quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Os Desconstruídos

 


Conversavam no Bar do Luisão.

— O problema hoje é que as mulheres querem ser mais machos que os homens!

—  Que absurdo...você continua machista como sempre foi, né Orlando?

— Machista com muito orgulho, Fernandinho, e não me venha com esse negócio de "homem desconstruído".

— Mas precisamos mesmo nos desconstruir da nossa macheza, isso incomoda muito as mulheres.

— Que mulheres, cara pálida? As de tromba? 

—  Misericórdia, Orlando, você não é só machista, é transfóbico também...

— Essa onda imposta pelas feministas de que homens precisam se desconstruir me soa como um garanhão reprodutor indo para a mesa da castração. E Por quê eu seria transfóbico? Não estamos falando de mulheres, aqueles seres lindos que possuem útero e podem parir?

—  Ser mulher é construção...

—  Sim, construção genética...

— Nossa, Orlando, você não só é machista, transfóbico mas também defende o geneticismo e biologismo!

— Mas que porra é geneticismo? biologismo?

—  Abaixa a voz, Orlando, você quer chamar atenção de todos no bar?

—  Minha voz é potente, voz de macho com testosterona.

—  A testosterona é fascista.

Putaqueopariu, agora tô lascado...


Parênteses do autor que ouvia a conversa

Sim, homens, pasmem: O famoso diretor de cinema James Cameron, diretor do mega sucesso Titanic, declarou há um tempo que a testosterona era um problema. Ele declarou: “Eu sempre penso na testosterona como uma toxina que você precisa lentamente eliminar do seu sistema”

Ou seja, Cameron é um típico exemplo de "homem desconstruído". Aqueles com baixa testosterona, de fala suave, gestos delicados, que sempre abaixam a cabeça quando uma mulher está falando(aliás, com essa nova lei da misoginia, isso será obrigatório...). Engraçado é que os homens desconstruídos estão ficando mansos e as mulheres feministas estão se testosteronando...

Voltemos aos dois amigos.

— O que o Cameron disse eu concordo.

— Tu anda mesmo meio delicado, já fez exame de sangue pra vê como anda tua testosterona?

— Não se trata disso, Orlando, nós, homens, precisamos neste novo momento da história social, sermos menos machistas e mais feministos...

—  Ô desgraça, feministo? 

— Sim, homens que dão as mãos às mulheres feministas na construção de uma nova sociedade sem machismo, sem impulsividade, sem agressividade.

— Sem testosterona...

— Que seja!

— Rapaz, o mundo foi construído por machos fortes, impulsivos! Eles construíram os grandes prédios, os grandes monumentos, as cidades. Eles conquistaram impérios, fizeram guerra e fizeram a paz. E eu nem estou negando que em toda história houve mulheres que deixaram impactos positivos na sociedade! Mas não me venha tirar minha testosterona!

—  Você é misógino. Misoginia no Brasil agora é crime.

— Pronto, mais uma...que negócio é esse de misógino?

— Você odeia as mulheres.

— Ô imbecil, como eu posso odiar as mulheres se eu nasci de uma e meus dois filhos e minha linda filha são filhos da minha querida patroa? Eu respeito as mulheres, só quero que elas respeitem minha testosterona.

Nesse momento, uma mulher com cara de poucos amigos entrou no bar e foi direto à mesa dos dois. Era a mulher feminista do Fernandinho.

- Fernandinho, no bar até essa hora? Já pra casa! 

Pausa para o autor que ouvia a conversa.

Nesse momento resolvi sair do bar, deixei uma nota na mesa e fui saindo de fininho. Mulher empoderada quando peita um homem descontruído é sempre uma vergonha alheia lamentável.


* * * * * 






terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Cuco

 


ESSE NEGÓCIO DE ÉTICA E MORAL é invenção humana. Na floresta, na natureza, não existem tais coisas. E não é de espantar que nossa espécie, fazendo parte da natureza que não é moral, produzir seres morais como nós? Alguns dirão que isso é prova de que fomos criados de forma especial, por Deus. Um argumento bonito mas que para mim levanta outra questão: Como Deus pode ter uma moral? Deus é capaz então de praticar algo imoral, algo que vá contra sua moralidade? Se Deus for incapaz de fazer algo imoral, então ele não é um ser moral e se ele é capaz de fazer algo imoral, não pode ser moralmente perfeito.

E lá tô eu outra vez enveredando por filosofias e teologias. Não quero ir por aí. Mas a citação é para ilustrar a curiosa moral (ou não moral) do Cuco, esse pássaro que tem hábitos reprodutores sui generis. O Cuco pratica o Parasitismo de Ninhada: eles não constroem ninhos próprios nem criam seus filhotes. A fêmea busca ninhos de outras espécies de pássaros, como canoros, e deposita seus ovos neles.

Olha só isso! O feminismo radical contra os filhos foi inventada pela fêmea Cuco e não por alguma acadêmica progressista de cabelo azul e sovaco cabeludo. Fico pensando o que leva a fêmea Cuco fazer isso. Por quê a Seleção Natural criou nelas tal instinto nada moral pelos padrões humanos, apesar de fêmeas humanas também fazerem coisas parecidas...

E olha os requintes de imoralidade da Cuco: Para não ser descoberta, elas botam ovos que imitam a cor e o padrão dos ovos da espécie hospedeira. Existem diferentes populações de cucos com ovos de cores diferentes, cada uma especializada em um tipo de hospedeiro.

Mas o mau-caratismo não para na mãe Cuco, pois os filhos seguem o exemplo. Assim que nasce, o filhote de cuco instintivamente empurra os outros ovos ou filhotes para fora do ninho...

No alto da minha moralidade judaico-cristã eu já estou aqui a odiar os cucos. Aliás, não, odiar pode não ser moralmente justificável. A não ser que você odeie o que todo mundo odeia, tipo uva passa no arroz de Natal.

E olha como a ave que levou o golpe é tonta: a ave hospedeira, sem perceber a diferença, passa a criar o filhote de cuco como se fosse um dos seus, alimentando-o até que ele se torne independente.

Isso que é parasitismo bem sucedido!

E os filhotes cucos crescem bem rápido, em poucos dias já são maiores que seus pais adotivos e ludibriados, e migram sozinhos para o sul no inverno e voltam na primavera para reiniciar os atos nada éticos de darem seus filhos para outras criarem.

E se foi Deus também quem criou os cucos, gostaria de perguntar a Ele porque resolveu colocar neles tal prática. Mas se na natureza não há moralidade,  Deus resolveu não levar a moral tão à sério assim, a não ser com a espécie humana. Eita que lá estou eu a teologizar de novo!


E olha como são bonitinhos. Bonitinhos e ordinários, diria Nelson Rodrigues.


(...)

Mas até que olhando bem, eles tem um olhar meio bizarro...






quarta-feira, 26 de novembro de 2025

As Dores do Mundo

 

Alma e mente se comunicando e ponderando sobre as dores do mundo, que são na verdade, nossas dores. Alma seria o nosso sentimento e a mente a nossa razão? Sentimos a dor e refletimos sobre ela. O mundo está sempre em mudanças (nem sempre para melhor). Tudo evolui, inclusive as sociedades. O que nos deixa pasmos é que depois de tantos milênios de evolução social, ainda tenhamos no mundo tantas diferenças abissais. Não acredito em zero diferenças. Não é possível. Todo ser humano é um universo próprio. Mas certamente, gostaríamos de ver  e de ter um mundo menos injusto.

Escrevi o comentário acima no blog do poeta Jaime Portela para seu poema O Mundo Doi-me

Depois fiquei pensando na expressão "as dores do mundo" e lembrei-me que esse é o título de um dos livros do filósofo Artur Schopenhauer. O livro é considerado uma das obras clássicas da filosofia alemã, abordando reflexões sobre a existência e propondo uma nova forma de pensar sobre a dor e a felicidade.

O principal argumento do filósofo é de que a existência é a própria dor. O mundo como um lugar de expiação. Viver é sofrer. O filósofo chegou à conclusão de que a vida nada mais é do que uma busca incessante por satisfazer desejos que logo após serem satisfeitos, geram novas frustrações e novos desejos. O  ciclo dos desejos a serem satisfeitos é infindável e isso é dor. Diz o autor que

O bem, a felicidade, a satisfação são negativos porque não fazem senão suprimir um desejo e terminar um desgosto (...), em geral, achamos as alegrias abaixo da nossa expectativa, ao passo que as dores a excedem sobremaneira...

O núcleo do pensamento de Schopenhauer é a VONTADE. A Vontade é uma FORÇA IRRACIONAL, cega, que nos impulsiona a todo momento todos os seres. Somos manifestação dessa Vontade metafísica e como a Vontade nunca encontra onde repousar, a inevitável consequência é o sofrimento. 

Não queremos todos a "felicidade"? Sim, e esse desejo é vão. É uma ilusão, pois nunca existirá felicidade plena, apenas momentos breves de um alívio do sofrimento. A dor, esta sim é real e positiva, o prazer é passageiro, vazio, ilusório. 

Isso me fez lembrar de alguns versículos do Eclesiastes (meu livro preferido da Tanak (Antigo Testamento), ao lado do livro de Jó): 

É melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma casa em festa, pois a morte é o destino de todos; os vivos devem levar isso a sério! O coração do sábio está na casa onde há luto, mas o dos tolos, na casa da alegria. 

(Eclesiastes 7:2-4)


A dor nos faz refletir, a alegria nos faz esquecer que somos pó. 

Essa condição nos atinge até mesmo quando não estamos sofrendo, pois constantemente somos tomados pelo tédio. E aí lembrei-me da música do grupo Biquini Cavadão:


Sabe esses dias

Em que horas dizem nada

E você troca o pijama

Preferindo estar na cama...


Sim, sabemos. Todos sabemos.


Sentado no meu quarto

O tempo voa

Lá fora a vida passa

E eu aqui à toa

Eu já tentei de tudo

Mas não tenho remédio

Pra livrar-me desse tédio...

Até mesmo quando não temos plena consciência de que estamos vivendo no tédio das nossas rotinas, ainda assim o tédio está lá e em algum momento ele pulula como uma alergia de pele. 

A existência é um pêndulo...ora oscila para o sofrimento, ora oscila para o tédio. A felicidade é uma intrusa.

Schopenhauer faz uma crítica voraz à sociedade, que ele via como superficial e hipócrita. O que tem valor para as pessoas são suas ambições sociais, seus status, ser reconhecido. E isso tudo não passa de doce ilusão que aumenta a infelicidade na proporção direta em que as buscamos.

Por isso, a vida em sociedade intensifica a dor.

Qual o remédio de Schopenhauer para a dor, o sofrimento e o tédio? Valorizar a solidão e o afastamento dos prazeres mundanos. A solidão seria mais saudável, pois conviver diariamente com outras pessoas sempre traz conflitos e frustrações. 

Mas o filósofo dá uma saída: A VERDADEIRA PAZ ESTÁ EM REDUZIR OS DESEJOS. Preferir uma forma simples de viver e cultivar a própria interioridade. 

Os críticos de Schopenhauer o acusam de ser um "pessimista radical", porém, há algo que o filósofo vê como positivo: A BASE DA MORAL DEVER A COMPAIXÃO. Quando reconhecemos o sofrimento alheio como sendo nosso sofrimento, desenvolvemos empatia.

A compaixão é a forma de aliviar - mas não extinguir - as dores do mundo.

Schopenhauer vê também na arte uma busca de alívio, especialmente a música. Ela teria o poder de suspender temporariamente o domínio da Vontade, e assim, experimentamos uma redução da dor.    

Porém, não há como escapar - esse alívio será sempre momentâneo. 

Podemos negar a Vontade, reduzindo os desejos, evitando paixões e buscando uma vida mais austera que diminua o sofrimento. Nesse aspecto, o filósofo se aproxima das tradições orientais, com o budismo.

Concluindo, podemos discordar do "pessimismo" de Schopenhauer, mas nunca poderemos negar que ele estava certo ao definir a existência como sofrimento. Já começamos a vida, chorando...as dores do mundo estão aí, a todo momento batendo em nossa porta.

Para finalizar (olha o que teu poema me fez escrever, Jaime!), trago a nossa poetisa Cecília Meirelles para a conversa, pois aparentemente, ela deveria concordar com tudo o que disse o filósofo:



És precária e veloz, Felicidade.

Custas a vir e, quando vens, não te demoras.

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,

e, para te medir, se inventaram as horas.



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É claro que você pode negar o pensamento de Schopenhauer e defender o hedonismo, que defende que a busca pelo prazer ou a busca pelo bem-estar deve ser o mote da vida humana. Mas isso pode ser papo para uma outra crônica de filosofia de botequim. 

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Ilustração: GPT



quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Tragédias Antigas




Tem tragédias que só quem nasceu antes dos anos 70 sofreu. Algumas dessas tragédias marcaram profundamente nossas vidas. Muitos entraram em depressão por causa de algumas delas. Outros não se contendo, xingavam a existência e a vida. Se você nasceu nos anos 2000 e anda pela blogosfera, você nunca passou por nenhum desses problemas. Aliás, você é esquisito se tem até 25 anos e escreve blogues - pois decididamente, blogue é coisa de velho. Porém, se você está passando por aqui, deixei até uns links para que você saiba do que estou falando.



Quando as fichas acabavam no meio da ligação feita do orelhão.

Era triste, ainda mais se estava no meio de uma ligação para a namorada marcando aquele encontro no sábado.

A agulha riscava o LP bem na melhor música.

Isso era uma tragédia de primeira grandeza. Você estava ouvindo aquele seu disco predileto e em algum momento uma mesma frase ficava se repetindo, repetindo...

Você datilografava errado a última palavra da página.

Isso era quase motivo de eu meter a cabeça na parede. E pior ainda...não tinha fita corretiva de máquina de escrever pra consertar.

O locutor falava as horas ou soltava uma vinheta BEM NO MEIO DA MÚSICA que você tinha passado horas esperando pra gravar na fita K7.

Isso era uma falta de respeito a nós, que gravávamos músicas diretamente do rádio.... E depois o toca-fitas mastigava a fita K7... O locutor não falava o nome da música quando ela terminava...e você ficava anos sem saber quem cantava ou como chamava aquela música que você tinha amado.

 Você tinha que pagar multa por devolver a fita de vídeo VHS pra locadora sem rebobinar.

Eu paguei algumas dessas multas por pura preguiça de rebobinar as VHS.

 O Ki-suco vazava da garrafinha da sua lancheira.

Ah, mas isso era trágico demais!

 Você tirava as letras das músicas em inglês tudo errado e depois descobria, no folheto da Fisk, que estava tudo errado mesmo, mas já era tarde, pois você já tinha decorado errado (e canta errado até hoje).

Eu gostava de ver o Sr Fisk dando aulas de inglês na TV com música mas eu não aprendia nada mas gostava das músicas...

Você arranhava com todo cuidado, mas quando levantava o papel via que o bichinho do decalque do Ploc tinha saído sem uma perninha.

A televisão resolvia sair do ar no dia do último capítulo da novela... e seu pai tinha que subir no telhado pra mexer na antena...e ele gritava lá de cima “melhorou?” E você, embaixo, avisava: “melhorou o 5, o 7 e o 9. Piorou o 4, o 11 e o 13”. E isso já um pouco mais recente, pois quando eu era menino era até mais fácil, só existia lá onde eu morava a Globo e a Tupi. Quando era pra ver a Globo rodava a antena pro lado, quando era a Tupi, rodava pro outro...

Chegar à padaria e lembrar que você tinha esquecido o “casco” do refrigerante.

Isso até parece que está querendo voltar com toda essa onda de "salvem o planeta".

Você descobria que todas as 36 fotos do seu aniversário tinham ficado desfocadas e algumas tinham queimado, porque o rebobinador da câmera tava meio enguiçado.

Isso então, era tragédia num nível inimaginável.

Você pensava que ia morrer porque engoliu uma bala Soft

Eu, algumas vezes passei pelo drama.


Então, filho, essas foram algumas tragédias que seu pai sofreu na sua idade e que você nunca vai sofrer. Tem muitas outras, mas eu sei que você tá achando essa conversa bem chata. 


sexta-feira, 14 de novembro de 2025

O Carteiro

 





     QUANDO CRIANÇA eu olhava o carteiro chegando. "Toma, é pra tua mãe". Tinha essas intimidades, o carteiro conhecia todo mundo na rua pelo nome. Eu pegava  a carta e aquilo me trazia imensa felicidade. Como deveria ser empolgante receber uma carta! "Mãe, mãe, tem carta pra você!". Era da tia Valdira que morava em outro Estado. Eu gostava muito dela. Tinha uma linda voz, compunha belas canções com seu violão. Na carta ela contava feliz o nascimento do terceiro filho.

     O carteiro deveria ser feliz. Ele era livre. Andava daqui prá lá a pé ou de bicicleta, entregando mensagens para as pessoas. Uma carta de um amigo distante. Um telegrama dizendo que a filha chegaria no sábado. Um telegrama sobre uma herança recebida...assim eu pensava no meu jeito sonhador de criança. Decidi ser carteiro quando crescesse. Levaria muitas cartas para muitas casas e deixaria todo mundo mais feliz, com boas notícias. Mas um dia entendi que o carteiro não só levava mensagens boas e alegres, mas também tristes. "Candinha faleceu. Infarto fulminante" - foi o telegrama que Dona Norma, a vizinha do fim da rua, recebeu naquele dia. O carteiro então, era como a vida. Nos fazia sorrir ou nos fazia chorar. Eu não queria mais ser carteiro, vai que eu teria que entregar um telegrama ruim para minha mãe!

sábado, 8 de novembro de 2025

Minha Sogra



 MINHA SOGRA acha que eu quero matá-la. Isso mesmo. Depois de 20 anos de convivência eu virei seu maior pesadelo. Tenho culpa no cartório? Nem no cartório nem em lugar nenhum. Acho. Ela tem 83 anos. Lúcida. Anda na rua sozinha, cozinha, conversa bem sobre qualquer assunto que não seja eu. Encasquetou que eu quero vê-la pelas costas, quiçá, numa sepultura. 

Mania de perseguição ela tem desde mais nova. Era sempre um carro preto que a seguia quando ela estava andando na rua. Era um cara mal encarado que a encarou por muito tempo dentro do ônibus. Era a mulher do pastor que durante o culto ficava olhando muito para ela. Era o vizinho da frente que a espionava através da minúscula abertura entre o portão e a parede.

Diz o médico que é um tipo de esquizofrenia. A pessoa "escolhe" alguém próximo para ser seu alvo. No caso, o escolhido fui eu.  Diz que eu quero expulsá-la de casa mancomunado que estou com a mulher de um de seus  filhos. Outro alvo secundário ou coadjuvante. Eu lhe disse há 23 anos que ela poderia ficar na minha casa até que ela morresse. De graça. Eu construiria um segundo andar para morar com a sua filha com a qual me casaria. E casei. E construí. 

Isso talvez seja reflexo da sua vivência por quase 40 anos com a violência na porta de casa. Durante todo esse tempo moraram em uma favela que tinha dias bons e ruins. Os ruins, claro, os dias de tiroteios. Traficante contra traficante, traficante contra polícia. Tinha uma boca de fumo literalmente ao lado do seu portão. Muitas vezes, soldados do tráfico, garotos que ela conhecia desde pequenos, invadiu sua casa em busca de abrigo fugindo de algum perseguidor, fosse polícia, fosse traficante rival. E o que podiam fazer a não ser abrir a porta? Certa vez um desses abrigados sugeriu sair de casa abraçado com minha esposa fingindo serem namorados para despistar. ISSO NÃO! protestou ela. E não saiu. 

E não é que a polícia bateu na porta, entrou na casa à procura do tal que se escondeu debaixo da cama? Os policias foram nos cômodos da casa mas não sei se por incompetência ou milagre, não achou o meliante. Depois que tudo se acalmou ele pôde sair e ir embora, não sem ouvir antes da minha sogra um "Vai com Deus, muda de vida que Jesus tem um plano pra você". Não sei que fim levou e nem sei se o tal plano se concretizou.

Os dias bons na favela eram os dias sem tiroteio. A favela fervilha: à noite, é todo mundo na rua. Crianças, adolescentes, adultos. Caixas de sons tocando o funk da vez. Muitos pontos de vendas de cachorro quente, açaí, sorvetes. A favela é exemplo da economia da livre iniciativa. Fila para comprar drogas, tudo bem organizado pelos soldados armados do movimento. A primeira vez que entrei lá com minha futura esposa ela me deu a dica: "anda normalmente e não fica encarando". Segui à risca. Sem problemas. Em sua grande maioria, na favela estão  pessoas honestas, trabalhadoras, que apesar de tudo, se agarram a uma  felicidade que talvez seja resistência.

Mas o fato é que agora, ela, minha sogra, pensa que eu quero matá-la e despejá-la da sua (minha) casa. A esposa diz que eu tenho que entender a cabecinha dela. Eu entendo. Acho. Pois ela espalhou pra Deus e o mundo que eu pretendia matá-la. Depois a versão mudou: eu contratei por 20 mil, milicianos para matá-la. Reclamava que eu poderia ter dado os tais 20 mil para ela comprar um casinha e se mudar.

Tudo isso ela diz para minha esposa, não para mim. De mim ela foge feito diabo da cruz. E só mora a uma distância de uma descida de escada. Quando estou limpando o quintal e ela me vê, limita-se a dizer um "bom dia" meio em grunhido, para dentro, cabeça baixa sem me encarar. Eu para relaxar, respondo bem alegre e efusivo "e aí, dona Josefa, tudo bem?". "Graças a Deus, tô comendo, tô andando, tá tudo bem.." é o que ela sempre responde.

Essa paranoia começou quando ela ouviu do seu quarto pessoas na rua dizendo que "ela morava sozinha" e que seria "fácil entrar na casa" - pronto. Ela se identificou com o "ela morava sozinha" e por tabela, chegou à conclusão que era eu que estava por trás da possível invasão. 

Travou as janelas do seu quarto e da sala. À Noite, coloca duas varas de ferro na porta, distribui panelas em volta para numa eventual invasão ela ser acordada pelo barulho.  Saiu do seu quarto e foi dormir na área de serviço. Fez 4 cadeiras de cama. Não adiantou a filha reclamar. Dizia que dormia muito bem ali. Passou quase um mês inteiro dormindo assim até ter coragem de voltar para o quarto.

E sim, no início eu, minha esposa e o cunhado mais chegado conversamos com ela. Tentamos dissuadi-la da ideia que eu estava tramando contra. "Mas eu ouvi"...repetia ela. "Mas a senhora nem sabe se ouviu mesmo e se ouviu, como pode saber que estavam falando da senhora" - tentei argumentar. Em vão. Ela tinha ouvido alto e claro.

É essa minha paga por tê-la tirado do meio da favela e ter levado toda a família para um bairro melhor... 

Em tempos passados, ela me idolatrava. Afinal eu lhe dei uma casa e ainda casei com a filha (não que a filha estivesse encalhada). Meu sogro, que já foi alvo de uma crônica minha aqui, era um amor de pessoa. E sim, me chamava de Edualdo. Se vivo estivesse, certamente estaria repreendendo a esposa com aquela voz manhosa de mineiro-viciado-em-queijo: "mas Zefinha, filhinha, você acha que o Edualdo ia lhe fazer mal"? 

Talvez ela me olhasse desconfiada, de rabo de olho, e repetisse: "Eu ouvi".


                                                                * * * * * * * * * * * * 



terça-feira, 4 de novembro de 2025

Love Story # 2

 




Cláudia Cristina desde muito nova, tinha dúvidas se gostava de meninos. No Ensino Médio, Cláudio Romero lhe pediu um beijo e ela lhe ofereceu seus lábios, mas depois fez cara feia de nojo. Cláudio Romero, popular conquistador da escola, viu-se diminuído, objeto de sátiras dos amigos e quase entra em depressão. 

Em outra ocasião, o beijo que Cláudia Cristina deu em Ana Paula fora o máximo. Ela confirmava para si que seu desejo era por uma igual. Cláudio Romero não deveria ter ficado tão magoado e diminuído em sua fama de conquistador e ainda ter posto nela a culpa pelo beijo fracassado.

Não que Ana Paula gostasse de meninas, Ana Paula gostava de bocas, fosse de um gênero ou de outro. A despeito de todo preconceito que sofreram de alguns, namoraram por todo o período do segundo ano do Ensino Médio quando a família de Ana Paula se mudou para Brasília. 

Cláudia Cristina sofreu.

Seis meses depois, seu irmão José Luiz, levou sua namorada, Helena Juliana, para conhecer a família. Uma bela morena no auge dos seus vinte anos. Seios fartos, sorriso encantador, cabelos encaracolados que descansavam lindamente em seus ombros. Para Cláudia Cristina, foi amor à primeira vista. Foi como se Ana Paula nunca tivesse existido. 

Três meses depois que José Luiz apresentou Helena Juliana à família, as duas estavam perdidamente apaixonadas - Helena Juliana e Cláudia Cristina. Para Helena Juliana foi uma descoberta, pois jamais se percebeu atraída por mulheres. Que sedução era aquela que tinha Cláudia Cristina?

José Luiz afundou-se na vergonha. Não saia mais do quarto onde passava o dia inteiro descarregando sua frustração e ódio da irmã em jogos online. Cláudio Romero também jamais perdoara a vergonha que Cláudia Cristina lhe impusera. José Luiz não conseguia perdoar nem a irmã nem a ex-namorada. Ambos se encontraram online em uma partida de Fortnite. Ficaram amigos. Trocaram frustrações. Admiraram-se de como o "mundo era pequeno". 

Três meses depois os corpos de Cláudia Cristina e Helena Juliana foram encontrados em um matagal. 



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Love Story 1

Foto gerada por IA

sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Alívio

 



Dava dó ver o rostinho fazendo caretas.

Tempo frio. Narizinho entupido. 

Mãe faz  aspiração manual mas

Bombinha de sucção não dá conta.


O pai lembra  sua mãe dizendo que na infância

Era dado a secreções difíceis de sair.

Fungava, fungava, inquieto.

E agora, o filho ali, sofrendo do mesmo mal.

Bombinha não dava conta.


Lembrando do que o próprio pai lhe fizera,

Não teve dúvidas:

Envolveu o narizinho com a própria boca

E sugou...


Muita secreção lhe vieram ao gosto

Livrando o filho do incômodo.

Melhor bombinha de sucção não há.



_________________________

Baseado em casos que houve 

por aqui.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Guerra no Rio

 



EU QUERIA ESCREVER UMA HISTORINHA ENGRAÇADA, DIVERTIDA, LEVE, mas diante do que aconteceu ontem aqui no meu Rio de Janeiro, a graça foi embora, o riso trancou-se e quedou-se sem saber do que rir, pois só havia motivos para prantear, lamentar, duvidar, ponderar. O que aconteceu ontem aqui foi uma guerra. Não que os mais de 3 milhões de cariocas que moram em áreas dominadas por facções do tráfico de drogas não estejam acostumados com esses confrontos - mas o que assustou foi a grandeza dessa operação: Mais de cem mortos!

Em vários pontos da cidade criminosos fecharam vias, fecharam o comércio e centenas de pessoas não puderam voltar para casa diante da escassez de ônibus, visto que vários foram queimados.

Até ontem, o governo do Estado apontava ter havido 64 mortes sendo 4 policias na operação que buscava prender traficantes e impedir a expansão da facção Comando Vermelho.  Depois que o olho do furacão passou, os próprios moradores do complexo de favelas da Penha e do Alemão entraram na região de mata para procurar corpos e  o que encontraram foi chocante como mostra a foto acima. Numa cena bizarra de guerra, os moradores foram enfileirando os corpos no chão um ao lado do outro.

Um dos moradores que esteve nas buscas pelos corpos declarou:

— Encontramos um deles com uma granada na mão e outra sem pino, aparentemente. Então deixamos lá (na mata), não sabemos o que fazer. A angústia é grande, uma tristeza. Conhecia muitos de infância, mas mudaram de vida (para o crime) depois — relata. — a forma como foram encontrados é de execução: tinha gente amarrada com tiro na testa. 

O que mais choca a nós, moradores desta cidade linda do Rio de Janeiro, centro cultural do Brasil, é que essa operação não vai frear o avanço da facção em nem um centímetro. O narcoterrorismo está tomando conta do Brasil. A continuar essa progressão, logo seremos como Colômbia e Venezuela. O conceito de “narco‑estado” (ou narco-state) designa um país em que o tráfico de drogas ou redes de narcotráfico têm influência decisiva nas instituições estatais — governo, polícia, judiciário — ou ainda, o Estado está tão enfraquecido que grupos criminosos comandam de facto grandes partes do território. 

O Brasil está repleto de regiões que são dominadas pelas facções criminosas. Lá a polícia não entra a não ser com conflitos que sempre geram a morte de bandidos, policiais e inocentes. As facções já entraram na política conseguindo financiar e eleger seus candidatos e expandindo seus negócios na economia legal com farmácias, postos de gasolinas, etc.

E tudo fica mais surreal quando a poucos dias o presidente Lula cometeu uma das suas piores gafes ao dizer que o traficante também é vítima do viciado! Caiu tão mal no próprio escopo governamental que ele foi às redes se retratar.

Quando o país terá uma política de enfrentamento ao crime organizado e ao crime do dia a dia que seja inteligente e eficiente? Os governos de esquerda são sempre acusados de defender criminosos como se fossem apenas "vítimas da sociedade" e até certo ponto isso é verdadeiro. O próprio presidente Lula em outra ocasião declarou que quem rouba celular quer apenas "tomar uma cervejinha" ou porque não tem "o tênis da moda". Por outro lado, políticos da direita radical só veem o confronto, a morte, como tática de enfrentar o problema.

Essa é uma guerra que segundo vários especialistas, só será vencida com políticas públicas onde Estados e União estejam articulados conjuntamente e não somente com o uso da força mas principalmente com o uso da inteligência para cortar as artérias financeiras que alimentam as facções. O aumento de penas também pode ajudar a não passar a ideia de impunidade à população. 

Apesar das atuais propostas engendradas pelo Ministério da Justiça, ninguém realmente acredita que a coisa vai melhorar, ainda mais diante de posicionamentos  do  ministro da justiça Ricardo Lewandowski, que vê como algo positivo que 40% dos presos em flagrantes são soltos durante as audiências de custódia. Segundo ele, "a polícia prende mal". Por "prender mal" pode estar uma situação em que um policial dá um tapão na cara de um bandido pego em flagrante e na audiência de custódia o juiz vai perguntar se o preso foi "bem tratado" e ele vai dizer, "não, seu juiz, eu levei um tapa na cara" - pronto, o policial foi contra os direitos humanos do bandido e ele sairá livre, leve e solto pela porta da frente dando uma bela banana para a polícia e para a sociedade.


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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

A Oferta

 




- Alô, seu Carlos?

- Quem?

- Seu Carlos?

- Quer falar com quem?

- É o seu Carlos que está falando?

- Depende de quem quer saber.


- Eu sou representante do cartão de crédito ultramax plus e tenho uma oferta irrecusável para o seu Carlos. Um cartão de crédito com anuidade gratuita e com um limite pré-aprovado de 8 mil reais. É o seu Carlos que está falando?

- Sim, é ele.

- Então, seu Carlos, como lhe disse o cartão já está pré-aprovado para o senhor, bastando somente que o senhor me confirme alguns dados.

- Vocês tem certeza que estão oferecendo cartão de crédito para a pessoa certa?

- Nossos computadores indicaram o seu nome para receber essa oferta, seu Carlos.

- Seus computadores devem ser loucos...

- Seu Carlos, o senhor poderia só confirmar  o nome da sua mãe e seu atual endereço?

- Mas eu nem disse que queria o cartão!

- Seu Carlos, poucas pessoas foram selecionadas para receber essa oferta, o senhor pode se considerar um bom cliente.

- Mas eu estou devendo a dois cartões de crédito na praça...

- Sim, seu Carlos, mas suas dívidas já tem mais de 5 anos e o senhor foi selecionado para receber essa grande oferta. São 8 mil de limite sem anuidade, seu Carlos! Pode conferir o nome da sua mãe e seu endereço?


- Minha mãe se chama Cleolinda Silveira Silva, meu endereço é rua do Mato Alto, lote 5, curva 18, rua 7, bairro do Moinho Desfigurado.

- Certo, certo. Está tudo confirmado, seu Carlos, estaremos lhe enviando o seu cartão dentro de 7 dias.

- Tá bom...

- Posso lhe ajudar com mais alguma coisa, seu Carlos?

- Foi você que me ligou.

- Sim, certo, então está feito seu Carlos, seu cartão Ultramax plus lhe dará muitos privilégios e praticidade em suas compras.

- Tá. 


- Alô.

- Seu Carlos?

- Quer falar com quem?

- É seu Carlos?

- Depende, quem está falando e quer falar com quem?

- Quero falar com seu Carlos.

- É ele que vos fala.

-Então, seu Carlos, aqui é do cartão Ultramax Plus.

- Sim.

- É que o senhor está atrasado dois meses em suas faturas, seu Carlos.

- Estou é?

- Sim. Estou disponibilizando para o senhor um boleto para o senhor fazer o pagamento hoje no total de cinco mil e quintos reais e trinta e sete centavos.

- Não vou querer não...

- Como, seu Carlos?

- Minha filha, eu não quero pagar não. Deixa isso rolar e daqui a cinco anos você me retorna me oferecendo um outro cartão super max ultra plus que eu vou aceitar de bom grado.

- Seu  Carlos...

Pin pin pin pin pin pin



* * * *



quinta-feira, 23 de outubro de 2025

O Sardinha

  


- O Sardinha tá aí?

- Saiu.

- Quando volta?

- Não demora, foi na casa do Camarão.

- Tá sabendo  que o Baiacu aprontou outra vez?

- Nem me diga.

- Pois digo: Quebrou a cara do Robalo!

- Mas o Robalo, outra vez procurando briga?

- Tudo por causa da Carpa.

- Mas ela também não se decide.

- Pois é.

- Ou ela fica com um ou com o outro. Ou com os dois de vez.

- Daria um bom pirão.

- Ô.

- Então já me vou, preciso encontrar o Tucunaré, combinamos ir à praia. Depois falo com o Sardinha.

- Cuidado com as Piranhas.

- Nem me fale, Tilápia tira meu coro.

- Tchau, Tubarão.

- Valeu, Pintado.


* * * * * * 

domingo, 19 de outubro de 2025

Surreal

 



- Papai, papai, vem vê!

- Tô indo.

- Vem rápido, papai, você vai perder!

- Calma, filho, estou terminando o almoço.

- Deixa o almoço aí e vem cá! Por favor!

- Tá bom, tá bom, tô indo.

- Olha, pai. Olha.

Apontava o dedo para o céu azul de uma manhã de dezembro.

- O quê? 

- Não está vendo?

- Tô, tô vendo é muito sol e céu azulzinho, olha que bonito!

- Bonito é mas tô mostrando outra coisa!

- Mas o quê?

- Aquele elefante com asas nas orelhas que vai passando ali...

-É o quê?

- Não tá vendo?

- Filho, elefantes com asas não existem, muito menos elefantes voadores...

- Claro que existe, eu estou vendo! Não consegue ver? Olha bem, bem ali...

O pai para. Deixa a racionalidade inútil de adulto de lado. Entra na onda e diz:

- Filho, consigo ver agora, que legal! Mas olha,  vê, ali atrás, tem a senhora elefanta cor de rosa com asas e dois elefantinhos, um cor de rosa e outro azul, olha que família de elefantes voadores linda!

Ele para. Olha para o pai com uma carinha traquina e diz.

- Pai, menos, era só o elefante azul mesmo.

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Eu Dormi Na Praça Por Causa do ET e Porque Não fui Pra Igreja

 





É, O TÍTULO é grande e exagerado.


O ano era 1982. Local: Vila Velha, Escola de Aprendizes Marinheiro do Espírito Santo (EAMES). Turma Bravo Uno. Doze meses de curso que pareceram levar doze anos para acabar.

Esperávamos ansiosos o final de semana depois de uma rotina exaustiva de acordar às cinco da matina para fazer ginástica, muitas vezes correndo pelas ruas desertas de Vila Velha, algumas vezes subindo o longo trajeto que ia dar no Convento da Penha (não espalha, mas eu dava um jeito de me esconder e evitar a exaustiva subida). Às seis tomar banho e formar para o café. Às sete  estar em sala de aula até o meio-dia para então, formar para o almoço e ter um pequeno descanso de uma hora até as atividades da tarde, que poderiam ser aulas de ordem unida (marchar por umas 3 horas), faxina pela escola, atividades em grupos especiais, aulas de tiro, aulas de natação, etc. Às cinco,  banho para a janta e estudo obrigatório das oito às nove; uma pequena ceia e depois  às nove e meia,  soninho da beleza para no  outro dia começar tudo de novo. Isso sem falar na escala 2 x 1 do plantão.

                                                    

O final de semana era nosso escape dessa rotina. A glória era ter todo o fim de semana de folga por não estar de serviço(plantão) nem sábado nem domingo, pois se estivesse, não se podia sair. Ficar na escola vazia num final de semana só para tirar serviço era deprimente. Tudo bem, tínhamos um psiquiatra de plantão.

Antes de eu fazer concurso para a EAMES, eu fazia parte do grupo de jovem de uma igreja. Tocava guitarra. Fazia retiros. Cantava em coral. Lá na escola também tínhamos um grupo de evangélicos que se reunia no tempinho entra a janta e o estudo obrigatório. Naquele sábado tínhamos combinado ir a um culto em uma igreja batista. Um bom programa para um jovem evangélico - certamente não faltaria na tal igreja, meninas bonitas e dispostas a confraternizar com uns marinheiros (já que na escola só convivíamos com homens 24 horas por dia). E quando eu digo "confraternizar", é confraternizar mesmo, não pensem em safadezas! Quem queria safadeza ia à uma boate onde havia mulheres disposta a uma confraternização, digamos, mais íntima, pelo justo valor. 

Acontece que nos cinemas tinha estreado com imenso sucesso naquele ano, o filme do ET, e eu tinha lido uma reportagem  em uma revista sobre o simpático visitante de outro planeta e fiquei com muita vontade de ir assistir. 

Naqueles tempos não era de bom alvitre jovens evangélicos irem à cinemas. Um amigo não evangélico porém,  me convidou para ir assistir ao filme. No mesmo sábado em que eu tinha combinado ir à tal igreja batista!

Parecia que um diabinho e um anjinho, um em cada lado da orelha, tentavam me convencer a ir a um lugar ou ao outro. Resolvi dar ouvidos ao diabinho. Afinal de contas, que mal teria? 

Saíamos da escola fardados e tínhamos que trocar de roupa em algum lugar. O lugar escolhido por grande parte dos alunos era o Bar do Abreu que ficava estrategicamente perto da escola. Era andar alguns minutos e podíamos trocar de roupas em um quarto nos fundos do bar que o Abreu tinha reservado exatamente para os alunos - em troca de um valor módico. 

 Deixávamos nossas bolsas com nosso uniforme lá no quarto do Bar do Abreu e cada um tomava seu rumo ao encontro do esperado final de semana. 

Tocamos para o cinema. Fiquei deslumbrado com o filme. Adorei tudo, aquilo era uma aventura muito divertida para mim aos 18 anos, viciado que eu era na Sessão da Tarde da Globo.

Terminado o filme, saímos do cinema e fomos passear por Vila Velha. Fomos lanchar, conversamos bastante sobre o filme e...esquecemos das horas...e esquecemos que o Bar do Abreu fechava às onze. Lembrei da música de Adoniran...Não podíamos perder aquele trem!  

E sim, como convém às suas expectativas, caro leitor, quando chegamos, o bar já estava fechado. Com nossos uniformes dentro! Voltar para a escola com roupas civis seria uma falta muito grave. 

Meio desolados, ficamos caminhando á esmo pelas ruas de Vila Velha. Eu, pensando porque não tinha dado ouvidos ao anjinho. 

Mas dos males, o menor, já que nem eu nem meu amigo estávamos de plantão no domingo, logo, não precisaríamos voltar para a escola, então o jeito era dormir na rua mesmo. Um quarto de pensão até que cairia bem, mas não conhecíamos nenhuma pensão e mesmo assim, nosso dinheiro tinha acabado.

Meu amigo, então, revestido de um espírito aventureiro, sugeriu dormirmos nos bancos de uma praça. A noite não estava tão fria, o céu estava limpo com estrelas na vitrine.

Dormimos. Acordamos com o sol batendo na nossa cara, com dores nas costas e algumas pessoas nos encarando. "Só podem ser da escola da Marinha", ouvi alguém dizer.

Não gostei daquela observação, afinal de contas, não éramos vagabundos, não éramos delinquentes, nem mesmo éramos carentes por dormir na praça pensando nela...

Se alguém habitou nossos pensamentos naquele noite, sem dúvida, foi  o Abreu com seu bar que fechava tão cedo.




EAMES 

EAMES

CONVENTO DA PENHA







       Algumas fotinhas do meu tempo por lá


segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Nós, Os Pobres.

 




NOSSO PRESIDENTE, LUÍS INÁCIO, declarou recentemente: 

"Pobre e trabalhador só tem valor na época das eleições porque todo mundo trata pobre bem porque ele é maioria. Depois que ganha as eleições, o pobre é esquecido mais uma vez. (...) Nós somos a maioria, e se nós somos a maioria e a gente usar a consciência da gente, a gente consegue fazer a maior revolução pacífica e democrática que esse país precisa que seja feita. É preciso acabar com os privilégios desse país para garantir que todos tenham direitos".

Que fala linda! Chego a ficar arrepiado de emoção! Que sensibilidade tem nosso presidente! Ele, que já está em plena campanha disfarçada, disse que pobre e trabalhador só tem valor na época de eleição. Ele mesmo confirma o que diz...Uma outra fala me deixou totalmente afônico. Sobre os pobres, ele disse:  "Nós somos a maioria". Esta é uma frase digna de um grande estadista, vejam  como ele se identifica conosco, pobres, ao dizer que "nós somos a maioria". INÁCIO É POBRE TAMBÉM! Sim, ele nos entende, porque é um de nós, pobres. 

Luís Inácio disse que é preciso acabar com os privilégios. Deixa eu fazer as contas aqui...é... três mandatos seus e quase dois da sua pupila Dilma. Ao todo, quase 20 anos de governos petistas e eles ainda não conseguiram acabar com os tais "privilégios".  E nem com os pobres. Mas eu desconfio que se acabar com os pobres  deste país, ninguém mais vota no PT...Tudo bem, meu presidente, eu sei que é difícil lutar contra os poderosos! 

É difícil o Executivo parir uma reforma do Estado Brasileiro que acabe com tantos privilégios? Sim, Inácio,  porque antes de querer caçar privilegiados que enriqueceram com dinheiro privado, é preciso acabar com os privilegiados que enriqueceram com dinheiro público. Mas eu sei que você sabe disso, né Inácio, és um dos tais que enriqueceram com dinheiro público. Mas o importante, e eu sei e atesto, é que sua alma ainda é de pobre. Será que em mais um mandato dá pra fazer sua revolução?




sábado, 11 de outubro de 2025

Elevação

 


Milan Kundera escreveu em A Insustentável Leveza do Ser, "que aquele que deseja continuamente 'elevar-se' deve esperar um dia pela vertigem. A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados". Para alguns, não basta subir a montanha que há próximo de casa, é preciso chegar ao topo do Everest. Admiro tais pessoas mas também tenho pena delas. Elas querem sempre a elevação. Estar no maior topo possível. Olhar o mundo do alto e contemplar seus contornos gozando na alma a satisfação de ter chegado lá. Mas quando se chega lá não há mais para onde ir. O topo é o limite da caminhada pra cima. E diante da ausência da continuidade, o que vem é a vertigem. Talvez eu diga isso porque em qualquer caminhada minha para o alto, nunca ambicionei chagar ao topo. Estabelecer-me no meio da coisa para mim já era satisfatório. Acredito que a energia que você gasta para chegar ao topo, seria melhor aproveitada se você a gastasse ali mesmo, no meio. É como o conquistador Alexandre, o Grande, da Macedônia. Ele elevou seu império até onde poderia ir. Conquistou o império persa, o Egito, a Palestina, chegou até à Índia. E então ele viu que não tinha mais nada para conquistar, sentou e chorou.


                                                                  * * * * ** 

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Dizer Adeus

 "Não aprendi dizer adeus

Mas deixo você ir, sem lágrimas no olhar..."


Esses são versos da chorosa música de Leandro e Leonardo de autoria de Joel Marques que explodiu nas rádios e nos programas de TV em 1991. Anos depois, em 1998, após a morte de Leandro, Leonardo a gravou novamente sozinho, o que provocou comoção nos fãs. Não é fácil mesmo dizer adeus. E como não é fácil dizer, difícil também é deixar ir, mas quando enfim se deixa ir, é difícil não ter lágrimas no olhar. Quem nunca teve tal experiência, seja numa perda amorosa ou numa perda familiar?  Eu levei quase 5 anos "pra deixar ir", mesmo depois que já tinha ido e não sem muitas lágrimas no olhar. Foi uma perda amorosa mas não vou provocar vossas paciências com detalhes. A letra é sábia e nos conta que o "inverno vai passar e apaga cicatriz". Certamente o inverno passa, mas não sei se a cicatriz não fica.




sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Jogos Eletrônicas e Redes Sociais

 




LI NO JORNAL O GLOBO do Rio de Janeiro, uma interessante matéria sobre redes sociais e jogos eletrônicos - quais dos dois causam mais danos ao cérebro? Oh! my god! DANOS AO CÉREBRO? Como assim...? 

Os jogos eletrônicos ainda hoje são vistos como "alienantes da realidade", "perigosos", "induzem à violência" e que poderiam deixar o "cérebro atrofiado" com adolescentes parecendo zumbis trancados no quarto.

Eu nunca concordei que jogos eletrônicos fossem nada disso. Induzir à violência? Ora, um exemplo aqui e ali que mostram jovens que resolveram sair por aí com uma metralhadora matando pessoas que supostamente foram "influenciados pelos jogos" não pode representar o universo de jovens que jogam tais jogos - que são milhões ao redor do mundo. Temos "milhões" de jovens assassinando velhinhas nas ruas? Pois é.

A matéria do jornal traz pesquisas onde ficou demonstrado cientificamente que o vilão da juventude (e da velhotude) - PREPARAM-SE -  são as REDES SOCIAIS. Como diria o Chaves, "pois é pois é pois é".

 Diz a matéria: 

No cotidiano, os elementos dos jogos ajudam a estimular a concentração e aumentar a atividade da região do córtex pré-frontal dorsolateral. ...destaca o fato do jogador receber uma resposta imediata — seja visual ou auditiva — em relação ao seu desempenho. 

Em contrapartida, as redes sociais, por serem caracterizadas por seu consumo imediato, aumentam a produção de dopamina e ativam no cérebro mecanismos de condicionamento, que incentiva o consumidor a continuar procurando conteúdos.

Parece-me óbvio. 

E está explicado porque quando você entra no quarto do seu filho, do seu neto, e ele está com um fone de ouvido jogando, pode cair o telhado na cabeça que ele nem percebe, tal a concentração que o jogo promove.

Como a grande maioria dos nascidos na era digital, Eduardinho é aficionado por jogos. Joga desde muito novinho e eu nunca vi problemas nisso, mesmo porque, sempre procurei misturar jogos eletrônicos com jogos de tabuleiro. Ensinei a ele a jogar Ludo, Damas, Xadrez, Dominó, Uno...Já tivemos partidas homéricas de xadrez! 

Na primeira infância eu lhe oferecia jogos principalmente educativos. Jogos onde ele aprendia palavras em inglês, cores, números, alfabeto....era muito engraçadinho vê-lo aos 3 anos declamando o alfabeto em inglês: Ei, Bi, Ci, Di, I, Éf...

Ele não gosta muito de rede social. Não tem Face, nem Insta, TikTok (como a maioria dos amigos têm). Fizemos juntos um canal no Youtube onde publicamos vídeos dos seus 6 aos 8 anos, até o dia que ele chegou e me disse que não queria mais brincar de gravar vídeos. Eu falei ok. (mas confesso que fiquei triste, pois gravar vídeos engraçados com ele era muito divertido).

E também tem o problema que agora aos quase 15 anos, tem uma imensa vergonha de tudo o que gravou quando era pequeno...por isso foi lá no canal dele e colocou a maioria dos vídeos em modo restrito. Entendo, vergonha adolescente das coisas que fazia e dizia quando era pequeno. Quem nunca?

Mas quando o vejo no computador, jogando algum jogo online junto com amigos online, eu não vejo isso como ruim - pelo contrário - e a matéria do jornal me confirmou isso. É claro que tudo precisa de equilíbrio. Desde muito pequeno também o incentivo a se exercitar em casa. Não pode ficar horas sentado jogando malhando  o cérebro e o foco e esquecer do corpo. Virou hábito. Ainda hoje de vez em quando ele faz treinos comigo mas não deixa de fazer se eu não fizer junto. Eu sempre cobrando: Não vai treinar hoje? Ás vezes a preguiça juvenil lhe abraça e ele diz "hoje não, pai.." ..." tudo bem, mas amanhã eu quero ver você suando"

Então, amigos, vocês que costumam ler, fazer palavras cruzadas, como estimulante cerebral, pondere colocar no cardápio um bom joguinho eletrônico. Vale até o clássico PacMan. 



terça-feira, 30 de setembro de 2025

ERÓTICA

 




- Calma, abre mais um pouco.

- Não tenho muita abertura.

- Você está nervosa, não é a primeira vez, é?

- Claro que não, mas estou nervosa sim!

- Mas se você ficar assim, fechando toda hora, vai ser impossível...

- Tudo bem, vou abrir...mas não se empolga, vai devagar.

- Assim, muito bem. Vou introduzir agora, não vai doer nada.

O som  da broca do dentista soou pelo consultório. Amanda fechou os olhos e imaginou estar numa praia do Havaí com um nativo lindo e charmoso. 

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

POUCAS E BOAS # 01

 



RIR É O MELHOR REMÉDIO. Já ouviu essa frase, certamente. Mas como rir se tudo vai mal? E como rir com o país do jeito que está? Como rir se o salário acaba bem antes do mês acabar? Como rir se não vejo graça em nada? Mas a questão é essa. Se rir é remédio, deve ele ser tomado na hora da doença. Na hora da dor, da desesperança. Não se trata de negar a realidade, se trata de construir uma nova realidade apesar da realidade imediata. Sorria mesmo sem vontade. Ouça uma boa piada, veja um filme de comédia. Use de artifícios para que o riso venha. Mas sorria. Aliás, não, vá além: Gargalhe. Nada fica igual depois de uma boa gargalhada.


                                                                  



O PROFESSOR CLÓVIS DE BARROS conta de uma frase que seu pai sempre lhe dizia: VAI PRA FRENTE, GAROTO, PRÁ TRÁS NEM PRA PEGAR IMPULSO!!!

Meu pai também me deixou frases marcantes. A melhor delas era "FAÇA O QUE EU DIGO, NÃO FAÇA O QUE EU FAÇO". 




EU TIVE UM CACHORRO  lá pelos anos 1973 que se chamava TANG. Em 1976 lançaram por aqui o refresco em pó TANG. Eu dizia pra minha mãe que o refresco roubou na cara dura o nome do meu cachorro. 


DÉCADAS DEPOIS, tínhamos um cachorro chamado BOB. Bob era estressado. Tinha ido lá pra casa sobre protestos do meu pai levado filhote pela minha irmã. Meu pai nunca engoliu o Bob. Quando minha mãe estava em estágio avançado de alzheimer, Bob  mordia minha mãe sempre que ela tocava nele. Meu pai indignado levou o Bob para uma praça distante e largou o Bob por lá. 


NOS ANOS 90, eu e uns amigos, gostávamos de ficar altas horas na rua batendo papo. gostávamos também de ir jogar conversa fora em algum McDonald's, mas quando a grana estava curta, íamos ao McSkina. Não conhece? Era uma kombi que vendia um sanduba muito bom e que ficava na esquina da igreja. 


ESTOU LENDO TRÊS LIVROS. O Fã Clube, de Irwing Wallace, um livro que eu li algumas páginas quando eu tinha uns 19 anos mas achei chato e larguei. Outro dia vi um exemplar em uma feira de livros no calçadão do meu bairro e comprei. É a história de um grupo de amigos fascinados pelo maior símbolo sexual do cinema. 

LEIO o rascunho da nova história que o Eduardinho escreveu e que ele diz que será o primeiro de uma série que ele escreverá em formato pocket. Claro que é de fantasia juvenil, sobre uma menina que faz um pacto animal e se transforma numa perigosa tigresa, sobre deuses que criam mundos só pra sua diversão, sobre um país onde todo mundo tem algum tipo de poder e outras coisas fantasiosas saídas da sua cabecinha imaginativa.  

LEIO A Biblioteca de Paris, de Janet Skeslien Charles. O livro é sobre como uma biblioteca internacional em Paris é afetada pela chegada dos alemães durante a Segunda Guerra.



Escrevendo sobre o incêndio que teve aqui em casa, lembrei-me de um pequeno livro que li de um filósofo que dizia "se minha casa pegasse fogo, eu salvaria o fogo". UMA FRASE PRÁ LÁ DE PORRETA! (porreta, no linguajar baiano quer dizer "legal", "bacana", "Da Hora"). Evidente que é uma metáfora. Pegou a ideia? Não deixe seu fogo, aquele fogo que esquenta a vida se apagar.


E MORREU AOS 87 ANOS A DEUSA CLAUDIA CARDINALE.

A atriz, nascida na Tunísia e símbolo da era dourada do cinema europeu, brilhou em clássicos como 'O Leopardo', 'Fellini 8 e meio' e 'Era uma Vez no Oeste'.

MAS AS DEUSAS NUNCA MORREM DE VERDADE.





* * * * * * 


É isso aí. Poucas e Boas volta em breve com mais notinhas indispensáveis que você não poderia deixar de LER.

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

E TENHO DITO

 


EU GOSTO DE COLECIONAR coisas. Memes, vídeos interessantes, ditos populares... Não chego a ser um "acumulador" mas gosto de colecionar coisas legais. Legais para mim, claro. Por exemplo, eu gostava de colecionar todo tipo de revista. De Seleções à Playboy. Esta eu colecionava só pelas grandes entrevistas que ela fazia...sério, nunca ouviu a expressão "ninguém faz entrevista como a Playboy"? Já leram a crônica do dia em que tive que fazer um espermograma e me deram umas Playboys como incentivo e fiquei lá, distraído lendo as entrevistas...? Quando casei, a minha coleção de Playboys foi problematizada e não tive escolha: Foram todas para um sebo, assim como a maioria da minha coleção restante foram embora no incêndio. Tudo certo, acho que estava na hora de fazer uma reciclagem pois já não tinha tanto espaço disponível. Uma prova que não sou um sociopata acumulador é que não tive nenhuma reação mórbida com a perda. Como diz o ditado popular, "se a vida lhe der um limão, faça uma limonada".


Os chamados ditos ou provérbios, estão ligados à sabedoria popular transmitida oralmente ao longo das eras. Nascem da observação do cotidiano, de experiências coletivas, da necessidade de comunicar ideias de forma simples. E nunca saberemos quem foi o primeiro que pensou e disse...

“Em terra de cego, quem tem um olho é rei” - isso não é fantástico? Ponderem bem na sabedoria dessa simples frase! E no complemento excepcional que Zé Ramalho acrescentou ao verso de sua música, "...imagina quem tem os dois..."

E o que dizer desse outro dito muito sábio:  “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando”? Isso é filosofia pura! 

A Bíblia, o livro mais vendido e lido no Ocidente, registra muitos provérbios. Aliás, ela tem até um livro chamado "Provérbios", como você bem deve saber. Não sabe? Fugiu das aulas do catecismo? Que feio!

Por exemplo, vejam a profundidade desse provérbio bíblico: 

"Filho meu, ouve a instrução de teu pai, e não deixes o ensinamento de tua mãe" - tem provérbio mais sábio que este? Quantas vezes nos demos mal na vida por não seguir a orientação segura de pais e mães?

Quando iam cortar a grama que circundava as casas em um condomínio da Marinha onde morávamos na minha adolescência,  minha mãe sempre me dizia: Não fica perto que é perigoso. Mas os cortadores eram uns carrinhos com uma grande lâmina debaixo deles (eu nunca mais vi nada igual) e eu achava legal. Até o dia que eu, mesmo a uma boa distância, fui atingido por um pedaço de plástico que veio voando de debaixo do carrinho em minha direção e quase corta minha perna em duas. 


Muitos provérbios populares tem a proposta de serem educativos, como "Água mole em pedra dura tanto bate até que fura". Ou seja, não desista, persista, continue batendo que um dia pedra quebra! Ou ignoramos a sabedoria do dito "quem tudo quer, tudo perde"? Ou a crítica que se faz em "casa de ferreiro, espeto de pau"?


E claro, tem aqueles ditos populares

que são pura comédia (os meus preferidos). 


Se corno voasse a gente não via o céu


mas cansado que o padre da Gretchen


mais por fora que estepe de jipe


mais preguiçoso que o cara que fez a bandeira do Japão


mais sem cabeça que mula de folclore


mais inútil que buzina de avião


quem vive de amor é dono de motel 


é muita areia para o caminhãozinho


pra baixo todo santo ajuda

(...)


E aí, qual dito popular você gosta muito?


quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Skylab

 




UMA DAS LEMBRANÇAS mais gostosas da minha infância era o momento em que minha mãe me chamava e dizia "Edu, vai na padaria comprar pão. Pede quatro bisnagas". Morávamos no bairro do IAPI, em Salvador. A dita padaria era a "Skylab" - um nome que mais parecia de TV à cabo (que não existia no Brasil naqueles tempos) ou de algum foguete da Nasa. Não sei qual foi a inspiração do dono em dar um nome tão...SKY! à sua padaria. Eu ia com gosto. Colocava os cruzeiros no bolso e fazia uma caminhada de uns cinco minutos. Ah, aquele cheiro...a Skylab tinha um cheiro indizível de pão quente que sai à toda hora. Na volta, eu quase nunca resistia e tascava um pedacinho do pão quentinho na boca e vinha saboreando... Dona Dirce, uma vizinha próxima, se me visse chegando à casa mastigando sempre me alertava: "Espera chegar em casa, menino!". Eu  tinha um pouco de medo da dona Dirce. Onde estará ela? Por certo, já passou desta pra melhor. Mas convenhamos que ela não deveria se meter no meu sublime momento gastronômico . Nem minha mãe se importava, oras! Nunca mais depois dessa época, encontrei pão francês tão gostoso quanto o pão da Skylab - um pão, verdadeiramente, dos céus!


Croniquinha levezinha pra tirar o peso da crônica-catástrofe anterior.



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Origem da ilustração: https://br.freepik.com/fotos/alimenta%C3%A7ao

sábado, 6 de setembro de 2025

A LEI DE MURPHY

 





A FAMOSA LEI DE MURPHY é realista, mas chata: Se algo pode dar errado, vai dar errado. A frase é atribuída a um engenheiro aeroespacial americano, Edward A. Murphy na década de 1940. A frase surgiu num contexto técnico, mas de tão boa que era, ganhou fama como forma cômica de encarar certas situações da vida. A ideia parece certa: diante de várias possibilidades, o pior cenário tende a acontecer - especialmente de alguma coisa que é deixada ao acaso ou mal planejado.

Acredito que todo mundo já sentiu na pele a Lei de Murphy atuando. O pão que sempre cai com o lado da manteiga pra baixo, o semáfora ficando vermelho no exato momento que você está com mais presa, etc. Não vou dizer que a famigerada lei seja sempre verdadeira. Acontece de coisas que tem tudo para dar errado, dar certo. Mas dizem que toda regra tem exceções...


                                                                      * * * * 


O ANO ERA 2020. PANDEMIA GLOBAL. Você perdeu parentes ou amigos para o COVID? Muita gente perdeu. Minha esposa perdeu um amigo de longa data, mas diante da perda de parentes e amigos, o que perdemos nada vale, nada representa. 

Como minha esposa estava trabalhando, resolvemos dormir separados para proteger tanto o  Eduardinho quanto a mim. Se alguém tivesse que pegar o tal vírus que fosse só um de nós dois. Ela passou a dormir no quarto do Eduardinho e ele passou a dormir comigo. Foram tempos muito difíceis, especialmente com o lockdown, mas ficar totalmente em casa foi impossível. 

Naquele dia fomos dormir cedo, o que não era muito comum, já que eu costumo dormir mais tarde. Minha esposa no quarto que fica no final do corredor da casa, eu e Edu no quarto que fica mais próximo da sala. 

Lá pelas tantas, abri os olhos sentindo um certo incômodo que levei alguns segundos para entender de onde vinha. Era um calor...porque está tão quente? Foi quando vi fumaça entrando pelo quarto, pois dormimos de porta aberta. Depois de uns segundos, entendi o que estava acontecendo. Fogo! Tinha alguma coisa pegando fogo na sala! 


                                                                          * * * * 


Dei um pulo da cama e não via nada. A fumaça tomava conta de tudo. Tentei ligar a luz mas ela não acendeu. Acordei o Edu, abri a janela que tinha grades, mandei ele ficar com o rosto na janela. Ele sonolento, acordou no susto sem entender nada. Se até eu não estava entendo bem...

Saí pela porta do quarto e a sala estava em chamas. Labaredas grandes saiam do canto da sala, próximo à parede lateral. Fui correndo para o fim do corredor envolto em fumaça e acordei minha esposa. "Levanta que a casa está pegando fogo!". 

Como se acorda com uma notícia dessas? Até você captar a mensagem leva alguns segundos. Minha esposa apanhou o seu celular que estava ao lado da cama e juntos voltamos pelo corredor. Minha esposa entrou no nosso quarto e pegou Eduardinho que não estava entendendo nada e bastante assustado.

Passei ao lado das chamas tentando encontrar as chaves que sempre ficavam em uma mesinha ao lado da porta. Chamei os dois e os coloquei na minha frente, abrindo as partas de cima e de baixo da porta de ferro para que entrasse mais ar puro enquanto tateava tentando encontrar as chaves. 

Como o rebaixamento do teto era de PCV, todo ele estava derretendo e caindo sobre nós. Protegi os dois como pude já sentindo pedaços de PVC queimados nas costas. Meu vizinho da frente (Ronaldo, aquele do som alto de que falei na crônica anterior) tinha acordado e da sua janela viu fumaça saído da nossa casa. Gritei pra ele que nossa casa estava pegando fogo.


                                                                    * * * * 

Enfim, encontrei as chaves. Abri a porta e conseguimos sair e descer as escadas. Moro no segundo andar de um sobrado. Ronaldo, já estava no meu portão tentando entrar para ajudar. Abri o portão e ele, muito prestativo, foi ver como estava o cenário do incêndio. Lá fora, tossíamos um pouco e eu só me preocupava em ver se minha esposa e meu filho estavam bem, se não estavam queimados. 

Voltei correndo para chamar minha sogra e o avô da minha esposa que moravam no primeiro andar. Assustados, sem entender  o que acontecia, puxei os dois pra fora de casa. O avô da minha esposa já tinha 98 anos e como era bem magrinho, eu o peguei no colo e o levei pra fora com minha sogra vindo atrás. Minha esposa chamava a mãe pra sair de casa rápido, já que parecia que ela ainda não estava entendendo o que acontecia.

Isso já eram 5 horas da manhã. Os vizinhos de um  lado e do outro também chegaram esticando suas mangueiras para tentar aplacar o fogo. Telefonamos para os bombeiros. 

Como estava impossível entrar pela porta da frente, Ronaldo tal qual um ninja, subiu no muro muito rápido e tentava arrombar a janela do meu quarto. Voltei pra dentro do quintal e ajudei Ronaldo a subir em uma escada e ele arrombou a janela do meu quarto e pulou lá dentro e fechou a porta no intuito de isolar o incêndio na sala. Antes ele tentou fechar todas as portas mas não conseguiu, a fumaça era muita e a quentura também. Mas ele fechou a porta do meu quarto, o que acabou salvando nosso guarda-roupas.

Percebem porquê não dou a mínima para a altura em que ele ouve música...?


Depois de uns 20 minutos chegaram os bombeiros. Entraram na casa e rapidamente debelaram o fogo.

Ronaldo nos levou pra sua casa para abaixar a adrenalina. Horas depois voltamos para ver o estrago que vocês podem ver na filmagem.

O fogo ficou restrito à sala, porém, o calor das chamas foi derretendo tudo ao longo da casa. Os móveis da sala viraram pó. O pequeno quarto que eu faço de biblioteca ficou um caos de livros e prateleiras caídos no chão, pretos de fuligem e molhados pela ação dos bombeiros.

Os únicos móveis que ficaram em pé foram exatamente os do meu quarto. Tínhamos perdido praticamente tudo dentro de casa, mas nós estávamos bem. Passamos por avaliação médica e a fumaça que respiramos não chegou a queimar nossos pulmões. TOMA, LEI DE MURPHY!!!!


                                                                   * * * * 

Meus vizinhos foram todos muito solícitos. O vizinho da frente que estava com a casa fechada para ser vendida, quando soube do acontecido nos ofereceu a casa pra ficarmos lá o tempo que precisássemos. Ficamos 2 meses e mais uma vez a lei de Murphy foi contrariada. Um dos meus cunhado conhecia alguém que conhecia alguém que prestava serviços solidários nas horas vagas  para pessoas que precisavam de reformas em casa. 

Apareceu lá em casa pedreiro, pintor, eletricista. Recebemos várias doações de móveis de pessoas que eu nunca tinha visto. Meus cunhados também vieram para ajudar na limpeza. No quintal, formou-se um monturo enorme dos restos mortais dos meus móveis. Dois meses depois, a casa estava novinha em folha.

Tudo sem desespero, sem chororô, sem lamentar perdas materiais. Tudo o que foi, voltou. E ainda tivemos o bom humor para fazer piada: Com toda certeza, a casa estava totalmente livre de qualquer vírus. 






P.S. O causador do incêndio foi o estouro de um carregador que eu tinha esquecido ligado, carregando meu celular. Nunca façam isso. Não deixem celulares carregando no seu quarto ou em qualquer outro lugar da casa enquanto vocês dormem.