho megalomania. 

— Não tem — disse o analista de Bagé, brabo. Sabia que era verdade, mas não agüentava fanfarrão.

— Quer saber mais do que eu?

 — Sei mais do que tu, teu irmão, tua mãe e teu pai, se fosse conhecido. 

Nisso o megalômano de Carazinho subiu em cima do divã, apontou um dedo para o analista de Bagé e ameaçou: 

— Olha que eu te transformo em pedra. O analista de Bagé abriu a camisa e ofereceu o peito: 

— Pois transforma. Quero ver. Transforma! O outro mudou de tática. Ergueu a mão como numa bênção e disse: 

— Eu te perdôo. 

Aí o analista de Bagé avançou.  Na sala de espera Lindaura esperou meia hora antes de entrar no consultório. Tinha ordens do analista de Bagé sobre como agir de acordo com os sons que ouvia. “Resfolego, não liga. Gemido, vai pra casa. Grito, te prepara. Mobília quebrada, entra.” Decidiu entrar. Encontrou o megalômano de Carazinho inconsciente embaixo do divã virado, com só metade do bigode. Depois o analista de Bagé explicou: 

— Doença é uma coisa. Convencimento é outra. O outro era “metido a gran cosa”. Mas ele perdera mesmo a paciência quando ouvira o outro dizer: 

— Sou o maior megalômano do mundo! 

Aparecia cada um.


LFV, 1936 - 2025


* * * * * * * * 

Publicado em: O Analista de Bagé, Editora Objetiva


quinta-feira, 28 de agosto de 2025

EX-FUTURA ESPOSA

 






Outra pérola de um texto publicado em um blog meu extinto. Creio ser um cordel. Achei tão engraçadinho! Vê se não é. 



Fala o noivo:


Que feliz sou eu, meu amor! 

Já, já estaremos casados, 

O café da manhã na cama, 

Um bom suco e um pão torrado 


Com ovos bem mexidinhos 

Tudo pronto bem cedinho 

Depois irei para o trabalho 

E você para o mercado 


Daí você corre pra casa 

Rapidinho arruma tudo 

E corre pro seu trabalho 

Para começar o seu turno 


Você sabe que de noite 

Gosto de jantar bem cedo 

De ver você bem bonita 

Alegre e sorridente 


Pela noite minisséries 

Cineminha bem barato 

Nada, nada de shoppings 

Nem de restaurantes caros 


Você vai cozinhar pra mim 

Comidinhas bem caseiras 

Pois não sou dessas pessoas 

Que gosta de comer besteiras.... 


Você não acha, querida 

Que esses dias serão gloriosos? 

Não se esqueça, meu amor 

Que logo seremos esposos! 


Fala a noiva


Que sincero meu amor! 

Que oportunas tuas palavras! 

Esperas tanto de mim 

Que me sinto intimidada 


Não sei fazer ovo mexido 

Como sua mãe adorada, 

Meu pão torrado se queima 

De cozinha não sei nada! 


Gosto muito de dormir 

Até tarde, relaxada 

Ir ao shopping fazer compras 

Com o Visa tarja dourada 


Sair com minhas amigas, 

Comprar só roupa de marca 

Sapatos só exclusivos 

E as lingeries mais caras 


Pense bem, que ainda há tempo 

A igreja não está paga 

Eu devolvo meu vestido 

E você seu terno de gala 


E domingo bem cedinho 

Prá começar a semana, 

Ponha aviso num jornal 

Com letras bem destacadas: 


HOMEM JOVEM E BONITO 

PROCURA ESCRAVA BEM LERDA 

PORQUE SUA EX-FUTURA ESPOSA 

MANDOU ELE IR À MERDA! 


autor desconhecido 



domingo, 24 de agosto de 2025

QUEM TE ENSINOU?

 


MAIS UM POEMINHA PERDIDO DE BLOGUES EXTINTOS que eu encontrei. Achei bonitinho, então, aqui publiquei. 






Quem te ensinou,  passarinho,

A fazer tão belo ninho?
Que engenharia, que perfeição!
Diga-me,  passarinho, quem te ensinou tal lição?

Quem foi teu professor
Quem te orientou
Na arte de tecer dormitórios
longe do chão?
Diga-me, passarinho, qual matemática usas
em tua construção?



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Eduardo Medeiros, Rio de Janeiro, 3 de março de 2012

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

COMO EU NASCI?

 



Estávamos juntos no quintal numa tarde só proseando sobre a vida. Ele tinha disso. Às vezes eu chegava no seu quarto e ele estava ou desenhando, ou lendo ou vendo vídeos no Youtube e eu perguntava: "Tá fazendo o quê, filho". Sabem a resposta que ele dava? "Tô só vivendo a vida...". Tinha também uns rompantes onde ele dizia: "Ah, como eu amo a minha vida...! Mas aí, naquela tarde em especial, nós dois no quintal,  ele veio com as ideias: Pai, como eu fui parar na barriga da mamãe"? Ele tinha 8 anos. Muito sério e convicto respondi que a Cegonha tinha colocado ele lá. Olhar meio desconfiado entortando a cabeça:  "Pai, eu sei que cegonha não existe..". Como assim não existe, menino, cegonha é um pássaro. É, mas não é ela quem leva os bebês! Mas você não viu o filme "Cegonhas", como elas levam os bebês...? Ah, pai, é só um filme, né..? Vendo-me acuado, resolvi falar a verdade: Quando as mamães querem muito ter um bebê, eles nascem nas barrigas delas...outro olhar desconfiado. Mas como que acontece, pai? Me fala a verdade, eu já sou grande e você não me engana. Você acha que o pai ia te enganar? Aham, você falou de cegonha....derrotado, dei a primeira aula de educação sexual ao meu filho. 

domingo, 17 de agosto de 2025

Hora da Matricula


ACHEI esse continho nos meus rascunhos.  Escrevi quando estourou a onda bebê reborn mas não publiquei. Depois publiquei um outro texto sobre o tema e deixei este esquecido. Mas agora a onda parece que passou, ninguém fala mais! Na verdade as esquisitices vão se impondo. A onda agora é adultos que chupam chupeta para amenizar o estresse. Não viram não? Eu até já comprei a minha.






* * * * * * * * * *


 MARIA TEREZA estava exultante! Seu bebê reborn fazia 4 anos e ela, ansiosa, planejava ir ao Educandário São Francisco de Assis matriculá-lo na pré-escola. Educação é muito importante desde cedo, dizia Maria Tereza a Custódia Valentina, mãe também de três crianças reborns. Custódia concordava, mas ponderou que a educação das suas três crianças era feita em casa mesmo. Maria Tereza questionou a importância da interação social das crianças reborns; elas precisavam conviver com outras crianças da mesma idade, participar das festas da escola, dos passeios, das feiras culturais...Custódia Valentina ponderou que seus filhos tinham interação com outros da vizinhança. Maria Tereza questionou se esse jeito de educação Homeschool,  não era coisa da direita. Era preciso vigilância extrema para não repetir padrões fascistas. Custódia Valentina refutou, indo à estante e retirando do meio de outros livros, o Manifesto Comunista para provar à amiga de que era comprometida com a causa operária, dos pretos, pobres, elegebetês, feministas e demais minorias oprimidas. Mal entendido resolvido, Maria Tereza absolveu a amiga mas no outro dia, arrumou  Caetano, seu filho reborn, explicando-lhe que era hora de matriculá-lo em uma escola. O Educandário São Francisco de Assis era a melhor escola da redondeza. Ela não esperava que Caetano, um menino tão tranquilo até então, fechasse a carinha plastificada, se jogasse no chão, e esperneando, começasse a gritar: "Eu não preciso ir pra escola, eu não preciso, eu não preciso, eu SOU REBORN, EU SOU REBORN, MÃÊÊÊÊEEEEE..."


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Prometo não voltar ao assunto.

Da chupeta, talvez.  A minha tem gostinho de morango do amor.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

MINHA MELHOR VERSÃO

 




PODE PARECER CLICHÊ mas de fato, ele é minha melhor versão. Quando ele nasceu eu tinha 45 anos. um amigo me disse que eu já "seria velho" para ser pai. Não discordei. Mas o que posso fazer se antes dele, eu nem queria ter filhos? De fato, não tive "filhoS", tive um só. E ele já me basta. 

Quando namorava a mãe dele, sutilmente assim como não quer dizer nada, comentei como muitos casais hoje não querem mais ter filhos por várias razões. "Eu quero muito ser mãe" - foi o comentário dela. Nunca mais toquei no assunto. Depois de 12 anos do meu primeiro fracassado casamento, eu tinha encontrado uma mulher que me fez outra vez desejar estar casado - e não ia perder a oportunidade.

Casei velho, me disse também outro amigo. Eu tinha 40 e ela 29. Aí eu discordei, pois pra casar não tem idade. Mesmo porque, me casei novo (o que reputo ter sido um dos motivos para o fracasso) aos 23 e ela 17 e não deu certo. Que posso fazer? Penei para entender que para estar casado, é preciso ter um mínimo de maturidade emocional - coisa que eu não tinha - por isso me dei um longo tempo sozinho. Curti muito a solteirice por 12 anos. Eu tinha muitos amigos. Eu era diretor de um grupo de teatro amador. Uma ficada ali, outra lá, sem nenhuma consequência mais séria. Até que a encontrei por puro acaso ou por puro destino. 

Demovido da ideia de não ter filhos, combinamos que teríamos ao menos um. Uma, eu dizia. Se era pra gerar um rebento, que fosse uma menina. Eu achava que me daria muito bem sendo pai de menina, mas qual foi minha decepção quando no exame de ultrassonografia, o médico disse: "parabéns, pai, olha lá o pintão dele..."

Depois de dois segundos de decepção, já estava apaixonado por ele. É isso aí, eu vou ser pai de um pintudo!! 

O blogueiro-cronista-escritor-desenhista-chargista Jotabê, escreveu uma crônica que achei bem legal no dia dos pais. Para ele, dia dos pais é o dia "do fã", pois se diz fã dos seus quatro filhos. Achei isso muito bacana ( https://blogsoncrusoe.blogspot.com), pois também sou fã do meu. 

Eu tive a benção de poder ver de perto seu crescimento full time, pois quando ele nasceu eu já estava reformado da Marinha. Ou seja, existem os "pais ausentes" e eu fui o oposto, fui um "pai presente até em excesso". Conto depois essa minha experiência de ficar com ele em casa desde os 7 meses para que a mãe voltasse a trabalhar - ela não seria feliz ficando em casa, pois trabalhava desde os 15. Essas coisas de mulher independente.

A foto acima, tiramos em abril passado, na páscoa. Moramos ao lado de uma igreja católica e eles estavam representando a paixão de Cristo. Quando vi a procissão passando na rua pela janela, chamei-o para ir ver a representação. Dois meses depois, fiz 60 anos. Ninguém até agora me disse "você tem 60 e um filho de 14?" - Se me perguntarem eu direi: Sim, com muito orgulho. 

sábado, 9 de agosto de 2025

PINTO CORREU COM MEDO DO GAVIÃO

 


Pinião, Pinião, Pinião

Pinto correu com medo do gavião...


ESTES VERSOS  meu pai cantarolava desde que me entendi por gente. Sempre que estava concentrado em algum serviço, fosse  limpando e capinando nosso quintal, fosse degolando, sangrando e depois depenando uma galinha para o almoço, fosse pintando a casa, tava lá ele cantarolando...


Pinião, Pinião, Pinião

Pinto correu com medo do gavião...


Essa música entrou na minha cabeça por osmose e eu criança ainda, me via repetindo..


Pinião, Pinião, Pinião

Pinto correu com medo do gavião... 


E assim foi durante anos e anos. Mesmo adulto, jamais procurei saber que música era aquela, ou qual era o resto da letra, já que ele sempre cantava só esses versos.


Pinião, Pinião, Pinião

Pinto correu com medo do gavião...


E como quem sai aos seus, não degenera, hoje em dia do nada, me vejo cantarolando...


Pinião, Pinião, Pinião

Pinto correu com medo do gavião...

Até que  ano passado, o Eduardinho que já tinha ouvido antes os versos, me perguntou:

- Mas que música é essa pai? Só fica repetindo pinião, pinião, pinião...

Eu ri. 

- Eu sei lá, edu, é só uma música que seu avô cantava e eu só repito.

- Ah, entendi...(não sei porquê ele sempre repete essa frase em circunstâncias variadas: "ah, entendi.")


Então, depois de quase 50 anos, meu pai já não estando aqui conosco,  resolvi procurar que música era aquela e chamei  o Edu pra me ajudar na empreitada. Comecei problematizando a expressão "pinião". Sugeri que deveria ser algum regionalismo nordestino. (meu pai era baiano). Aí fui pesquisar "pinião" e não encontrei nada. Alguns textos corrigiam a palavra para "pinhão". Mas não era pinhão, era pinião. Foi quando o Edu disse:

- Pinião deve ser só a abreviatura de opinião...

Achei a tese interessante. Fui pesquisar "música com a palavra pinião". Nada. Coloquei os versos completos: 


Pinião, Pinião, Pinião

Pinto correu com medo do gavião...


Então achei uma explicação que corroborava a tese do Edu: em algumas regiões nordestina, alguns diziam "pinião" ao invés de "opinião". No fim, estávamos os dois certos: Significava "opinião" e era realmente uma expressão dialética nordestina.

E apareceu o nome de um tal de AUGUSTO CALHEIROS (que os mais velhos que eu devem ter ouvido falar. Ou não.). Fui ao Youtube e pimba! Lá estava um disco completo de Augusto Calheiros. Mas eu tinha que achar uma música com os versos..

Pinião, Pinião, Pinião

Pinto correu com medo do gavião...


E TINHA!!! Acho que a terceira ou quarta música. Falei um "EUREKA" para o Edu. Depois consegui achar  a letra completa da música.   


Pinião, pinião, pinião

Oi! Pinto correu com medo do gavião

Por isso mesmo o sabiá cantô

Bateu asa e voou e foi comê melão


Essa sumana um gavião lá dos oitero

Chegou lá no meu terreiro biliscando pulo chão

E um pintinho que tava jun'da galinha

Foi correndo na cozinha com medo do gavião


No meu terreiro tinha um pé de araça

Onde um sabiá-gonga fazia seu palantão

Um dia desse ela tava descuidada

Quase morre degolada nas unha do gavião


O gavião é um bicho carniceiro

Quando bate num poleiro come os pinto qu'ele qué

Um dia desse um se trepou lá na mesa

Nunca vi tanta afoiteza, biliscou minha muié


Minha muié se assombrou-se nesse dia 

Quase morre de agonia com uma dô no coração

Gritava tanto com os dois óio abuticado

Até que eu fiquei vexado cum medo do gavião


E é um bicho mais pió do que um cão

Não há muié que se livre do bote do gavião

O gavião quando tá aburrecido

Marca o bote da muié e finda pegando o marido


** * * * * * * * * * * * * * 


Ouçam essa pérola 

do cancioneiro popular brasileiro

que escutei só agora completa 

Pois meu pai só sabia o refrão...

Pinião, pinião, pinião

Pinto correu com medo do gavião...


(não resisti a fazer esse versinho...)






E claro que ao ler a letra, Eduardinho foi logo dizendo:
- MEU DEUS, QUE LETRA DE DUPLO SENTIDO É ESSA???

Novamente, tive que rir. 

Olha o gavião, gavião, gavião...


******************************************


Augusto Calheiros, cantor e compositor, nascem em Maceió, AL, em 5/6/1891 e morreu no Rio de Janeiro no dia 11/1/1956. Descendente de índios, nasceu numa família com boa situação financeira. Aos nove anos porém, começou a passar dificuldades. Transferiu-se rapazola para Garanhuns. Ali trabalhou como dono de bar, fabricante de sapatos, hoteleiro, subdelegado e até carcereiro. Paralelamente levava sua vida musical cantando nos cinemas locais. 

Em 1923 foi para Recife, PE, onde começa a cantar na recém inaugurada (1923) e segunda rádio transmissora brasileira, Rádio Clube de Pernambuco. Em 1926 faz parte da formação original do conjunto vocal Turunas da Mauricéia. O conjunto segue ao Rio de Janeiro em 1927.
Calheiros, a partir de 1929, fez também carreira solo, mantendo um estilo próprio cantando músicas sertanejas.

No auge de sua popularidade, dividindo com Jararaca e Ratinho, Dercy Gonçalves, Arthur Costa e outros, cantava na Casa de Caboclo, famosa casa de espetáculo inaugurada em 1932, localizada na Praça Tiradentes, onde era divulgada a música regional brasileira.
Em 1936, cantou no filme Maria Bonita, da Sonoarte. Ao todo gravou 80 discos 78 rpm com 154 músicas.

Em 1955 destacou-se no Segundo Festival da Velha Guarda de São Paulo, organizado por Almirante. 
No início de 1956, Augusto Calheiros faleceu deixando uma única filha, Cleide.
"A Patativa do Norte" (ou nordeste) , apelido que recebeu por tão bem cantar. 


SE QUISER OUVIR O DISCO COMPLETO,

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

80 ANOS DA ROSA DE HIROSHIMA

 




HOJE VOU FAZER UMA POSTAGEM DIFERENTE. NÃO É UMA CRÔNICA, um conto, um poema. É uma postagem de pesquisa sobre o assunto: O ATAQUE AMERICANO AO JAPÃO COM BOMBAS NUCLEARES EM AGOSTO DE 1945. 

Deixo também umas reflexões de como vejo esses eventos, pois nesta época várias publicações COLOCAM OS EUA COMO O GRANDE IMPERIALISTA GENOCIDA, o vilão de toda a história. E não é bem assim.

* * * * 

O Japão recorda nesta quarta-feira (6) os 80 anos do lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, que até hoje ainda é motivo de forte estigmatização contra os sobreviventes do horror do ataque nuclear. 

Em 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram uma bomba atômica sobre a cidade de Hiroshima, matando cerca de 140 mil pessoas. Três dias depois, uma bomba semelhante atingiu Nagasaki, causando a morte de aproximadamente 74 mil pessoas.

Hoje, Hiroshima é uma metrópole próspera com 1,2 milhão de habitantes, mas as ruínas de um edifício com a estrutura metálica de um domo permanecem no centro da cidade, como lembrança do horror do ataque. 

Esses dois ataques, que aceleraram o fim da Segunda Guerra Mundial, são os únicos casos na história em que armas nucleares foram usadas em tempos de guerra. 

* * *

A decisão foi tomada por várias razões, mas a principal justificativa oficial foi:

1. Acelerar o fim da guerra e evitar uma invasão terrestre

O Japão ainda resistia mesmo após grandes derrotas, e os EUA acreditavam que uma invasão ao território japonês (a chamada "Operação Downfall") resultaria em centenas de milhares de mortes entre soldados americanos e milhões de civis japoneses.

As bombas, segundo os EUA, teriam o objetivo de forçar o Japão a se render rapidamente, evitando esse alto custo humano.

2. Demonstrar poder militar (especialmente para a União Soviética)

A guerra estava praticamente vencida pelos Aliados, e os EUA queriam mostrar sua superioridade militar, principalmente à União Soviética, com quem já havia tensões mesmo antes do fim da guerra (isso mais tarde se tornaria a Guerra Fria).

O uso das bombas também pode ter servido como um recado geopolítico.

3. Justificar os gastos do Projeto Manhattan

O Projeto Manhattan, responsável por desenvolver a bomba atômica, foi extremamente caro e secreto.

Usar as bombas seria uma forma de mostrar que o investimento "valeu a pena", do ponto de vista militar e estratégico.

* * * 

O JAPÃO FOI A GRANDE VÍTIMA DESSA HISTÓRIA? Senão vejamos um pouco da história bélica japonesa: 

 Expansão Imperial do Japão (século XIX–XX)

Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894–1895)

Japão invade a Coreia e a China, buscando se tornar uma potência imperial.

Conquista Taiwan após vencer a China.


 Guerra Russo-Japonesa (1904–1905)

Disputa pelo controle da Manchúria e Coreia.

Vitória japonesa surpreendeu o mundo.


Invasão da Manchúria (1931)

Japão invade o nordeste da China, criando o estado fantoche de Manchukuo.

Início da ocupação brutal chinesa.


Segunda Guerra Sino-Japonesa e Segunda Guerra Mundial

 Massacre de Nanjing (1937)

Após a captura de Nanjing, capital chinesa, o Exército Imperial Japonês matou entre 200.000 a 300.000 civis e prisioneiros.

Estupro em massa (estima-se 20.000 a 80.000 mulheres violentadas).

Um dos piores crimes de guerra do século XX.


Uso de Tortura e Armas Biológicas – Unidade 731

Unidade 731: instalação secreta japonesa na Manchúria.

Realizou experimentos humanos com prisioneiros chineses, coreanos e até aliados.

Vivissecção sem anestesia.

Testes com armas químicas e biológicas (antraz, peste bubônica, gás mostarda).

Tortura sistemática era prática comum.


Invasões no Sudeste Asiático (1941–1945)

Japão conquistou:

Filipinas

Indonésia

Malásia

Singapura

Birmânia (Myanmar)


Violência contra civis e prisioneiros de guerra.

Marcha da Morte de Bataan: mais de 10.000 prisioneiros filipinos e americanos mortos em marcha forçada.

O Japão se aliou à Alemanha na Segunda Guerra Mundial principalmente por interesses estratégicos, expansionistas e ideológicos comuns.

O Japão queria expandir seu império na Ásia e no Pacífico, enquanto a Alemanha buscava dominar a Europa.

Ambos os países viam as democracias ocidentais (como Reino Unido, França e EUA) como obstáculos aos seus objetivos expansionistas.


 Pós-guerra e consequências

Após a rendição do Japão em 1945, líderes japoneses foram julgados por crimes de guerra no Tribunal de Tóquio.

Muitos responsáveis, como os da Unidade 731, nunca foram punidos — alguns trocaram informações por imunidade com os EUA.


* * * *

O Japão nunca foi uma "pobre vítima" dos americanos. DESDE A ÉPOCA IMPERIAL, foi um Estado imperialista que promoveu guerras, invasões, assassinatos, estupros. Aliou-se a Hitler para partilhar o mundo com o ditador genocida alemão.

O episódio das bombas de Hiroshima e Nagasaki foi mais um capítulo negro da história da civilização humana que em momento algum da história, conseguiu viver plenamente em paz. E que isso traga reflexões a todos os líderes mundiais.


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Pesquisei os dados em: O Globo, G1, Aventuras na História, GPT

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

A Desculpa de Adão

 


HÁ POUCO PUBLIQUEI UMA CRÔNICA sobre Édipo e seu sentimento de culpa. Mas tem outro interessante personagem da ficção mitológica que tem coisas a nos ensinar e nos fazer refletir. Esse personagem é o Adão Bíblico...


A desculpa de Adão.

Ele  foi  severamente castigado por Deus que não quis saber de suas desculpas por "não saber" e por "ter sido enganado pela mulher". Diferente de Édipo, Adão não se autocondenou pois achava-se inocente. "Foi a mulher que tu me deste".

O cristianismo fundamentou aqui a culpabilidade de toda raça humana diante de Deus.  Sebastião, Anastácia, Roberto, Antônio, Claus, Richard, Pedro, Bhavya, Adongo, Esther, Mohamed... todos vocês, Humanidade, nada fizeram lá nas origens, vocês não comerem do fruto proibido, mas mesmo assim, vocês são culpados pois Adão é culpado! Herdamos sem saber, sem querer, o crime de Adão! 

E como são culpados, estão condenados e devem fazer como Édipo: reconhecer o seu erro ainda que não  tenham comido do tal fruto proibido, pois agora, como Adão, somos conhecedores do bem e do mal...

Saulo de Tarso, o maior teólogo cristão, criou um sistema onde você, condenado, pode se ver livre da culpa e da condenação divinas! Gratuitamente! Deus, em sua infinita misericórdia, oferece-se a si mesmo como sacrifício pelo pecado original (não cometido mas herdado) pela humanidade. Todos vocês, culpados, agora estão livres de condenação! 

Mas... só se reconhecerem o homem judeu Jesus de Nazaré como seu Salvador e como o próprio Deus. Todos os demais, justamente serão condenados se não reconhecerem o Salvador - único caminho para se pagar o débito não contraído mas ainda assim, estabelecido por toda a humanidade.

E é aí que a treta começa...

O Hindu dirá: "Cá acreditamos no karma, em morte e  renascimento, não acreditamos nisso de pecado original." O judeu dirá: "Cá não acreditamos que o homem judeu Jesus tenha sido o Messias que o Eterno nos enviaria." O muçulmano dirá: "Cá acreditamos que Maomé é maior que Jesus, e é a ele que devemos obediência e Jesus não é Deus, só Alah é Deus". 

Que tenho eu com Adão? 

Que culpa tenho eu do crime que ele cometeu? 

Como posso ser culpado por algo que ele fez e não eu? 

No máximo, eu seria culpado pelos meus próprios pecados, não pelo pecado de Adão. 

Devo, tal como fez Édipo, reconhecer meu erro ou devo como fez Adão, me isentar de culpa pelo erro "do destino"? Ou do erro da mulher? Ou pela astúcia da Serpente?

Nesse sentido, vejo Adão e Édipo como lados da mesma moeda. Ambos erraram mas foram vítimas de um maquinário existencial que pouco entendemos.  Édipo foi vítima da profecia; Adão, foi vítima da sua mulher, que foi vítima da Serpente,  ainda que eles pudessem rejeitar comer do fruto proibido. 

E o que teria acontecido se ele recusasse o fruto? 

Somente sua mulher seria castigada? 

Mas também ela não foi enganada pela Serpente? 

No tribunal celeste, todo mundo recebeu seu quinhão de culpa e de castigo. Adão, deveria laborar para se sustentar com o suor do seu rosto; Eva, deveria agora sofrer para parir seus filhos. E a Serpente, perdeu suas pernas a passou a rastejar no pó da terra.

Erros, acertos, intenções, destinos, culpas, condenação divina. Tudo nos pesa. Pobres Édipo, Adão e Eva, vítimas indefesas dos decretos celestiais que precisam lidar com as consequências de seus atos e que deveriam buscar mais leveza para suas almas.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

O Livro da Vida

 HÁ DOIS ANOS a escola do Eduzinho promoveu um festival de vídeos de animação. A tarefa era: Cada turma deveria formar grupos e criar uma animação com a temática sobre educação. Um mês depois, a escola promoveu a mostra dos vídeos de todos os grupos da escola. Me surpreendi com vídeos bem legais. Aqui em casa o grupo do Edu era formado por ele e mais dois colegas. E o pai, claro, poderia ajudar. Então criamos uma historinha sobre livros e educação. O Edu e os amigos fizeram os bonequinhos de massinha e depois eu e ele fizemos a pior parte: Movimentar os bonecos e colocar as falas. Deu um trabalhão danado! Mas valeu à pena, o vídeo foi escolhido como o melhor da turma dele. Mas o Edu disse que nunca mais que fazer nada igual por causa da trabalheira. 







quinta-feira, 24 de julho de 2025

Artista de Rua







O artista de rua é um artista na acepção mais pura da palavra.

Ele não tem o grande palco,
Não tem os grandes cartazes em outdoors lhe fazendo marketing cultural.
Seu cachê
Não é combinado na presença de empresários em almoços de negócios
E sim, na combinação com o ânimo
Ou desânimo 
De quem
Passa
E muitas vezes o ignora

O artista de rua é um sobrevivente.

Vai onde tem povo.

Se alguém para e contempla sua arte, já se sente feliz.

Como todo artista,

Quer o aplauso,

A admiração,

O sustento;

Mas ele não tem palco no Teatro Municipal.

O palco dele é a rua.

Qualquer rua onde haja povo. 

E fala,

E canta,

E faz mágica,

E se equilibra em corda bamba.

Pinta quadros,

Toca flauta,

Toca blue,

Toca jazz,

Toca samba.

Faz pirotecnia,

Declama. 

É um sobrevivente.

É um artista.

De rua. Qualquer rua

Que tenha povo.


Foi assim,

Milton já cantou que era assim.


18 de maio de 2012


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Achei esse poeminha que escrevi em 2012 em um blog meu que eu nem sabia que ainda estava no ar, pois para mim já estaria morto como outros que já criei. Mas depois eu conto essa história.

 

domingo, 20 de julho de 2025

Cenas Do Nosso Cotidiano

 



MARIA TEREZA, logo após tomar seu primeiro café na copa da empresa onde trabalhava, dirigiu-se ao departamento de pessoal para resolver logo pela manhã uma demanda legal. Pediu licença ao entrar e dirigiu-se à mesa da secretária Judite Gonçalves. Antiga no cargo. Conhecida e admirada pelo vasto conhecimento de leis, portarias e regras relativos ao mundo do trabalho. 

— Vim dar entrada em meu pedido de licença-maternidade, disse sorrindo Maria Tereza.

— Ora, enfim você conseguiu a adoção que estava buscando?

— Sim, saiu ontem, estou muito feliz!

— Muito bem, Maria Tereza, está com os documentos da adoção?

— Sim, claro.

Maria Tereza passa às mãos da secretária um documento.

— É...eu preciso da certidão de nascimento atualizada da criança ou a sentença de adoção.

— Então, tá aí.

A secretária olha melhor o documento.

— Mas isso é um certificado de nascimento inválido...

— Como inválido se sou mãe adotiva? 

—Você adotou quem?

— Ora, meu bebê. Adotei ontem mesmo. Preciso dessa licença que toda mãe tem direito para passar mais tempo com ele. 

Era nítido a expressão de felicidade materna no rosto de Maria Tereza e o olhar de desconfiança e indagação da secretária Judite Gonçalves.

— Você não adotou uma criança...isso aqui é uma certidão fictícia de adoção de um bebê... reborn...! Comprovante de compra de um boneco!

Foi nítida  a expressão de contrariedade no rosto de Maria Tereza.

— Como boneco? Como ousa me ofender assim?

—  Maria Tereza, bebês reborn não dão direito à licença maternidade...

—  Como não? Isso é um total desrespeito aos meus sentimentos! Eu me sinto mãe, EU SOU MÃE!

— Você pode até ser, mas sem licença.

Maria Tereza tomou rispidamente o documento das mãos da secretária, deu meia-volta, muito contrariada e lançou a ameaça virando-se ao chegar à porta:

— Isso não vai ficar assim! Me senti desrespeitada, humilhada, vítima de preconceito cruel e desumano. Meu bebê não merece isso, eu vou processar esta empresa. VOU PROCESSAR!


 * * * * *

Maria Tereza, pela segunda vez, sentiu-se aviltada com a opinião do advogado que ela contatou para explicar sua demanda. O advogado disse ser causa perdida, nenhum juiz iria lhe conceder licença-maternidade por causa de um bebê reborn. 

Maria Tereza não se intimidou. Criou uma ONG chamada "Bebês Reborn Importam" (BRI). Fez contato com deputada do PSOL, conseguiu uma verbazinha pública para tocar sua ONG. Fez palestras, vídeos no youtube, Instagram e Tiktok. Não criou um blog pois lhe disseram que a audiência era muito baixa. Foi uma comoção de início, ganhou muitas seguidoras e apoio, porém, com o passar do tempo, a onda reborn foi arrefecendo e outras pautas tomaram seu lugar, como a nova onda de bonecas adultas reborn criadas para satisfação libidinosa de homens inseguros, frágeis emocionalmente e fascistas - segundo opiniões de feministas. Então a ONG BRI, passou a atacar o comércio dessas bonecas sexualizadas e ultrarrealistas que homens machistas e opressores começaram a divulgar nas redes. 

De tanto militar de um lado e de outro, recebendo críticas de todos os lados, inclusive dos homens com mulheres reborn -  se vocês podem ter bebê porque nós não podemos ter mamães? - indagavam eles -  Maria Tereza tomou uma atitude drástica: anunciou o filho nos classificados do site Enjoei e comprou um boneco homem reborn, musculoso e bem dotado. Talvez esse lhe fosse de maior serventia.


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Qualquer coincidência com a realidade não é coincidência. De fato, na Bahia, uma mulher tentou pedir licença maternidade por causa do seu bebê reborn. E as bonecas mulheres reborn estão se encaixando (ou sendo encaixadas!!) no mesmo contexto dos bebês. O cotidiano nosso está  muito interessante.











quinta-feira, 17 de julho de 2025

Pobres Veganos

 


OS AMIGOS  conversavam animados em uma mesa de uma lanchonete:


- Meu nutricionista na última consulta, teceu loas ao leite.

- Quem fala "loas"? Isso é coisa de velho metido a intelectual!

- Olha quem se acha garotão...

- Deixa ele falar! Fala, então o seu nutricionista...aliás, tu tem um nutricionista? Chique isso...

- Sim, chique e metido a intelectual.

- E queria que eu falasse como? Não tenho culpa se gosto do bom português.

- Só disse que "tecer loas" é expressão de velho metido a intelectual. Mas fala, aí, fala.

- É isso. Leite é bom, tem muito nutriente, cálcio...a gente que é velho precisa de cálcio. 

- Tá vendo? Até tu reconhece que é velho....mas me inclua fora dessa. Você faz setenta antes de mim...

- Mas o doutor Enzo já disse em seu canal no Instagram que leite é inflamatório.  Isso sem falar que é uma judiação contra as vaquinhas que precisam estar sempre prenhas para que lhes tirem o leite! 

- Deixa de ser racista e fascista, não pode mais falar "judiação", é antissemitismo!

- E tu é judeu por acaso? Tem algum judeu aqui? Que besteira. 

- Temos que ser politicamente corretos, e ser politicamente correto culinário hoje em dia é ser vegano!

 - Eu ouvi uma nutricionista ontem defendendo a dieta carnívora. Adorei! Só se come carne. Qualquer bicho tá valendo. Teve duas ou quatro patas, pode ir pra panela. E até se não tiver patas! E ainda tem um bônus: pode ovo e leite de boa procedência e seus derivados em pequenas doses. Nada de planta que é cheia de oxalato que inflamam nosso corpo e fibras não digeríveis que te dá caganeira! 

- Você não devia falar "caganeira", que termo mais vulgar! 

- Eu sou um cara vulgar, tu sabe, ó guardião da língua portuguesa...

- Ah, não dá pra comer só carne, já viu o preço da picanha?

- Ora, bolas,  mas não foi você quem votou no cara que prometeu picanha pra todo mundo?

- Não tenho problemas com o preço da picanha ou de qualquer carne. Vantagens de ser vegano, e politicamente correto, em favor da defesa dos bichinhos que são comidos sem dó nem piedade...O veganismo é o futuro!

- Tá doido? Viver comendo planta? Eu  lá sou boi? Eles pelo menos têm quatro estômagos para dar conta de digerir toda a merda que é digerir uma planta...e se o boi come planta e eu como o boi, tecnicamente eu tô comendo planta também...

O amigo  não gostou de ouvir sua dieta ser chamada de "merda".  O convertido ao carnivorismo enfatizou:

- Tu sabe a dificuldade que um estômago humano tem para digerir e lidar com toda toxina que as plantas possuem? Procure saber, meu amigo, procure saber...

- Lavamos bem e deixamos de molho por 12 horas nossos vegetais. Isso ajuda a retirar  os oxalatos e diminuir os antinutrientes que sabemos bem que as plantas possuem como defesa.

- "Ajuda", mas não tira. Eu que já tive três pedras nos rins de oxalato de cálcio não quero ver nada verde no meu prato. É só picanha!!! E se a planta tem defesa contra quem quer consumi-la pra quê entrar em contenda com elas...? Tu é hipócrita! Defende os bichos mas não defende as plantas!

- Mas a picanha tá cara, viu?

- O presidente disse que picanha era só uma metáfora...

- E aquele lá sabe o que é metáfora?? 


 Eu que ouvia tudo em outra mesa do restaurante, fui pesquisar no GPT esse negócio de planta ser ruim para digestão humana pois bicho que come planta tem mais de um estômago pra dá conta, e só no primeiro parágrafo já fiquei convencido que o amigo carnívoro estava certo. Olha o que diz: 

"Nem todos os animais que só comem plantas (herbívoros) possuem mais de um estômago, mas muitos deles têm sistemas digestivos mais complexos justamente porque digerir plantas é mais difícil do que digerir carne"

Olha quem diria que digerir um brócolis é mais complicado do quem digerir um bife!

E sabe, me convenceu, agora eu só vou comer picanha, mas só quando ela deixar de ser metáfora, por hora, me contentarei com cortes menos nobres. 

Sinto muito, pobres veganos.


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sábado, 12 de julho de 2025

A Vergonha de Édipo






                                                          

Estou terminando de ler o livro A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera. A história se passa nos anos 60 em uma Checoslováquia governada por uma ditadura comunista. Um dos personagens, Tomas, confrontando o governo e o povo, escreve um artigo onde argumenta que costumamos dar desculpas para não fazermos nada em relação ao arbítrio. Que os comunistas fecharam os olhos para as atrocidades do regime porque o culpado foi Stalin. Que o assassino procura se desculpar pelos seus crimes, dizendo que a culpa foi da família, da mãe, que não lhe deu a devida atenção e amor quando criança. E então ele dá o exemplo de Édipo como alguém que apesar de ser inocente, não deixou de reconhecer o próprio erro. 

                                                                 * * * * * * * * * * * 


Conforme nos conta Sófocles, Édipo era  filho de Laio e Jocasta, rei e rainha da cidade de Tebas. O casal recebe uma profecia do Oráculo de Delfos que dizia respeito ao destino do filho. A profecia trágica era: Édipo matará o próprio pai e se casará com a mãe. Assustados, Laio e Jocasta entregam o filho para um servo para que ele o mate para que a desgraça profética não aconteça.

Porém, o servo fica com pena do garoto e deixa-o pendurado pelo pé em uma árvore. Logo ele é encontrado por um camponês, que o leva para a cidade de Corinto, e lá ele é adotado por Pólibo e Mérope, rei e rainha dessa cidade. Édipo cresce então acreditando ser filho biológico deles.

Passa o tempo...

Anos depois, Édipo vai ao oráculo de Delfos e recebe a mesma profecia que seus pais receberam anos atrás: ele será o responsável por matar o próprio pai e desposar a própria mãe. Para fugir de seu destino, Édipo sai de Corinto e se muda para Tebas, mal sabendo ele que está indo ao encontro da concretização da profecia...

No caminho de Tebas,  ele encontra seu pai, Laio(evidentemente sem saber que era seu verdadeiro pai) e um servo, ambos indo ao oráculo de Delfos, pois Laio estava preocupado com alguns presságios de que a profecia recebida anos antes, estava para se concretizar. 

Acontece uma discussão entre Laio  e Édipo, pois este está atrapalhando seu caminho e acaba lhe agredindo. Édipo fica enfurecido com a agressão e assassina Laio e seu servo. Sem saber, Édipo mata o próprio pai.

O Destino é implacável...

Quando Édipo chega a Tebas, encontra a cidade sendo atacada pela esfinge, um ser monstruoso que apresenta um enigma a todos os viajantes que chegam lá. Os que não sabem a resposta do enigma são mortos por ela. 

Édipo consegue desvendar o enigma da esfinge, e esta, envergonhada, comete suicídio ao lançar-se em um precipício. A população de Tebas fica profundamente grata por Édipo libertar a cidade daquele monstro e em gratidão, oferece a ele o trono da cidade e a mão da viúva rainha Jocasta(sua mãe!) em casamento. Édipo aceita tanto o trono quanto o casamento, tornando-se rei de Tebas e marido de sua própria mãe, tendo com ela quatro filhos, chamados Etéocles, Ismênia, Antígona e Polinices.

Anos depois, uma praga atinge Tebas, e Édipo procura ajuda de adivinhos para conseguir livrar sua cidade desse mal. Um adivinho chamado Tirésias desvenda a verdade a Édipo e conta que este é o responsável pela tragédia que afeta seu reino. (uma história bem parecida com a tragédia bíblica de Jonas).

É quando Édipo e Jocasta entendem o que aconteceu. Jocasta, em profundo desespero, tira a própria vida. Édipo ordena que ela receba um funeral digno, abdica o trono de Tebas e passa a vagar como um mendigo.


A vergonha de Édipo.

Édipo e Jocasta fizeram certo ao se autocondenarem mesmo sendo inocentes, pois todos foram vítimas da roda do Destino?

No livro citado no início, Milan Kundera faz seu personagem Tomas defender a atitude de Édipo, proclamando ao povo tcheco a fazer o mesmo e não impor a outros a culpa pela sua omissão. Mesmo sendo inocente ao cumprir a profecia, Édipo fez o certo em autocondenar-se e não colocar apenas a culpa na profecia. 

Porém, tempos depois, ativistas procuram Tomas para que ele assine um manifesto criticando as prisões arbitrárias que o governo fazia contra intelectuais que criticavam o regime.  Tomas, porém, tinha sido destituído da sua função de médico pelo governo exatamente pelo texto que ele publicara anteriormente onde citava o exemplo de  Édipo.  Tomas agora era apenas um simples limpador de janelas e não quer mais assinar manifestos.

Ele já foi perseguido pelo governo, não podia mais medicar e agora ponderava porque Édipo deveria se autopunir por um crime que cometeu inocentemente? Agora, Tomas diz que fazer isso seria algo bárbaro. Porque ele deveria se por em risco novamente sabendo que poderia ser castigado de uma forma ainda pior?

Mas Tomas não se sente confortável com sua atitude. Ele foi covarde? Ele já não sabe se deveria ou não ter assinado o manifesto. É justo levantar a voz quando se tenta reduzir um homem ao silêncio? SIM. Mas não era exatamente isso que o governo queria? Que ele assinasse para poder puni-lo outra vez? 

E então o autor faz Tomas elucubrar sobre a questão: Será melhor gritar e precipitar o próprio fim, ou calar-se e barganhar uma agonia mais lenta? 

Existirá uma só resposta para essas perguntas?

Édipo foi justo consigo mesmo ou cometeu uma barbárie contra si mesmo? 


* * * *




sábado, 5 de julho de 2025

O Vovô e o Trem

 



QUEM ME CONTOU disse que foi assim:

Na estação, o trem para e um idoso entra pela porta à sua frente. Por acaso era o vagão feminino. O vagão estava cheio. De mulheres, visto ser um vagão feminino...(não me diga!). Criaram tal vagão para proteger a honra das mulheres que eram  constantemente assediadas por homens machistas com síndrome de Don Juan. Mas acho que a lei precisa ser atualizada, visto o aumento exponencial de mulheres que assediam mulheres...

Ele foi entrando, se esgueirando, empurrando as mulheres em busca de um lugarzinho pra ficar. Não havia lugarzinho algum e até ficar em pé no meio de tanta mulher foi difícil. Algumas foram condescendentes, outras, nem tanto.

- Meu senhor, isto aqui é um vagão feminino, não viu a placa não?

- Minha filha, a porta que abriu mais perto de mim eu entrei, tô atrasado para minha consulta!

Algumas mostraram-se preocupadas com a idade avançada do senhor.

- Senhor, precisa se segurar pra não cair....

- Mas como é que eu vou cair se não consigo nem me mexer, minha filha?

De fato, o idoso tinha estacionado no meio de duas mulheres com alto teor de gordura corporal. 

Outra,  do grupo das preocupadas:

- Mas senhor, não tem ninguém que possa te levar de carro pra consulta não? Quantos anos o senhor tem?

- Vou fazer 89 semana que vem, minha filha. Tenho consulta hoje, não posso faltar!

- Sim, mas ninguém poderia lhe acompanhar?

- Marquei a consulta há três meses e ainda tô atrasado. Vou ficar aqui quietinho, pode deixar.

Outra, da turma legalista argumentou:

- Mas o senhor tinha que entrar em outro vagão, não neste...

E aí começou uma pequena discussão entre condescendentes e legalistas. O idoso se viu objeto daquela discussão e só repetia:

- Tenho consulta, tô atrasado. Faço 89 semana que vem! Não vou assediar ninguém. Já faz uns 30 anos que não assedio ninguém...fiquem despreocupadas, minhas filhas. 

Uma legalista com cabelo pintado de azul:

- Então quer dizer que o senhor era assediador quando era mais novo...? 


Não se sabe se foi a agitação, o aperto ou a pressão arterial, o idoso começou a dizer que estava passando mal.

- Ai, que tô suando frio...ai, minha filha, tô passando mal...tenho consulta...tá marcado....tô atrasado....

Se tivesse espaço, o idoso cairia no chão, mas pendeu o pescoço de lado, fechou os olhos e desmaiou ali mesmo, no meio das duas Avantajadas.

Preocupação geral. Até das legalistas.

- Olha, acode o vovô, ele tá desmaiado!

- Gente, alguém assopra aí a cara dele, deve estar sem ar.

- Mas o ar-condicionado tá ligado.

De uma forma ou de outra, conseguiram colocar o vovô sentado.  

Apareceu uma garrafinha de água.

- Dá pra ele beber!

- Como ele vai beber se tá desmaiado?

- Joga na cara dele que ele acorda.

- Cuidado que ele pode se assustar e ter um infarto.

- Mas depois que ele acordar tem que ir pro vagão certo.

- Não seja tão insensível.

- Lei é lei. Temos que ter todo o cuidado com essa raça de homens mesmo velho, mas que já foi assediador...

- Tu não está exagerando, não?

- Gente, dá água pro vovó!


** * * * * *

Quando o vovô abriu os olhos o trem estava parado com as portas abertas e um funcionário da estação tentava retirá-lo do vagão para lhe prestar atendimento.

O vovó protestou.

- Me deixa aqui, me deixa aqui! Já estou bem, já estou bem! Foi só a pressão que caiu. Não quero sair não, manda o trem andar, tenho consulta, tenho consulta, tá marco há três meses...!

Até as legalistas não conseguiram segurar o riso e não ter simpatia pelo vovó.

-Deixa o vovô aí, moço, ele já tá bem. Ele tem consulta, tá marcado há 3 meses e ele tá atrasado!

- E semana que vem ele faz 89 anos...

* * *

Só mais uma cena do cotidiano carioca nos trens da Supervia.