Clube de Detetives Pão de Queijo

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

A Desculpa de Adão

 


HÁ POUCO PUBLIQUEI UMA CRÔNICA sobre Édipo e seu sentimento de culpa. Mas tem outro interessante personagem da ficção mitológica que tem coisas a nos ensinar e nos fazer refletir. Esse personagem é o Adão Bíblico...


A desculpa de Adão.

Ele  foi  severamente castigado por Deus que não quis saber de suas desculpas por "não saber" e por "ter sido enganado pela mulher". Diferente de Édipo, Adão não se autocondenou pois achava-se inocente. "Foi a mulher que tu me deste".

O cristianismo fundamentou aqui a culpabilidade de toda raça humana diante de Deus.  Sebastião, Anastácia, Roberto, Antônio, Claus, Richard, Pedro, Bhavya, Adongo, Esther, Mohamed... todos vocês, Humanidade, nada fizeram lá nas origens, vocês não comerem do fruto proibido, mas mesmo assim, vocês são culpados pois Adão é culpado! Herdamos sem saber, sem querer, o crime de Adão! 

E como são culpados, estão condenados e devem fazer como Édipo: reconhecer o seu erro ainda que não  tenham comido do tal fruto proibido, pois agora, como Adão, somos conhecedores do bem e do mal...

Saulo de Tarso, o maior teólogo cristão, criou um sistema onde você, condenado, pode se ver livre da culpa e da condenação divinas! Gratuitamente! Deus, em sua infinita misericórdia, oferece-se a si mesmo como sacrifício pelo pecado original (não cometido mas herdado) pela humanidade. Todos vocês, culpados, agora estão livres de condenação! 

Mas... só se reconhecerem o homem judeu Jesus de Nazaré como seu Salvador e como o próprio Deus. Todos os demais, justamente serão condenados se não reconhecerem o Salvador - único caminho para se pagar o débito não contraído mas ainda assim, estabelecido por toda a humanidade.

E é aí que a treta começa...

O Hindu dirá: "Cá acreditamos no karma, em morte e  renascimento, não acreditamos nisso de pecado original." O judeu dirá: "Cá não acreditamos que o homem judeu Jesus tenha sido o Messias que o Eterno nos enviaria." O muçulmano dirá: "Cá acreditamos que Maomé é maior que Jesus, e é a ele que devemos obediência e Jesus não é Deus, só Alah é Deus". 

Que tenho eu com Adão? 

Que culpa tenho eu do crime que ele cometeu? 

Como posso ser culpado por algo que ele fez e não eu? 

No máximo, eu seria culpado pelos meus próprios pecados, não pelo pecado de Adão. 

Devo, tal como fez Édipo, reconhecer meu erro ou devo como fez Adão, me isentar de culpa pelo erro "do destino"? Ou do erro da mulher? Ou pela astúcia da Serpente?

Nesse sentido, vejo Adão e Édipo como lados da mesma moeda. Ambos erraram mas foram vítimas de um maquinário existencial que pouco entendemos.  Édipo foi vítima da profecia; Adão, foi vítima da sua mulher, que foi vítima da Serpente,  ainda que eles pudessem rejeitar comer do fruto proibido. 

E o que teria acontecido se ele recusasse o fruto? 

Somente sua mulher seria castigada? 

Mas também ela não foi enganada pela Serpente? 

No tribunal celeste, todo mundo recebeu seu quinhão de culpa e de castigo. Adão, deveria laborar para se sustentar com o suor do seu rosto; Eva, deveria agora sofrer para parir seus filhos. E a Serpente, perdeu suas pernas a passou a rastejar no pó da terra.

Erros, acertos, intenções, destinos, culpas, condenação divina. Tudo nos pesa. Pobres Édipo, Adão e Eva, vítimas indefesas dos decretos celestiais que precisam lidar com as consequências de seus atos e que deveriam buscar mais leveza para suas almas.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

O Livro da Vida

 HÁ DOIS ANOS a escola do Eduzinho promoveu um festival de vídeos de animação. A tarefa era: Cada turma deveria formar grupos e criar uma animação com a temática sobre educação. Um mês depois, a escola promoveu a mostra dos vídeos de todos os grupos da escola. Me surpreendi com vídeos bem legais. Aqui em casa o grupo do Edu era formado por ele e mais dois colegas. E o pai, claro, poderia ajudar. Então criamos uma historinha sobre livros e educação. O Edu e os amigos fizeram os bonequinhos de massinha e depois eu e ele fizemos a pior parte: Movimentar os bonecos e colocar as falas. Deu um trabalhão danado! Mas valeu à pena, o vídeo foi escolhido como o melhor da turma dele. Mas o Edu disse que nunca mais que fazer nada igual por causa da trabalheira. 







quinta-feira, 24 de julho de 2025

Artista de Rua







O artista de rua é um artista na acepção mais pura da palavra.

Ele não tem o grande palco,
Não tem os grandes cartazes em outdoors lhe fazendo marketing cultural.
Seu cachê
Não é combinado na presença de empresários em almoços de negócios
E sim, na combinação com o ânimo
Ou desânimo 
De quem
Passa
E muitas vezes o ignora

O artista de rua é um sobrevivente.

Vai onde tem povo.

Se alguém para e contempla sua arte, já se sente feliz.

Como todo artista,

Quer o aplauso,

A admiração,

O sustento;

Mas ele não tem palco no Teatro Municipal.

O palco dele é a rua.

Qualquer rua onde haja povo. 

E fala,

E canta,

E faz mágica,

E se equilibra em corda bamba.

Pinta quadros,

Toca flauta,

Toca blue,

Toca jazz,

Toca samba.

Faz pirotecnia,

Declama. 

É um sobrevivente.

É um artista.

De rua. Qualquer rua

Que tenha povo.


Foi assim,

Milton já cantou que era assim.


18 de maio de 2012


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Achei esse poeminha que escrevi em 2012 em um blog meu que eu nem sabia que ainda estava no ar, pois para mim já estaria morto como outros que já criei. Mas depois eu conto essa história.

 

domingo, 20 de julho de 2025

Cenas Do Nosso Cotidiano

 



MARIA TEREZA, logo após tomar seu primeiro café na copa da empresa onde trabalhava, dirigiu-se ao departamento de pessoal para resolver logo pela manhã uma demanda legal. Pediu licença ao entrar e dirigiu-se à mesa da secretária Judite Gonçalves. Antiga no cargo. Conhecida e admirada pelo vasto conhecimento de leis, portarias e regras relativos ao mundo do trabalho. 

— Vim dar entrada em meu pedido de licença-maternidade, disse sorrindo Maria Tereza.

— Ora, enfim você conseguiu a adoção que estava buscando?

— Sim, saiu ontem, estou muito feliz!

— Muito bem, Maria Tereza, está com os documentos da adoção?

— Sim, claro.

Maria Tereza passa às mãos da secretária um documento.

— É...eu preciso da certidão de nascimento atualizada da criança ou a sentença de adoção.

— Então, tá aí.

A secretária olha melhor o documento.

— Mas isso é um certificado de nascimento inválido...

— Como inválido se sou mãe adotiva? 

—Você adotou quem?

— Ora, meu bebê. Adotei ontem mesmo. Preciso dessa licença que toda mãe tem direito para passar mais tempo com ele. 

Era nítido a expressão de felicidade materna no rosto de Maria Tereza e o olhar de desconfiança e indagação da secretária Judite Gonçalves.

— Você não adotou uma criança...isso aqui é uma certidão fictícia de adoção de um bebê... reborn...! Comprovante de compra de um boneco!

Foi nítida  a expressão de contrariedade no rosto de Maria Tereza.

— Como boneco? Como ousa me ofender assim?

—  Maria Tereza, bebês reborn não dão direito à licença maternidade...

—  Como não? Isso é um total desrespeito aos meus sentimentos! Eu me sinto mãe, EU SOU MÃE!

— Você pode até ser, mas sem licença.

Maria Tereza tomou rispidamente o documento das mãos da secretária, deu meia-volta, muito contrariada e lançou a ameaça virando-se ao chegar à porta:

— Isso não vai ficar assim! Me senti desrespeitada, humilhada, vítima de preconceito cruel e desumano. Meu bebê não merece isso, eu vou processar esta empresa. VOU PROCESSAR!


 * * * * *

Maria Tereza, pela segunda vez, sentiu-se aviltada com a opinião do advogado que ela contatou para explicar sua demanda. O advogado disse ser causa perdida, nenhum juiz iria lhe conceder licença-maternidade por causa de um bebê reborn. 

Maria Tereza não se intimidou. Criou uma ONG chamada "Bebês Reborn Importam" (BRI). Fez contato com deputada do PSOL, conseguiu uma verbazinha pública para tocar sua ONG. Fez palestras, vídeos no youtube, Instagram e Tiktok. Não criou um blog pois lhe disseram que a audiência era muito baixa. Foi uma comoção de início, ganhou muitas seguidoras e apoio, porém, com o passar do tempo, a onda reborn foi arrefecendo e outras pautas tomaram seu lugar, como a nova onda de bonecas adultas reborn criadas para satisfação libidinosa de homens inseguros, frágeis emocionalmente e fascistas - segundo opiniões de feministas. Então a ONG BRI, passou a atacar o comércio dessas bonecas sexualizadas e ultrarrealistas que homens machistas e opressores começaram a divulgar nas redes. 

De tanto militar de um lado e de outro, recebendo críticas de todos os lados, inclusive dos homens com mulheres reborn -  se vocês podem ter bebê porque nós não podemos ter mamães? - indagavam eles -  Maria Tereza tomou uma atitude drástica: anunciou o filho nos classificados do site Enjoei e comprou um boneco homem reborn, musculoso e bem dotado. Talvez esse lhe fosse de maior serventia.


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Qualquer coincidência com a realidade não é coincidência. De fato, na Bahia, uma mulher tentou pedir licença maternidade por causa do seu bebê reborn. E as bonecas mulheres reborn estão se encaixando (ou sendo encaixadas!!) no mesmo contexto dos bebês. O cotidiano nosso está  muito interessante.











quinta-feira, 17 de julho de 2025

Pobres Veganos

 


OS AMIGOS  conversavam animados em uma mesa de uma lanchonete:


- Meu nutricionista na última consulta, teceu loas ao leite.

- Quem fala "loas"? Isso é coisa de velho metido a intelectual!

- Olha quem se acha garotão...

- Deixa ele falar! Fala, então o seu nutricionista...aliás, tu tem um nutricionista? Chique isso...

- Sim, chique e metido a intelectual.

- E queria que eu falasse como? Não tenho culpa se gosto do bom português.

- Só disse que "tecer loas" é expressão de velho metido a intelectual. Mas fala, aí, fala.

- É isso. Leite é bom, tem muito nutriente, cálcio...a gente que é velho precisa de cálcio. 

- Tá vendo? Até tu reconhece que é velho....mas me inclua fora dessa. Você faz setenta antes de mim...

- Mas o doutor Enzo já disse em seu canal no Instagram que leite é inflamatório.  Isso sem falar que é uma judiação contra as vaquinhas que precisam estar sempre prenhas para que lhes tirem o leite! 

- Deixa de ser racista e fascista, não pode mais falar "judiação", é antissemitismo!

- E tu é judeu por acaso? Tem algum judeu aqui? Que besteira. 

- Temos que ser politicamente corretos, e ser politicamente correto culinário hoje em dia é ser vegano!

 - Eu ouvi uma nutricionista ontem defendendo a dieta carnívora. Adorei! Só se come carne. Qualquer bicho tá valendo. Teve duas ou quatro patas, pode ir pra panela. E até se não tiver patas! E ainda tem um bônus: pode ovo e leite de boa procedência e seus derivados em pequenas doses. Nada de planta que é cheia de oxalato que inflamam nosso corpo e fibras não digeríveis que te dá caganeira! 

- Você não devia falar "caganeira", que termo mais vulgar! 

- Eu sou um cara vulgar, tu sabe, ó guardião da língua portuguesa...

- Ah, não dá pra comer só carne, já viu o preço da picanha?

- Ora, bolas,  mas não foi você quem votou no cara que prometeu picanha pra todo mundo?

- Não tenho problemas com o preço da picanha ou de qualquer carne. Vantagens de ser vegano, e politicamente correto, em favor da defesa dos bichinhos que são comidos sem dó nem piedade...O veganismo é o futuro!

- Tá doido? Viver comendo planta? Eu  lá sou boi? Eles pelo menos têm quatro estômagos para dar conta de digerir toda a merda que é digerir uma planta...e se o boi come planta e eu como o boi, tecnicamente eu tô comendo planta também...

O amigo  não gostou de ouvir sua dieta ser chamada de "merda".  O convertido ao carnivorismo enfatizou:

- Tu sabe a dificuldade que um estômago humano tem para digerir e lidar com toda toxina que as plantas possuem? Procure saber, meu amigo, procure saber...

- Lavamos bem e deixamos de molho por 12 horas nossos vegetais. Isso ajuda a retirar  os oxalatos e diminuir os antinutrientes que sabemos bem que as plantas possuem como defesa.

- "Ajuda", mas não tira. Eu que já tive três pedras nos rins de oxalato de cálcio não quero ver nada verde no meu prato. É só picanha!!! E se a planta tem defesa contra quem quer consumi-la pra quê entrar em contenda com elas...? Tu é hipócrita! Defende os bichos mas não defende as plantas!

- Mas a picanha tá cara, viu?

- O presidente disse que picanha era só uma metáfora...

- E aquele lá sabe o que é metáfora?? 


 Eu que ouvia tudo em outra mesa do restaurante, fui pesquisar no GPT esse negócio de planta ser ruim para digestão humana pois bicho que come planta tem mais de um estômago pra dá conta, e só no primeiro parágrafo já fiquei convencido que o amigo carnívoro estava certo. Olha o que diz: 

"Nem todos os animais que só comem plantas (herbívoros) possuem mais de um estômago, mas muitos deles têm sistemas digestivos mais complexos justamente porque digerir plantas é mais difícil do que digerir carne"

Olha quem diria que digerir um brócolis é mais complicado do quem digerir um bife!

E sabe, me convenceu, agora eu só vou comer picanha, mas só quando ela deixar de ser metáfora, por hora, me contentarei com cortes menos nobres. 

Sinto muito, pobres veganos.


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sábado, 12 de julho de 2025

A Vergonha de Édipo






                                                          

Estou terminando de ler o livro A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera. A história se passa nos anos 60 em uma Checoslováquia governada por uma ditadura comunista. Um dos personagens, Tomas, confrontando o governo e o povo, escreve um artigo onde argumenta que costumamos dar desculpas para não fazermos nada em relação ao arbítrio. Que os comunistas fecharam os olhos para as atrocidades do regime porque o culpado foi Stalin. Que o assassino procura se desculpar pelos seus crimes, dizendo que a culpa foi da família, da mãe, que não lhe deu a devida atenção e amor quando criança. E então ele dá o exemplo de Édipo como alguém que apesar de ser inocente, não deixou de reconhecer o próprio erro. 

                                                                 * * * * * * * * * * * 


Conforme nos conta Sófocles, Édipo era  filho de Laio e Jocasta, rei e rainha da cidade de Tebas. O casal recebe uma profecia do Oráculo de Delfos que dizia respeito ao destino do filho. A profecia trágica era: Édipo matará o próprio pai e se casará com a mãe. Assustados, Laio e Jocasta entregam o filho para um servo para que ele o mate para que a desgraça profética não aconteça.

Porém, o servo fica com pena do garoto e deixa-o pendurado pelo pé em uma árvore. Logo ele é encontrado por um camponês, que o leva para a cidade de Corinto, e lá ele é adotado por Pólibo e Mérope, rei e rainha dessa cidade. Édipo cresce então acreditando ser filho biológico deles.

Passa o tempo...

Anos depois, Édipo vai ao oráculo de Delfos e recebe a mesma profecia que seus pais receberam anos atrás: ele será o responsável por matar o próprio pai e desposar a própria mãe. Para fugir de seu destino, Édipo sai de Corinto e se muda para Tebas, mal sabendo ele que está indo ao encontro da concretização da profecia...

No caminho de Tebas,  ele encontra seu pai, Laio(evidentemente sem saber que era seu verdadeiro pai) e um servo, ambos indo ao oráculo de Delfos, pois Laio estava preocupado com alguns presságios de que a profecia recebida anos antes, estava para se concretizar. 

Acontece uma discussão entre Laio  e Édipo, pois este está atrapalhando seu caminho e acaba lhe agredindo. Édipo fica enfurecido com a agressão e assassina Laio e seu servo. Sem saber, Édipo mata o próprio pai.

O Destino é implacável...

Quando Édipo chega a Tebas, encontra a cidade sendo atacada pela esfinge, um ser monstruoso que apresenta um enigma a todos os viajantes que chegam lá. Os que não sabem a resposta do enigma são mortos por ela. 

Édipo consegue desvendar o enigma da esfinge, e esta, envergonhada, comete suicídio ao lançar-se em um precipício. A população de Tebas fica profundamente grata por Édipo libertar a cidade daquele monstro e em gratidão, oferece a ele o trono da cidade e a mão da viúva rainha Jocasta(sua mãe!) em casamento. Édipo aceita tanto o trono quanto o casamento, tornando-se rei de Tebas e marido de sua própria mãe, tendo com ela quatro filhos, chamados Etéocles, Ismênia, Antígona e Polinices.

Anos depois, uma praga atinge Tebas, e Édipo procura ajuda de adivinhos para conseguir livrar sua cidade desse mal. Um adivinho chamado Tirésias desvenda a verdade a Édipo e conta que este é o responsável pela tragédia que afeta seu reino. (uma história bem parecida com a tragédia bíblica de Jonas).

É quando Édipo e Jocasta entendem o que aconteceu. Jocasta, em profundo desespero, tira a própria vida. Édipo ordena que ela receba um funeral digno, abdica o trono de Tebas e passa a vagar como um mendigo.


A vergonha de Édipo.

Édipo e Jocasta fizeram certo ao se autocondenarem mesmo sendo inocentes, pois todos foram vítimas da roda do Destino?

No livro citado no início, Milan Kundera faz seu personagem Tomas defender a atitude de Édipo, proclamando ao povo tcheco a fazer o mesmo e não impor a outros a culpa pela sua omissão. Mesmo sendo inocente ao cumprir a profecia, Édipo fez o certo em autocondenar-se e não colocar apenas a culpa na profecia. 

Porém, tempos depois, ativistas procuram Tomas para que ele assine um manifesto criticando as prisões arbitrárias que o governo fazia contra intelectuais que criticavam o regime.  Tomas, porém, tinha sido destituído da sua função de médico pelo governo exatamente pelo texto que ele publicara anteriormente onde citava o exemplo de  Édipo.  Tomas agora era apenas um simples limpador de janelas e não quer mais assinar manifestos.

Ele já foi perseguido pelo governo, não podia mais medicar e agora ponderava porque Édipo deveria se autopunir por um crime que cometeu inocentemente? Agora, Tomas diz que fazer isso seria algo bárbaro. Porque ele deveria se por em risco novamente sabendo que poderia ser castigado de uma forma ainda pior?

Mas Tomas não se sente confortável com sua atitude. Ele foi covarde? Ele já não sabe se deveria ou não ter assinado o manifesto. É justo levantar a voz quando se tenta reduzir um homem ao silêncio? SIM. Mas não era exatamente isso que o governo queria? Que ele assinasse para poder puni-lo outra vez? 

E então o autor faz Tomas elucubrar sobre a questão: Será melhor gritar e precipitar o próprio fim, ou calar-se e barganhar uma agonia mais lenta? 

Existirá uma só resposta para essas perguntas?

Édipo foi justo consigo mesmo ou cometeu uma barbárie contra si mesmo? 


* * * *




sábado, 5 de julho de 2025

O Vovô e o Trem

 



QUEM ME CONTOU disse que foi assim:

Na estação, o trem para e um idoso entra pela porta à sua frente. Por acaso era o vagão feminino. O vagão estava cheio. De mulheres, visto ser um vagão feminino...(não me diga!). Criaram tal vagão para proteger a honra das mulheres que eram  constantemente assediadas por homens machistas com síndrome de Don Juan. Mas acho que a lei precisa ser atualizada, visto o aumento exponencial de mulheres que assediam mulheres...

Ele foi entrando, se esgueirando, empurrando as mulheres em busca de um lugarzinho pra ficar. Não havia lugarzinho algum e até ficar em pé no meio de tanta mulher foi difícil. Algumas foram condescendentes, outras, nem tanto.

- Meu senhor, isto aqui é um vagão feminino, não viu a placa não?

- Minha filha, a porta que abriu mais perto de mim eu entrei, tô atrasado para minha consulta!

Algumas mostraram-se preocupadas com a idade avançada do senhor.

- Senhor, precisa se segurar pra não cair....

- Mas como é que eu vou cair se não consigo nem me mexer, minha filha?

De fato, o idoso tinha estacionado no meio de duas mulheres com alto teor de gordura corporal. 

Outra,  do grupo das preocupadas:

- Mas senhor, não tem ninguém que possa te levar de carro pra consulta não? Quantos anos o senhor tem?

- Vou fazer 89 semana que vem, minha filha. Tenho consulta hoje, não posso faltar!

- Sim, mas ninguém poderia lhe acompanhar?

- Marquei a consulta há três meses e ainda tô atrasado. Vou ficar aqui quietinho, pode deixar.

Outra, da turma legalista argumentou:

- Mas o senhor tinha que entrar em outro vagão, não neste...

E aí começou uma pequena discussão entre condescendentes e legalistas. O idoso se viu objeto daquela discussão e só repetia:

- Tenho consulta, tô atrasado. Faço 89 semana que vem! Não vou assediar ninguém. Já faz uns 30 anos que não assedio ninguém...fiquem despreocupadas, minhas filhas. 

Uma legalista com cabelo pintado de azul:

- Então quer dizer que o senhor era assediador quando era mais novo...? 


Não se sabe se foi a agitação, o aperto ou a pressão arterial, o idoso começou a dizer que estava passando mal.

- Ai, que tô suando frio...ai, minha filha, tô passando mal...tenho consulta...tá marcado....tô atrasado....

Se tivesse espaço, o idoso cairia no chão, mas pendeu o pescoço de lado, fechou os olhos e desmaiou ali mesmo, no meio das duas Avantajadas.

Preocupação geral. Até das legalistas.

- Olha, acode o vovô, ele tá desmaiado!

- Gente, alguém assopra aí a cara dele, deve estar sem ar.

- Mas o ar-condicionado tá ligado.

De uma forma ou de outra, conseguiram colocar o vovô sentado.  

Apareceu uma garrafinha de água.

- Dá pra ele beber!

- Como ele vai beber se tá desmaiado?

- Joga na cara dele que ele acorda.

- Cuidado que ele pode se assustar e ter um infarto.

- Mas depois que ele acordar tem que ir pro vagão certo.

- Não seja tão insensível.

- Lei é lei. Temos que ter todo o cuidado com essa raça de homens mesmo velho, mas que já foi assediador...

- Tu não está exagerando, não?

- Gente, dá água pro vovó!


** * * * * *

Quando o vovô abriu os olhos o trem estava parado com as portas abertas e um funcionário da estação tentava retirá-lo do vagão para lhe prestar atendimento.

O vovó protestou.

- Me deixa aqui, me deixa aqui! Já estou bem, já estou bem! Foi só a pressão que caiu. Não quero sair não, manda o trem andar, tenho consulta, tenho consulta, tá marco há três meses...!

Até as legalistas não conseguiram segurar o riso e não ter simpatia pelo vovó.

-Deixa o vovô aí, moço, ele já tá bem. Ele tem consulta, tá marcado há 3 meses e ele tá atrasado!

- E semana que vem ele faz 89 anos...

* * *

Só mais uma cena do cotidiano carioca nos trens da Supervia.

terça-feira, 1 de julho de 2025

A Bola, Coitada!

 

GOSTO DE ASSISTIR ESPORTES NA TV. Tênis e vôlei, principalmente. Futebol só os grandes eventos: Copa do Mundo, Copa Libertadores da América, Champions league.  E agora, essa nova Copa do Mundo de Clubes. Nem o mais otimista torcedor de Palmeiras, Flamengo, Botafogo e Fluminense (os clubes brasileiros participantes) esperavam uma participação tão positiva, com os quatro times indo para as oitavas de final. E dois - Palmeiras e Fluminense - nas quartas! Chegar à final é quase utopia, mas futebol é esporte onde nem sempre o mais forte vence no final.

Todo mundo sabe que os clubes europeus são os mais ricos, logo, compram os melhores jogadores. Seus clubes parecem na verdade, seleções nacionais, de tantos estrangeiros! Porém, os times brasileiros estão mostrando nesta copa, como se joga com um time superior: Uma defesa compacta, errar o mínimo possível, e buscar sempre a oportunidade do gol.

Mas na verdade eu queria falar dela, da bola...ou das muitas bolas usadas em todos os esportes com bola. E saiu esse poeminha bobo, infantil, com métrica sofrível até. Mas é a minha homenagem a essa desejada e sofrida personagem.

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A bola, coitada, não tem descanso, não tem paz.


Se é amarelinha e felpuda

Leva raquetadas sem restrição

De um lado pro outro, de um lado pro outro,

Numa tonteira aflição!


A bola, coitada, não tem descanso, não tem paz.


Se é listrada, leve e simpática, 

Vive a levar bofetadas por cima de uma rede

A torcida pedindo "ace, ace, ace"

 Sempre acabando com a cara no chão!


A bola, coitada, não tem descanso, não tem paz.


Se é de gramado, vinte e dois pés

Estão a chutar-lhe a face 

Com o desejo de colocá-la

Dentro de traves e travessão.

Que alegria isso provoca

Todos  vibrando com o tal do gol

Mas a bola, coitada, só torce pra que acabe logo a competição!


A Bola, coitada, não tem descanso, não tem paz.


Se é  mais pesada e rechonchuda, 

Vejam só que piração

Teimam em enfiá-la numa cesta

Sempre a quicar-lhe o lombo no  chão!


A Bola, coitada, não tem descanso, não tem paz.


E a bolinha pequena, sólida e branquinha? 

Essa vive a levar tacadas em toda direção

A querem sempre dentro de um buraco,

Mas cadê a consideração?


A Bola, coitada, não tem descanso, não tem paz.


E se tem três furinhos, 

Metem-lhe os dedos

Libidinosamente 

E a arremessam ao encontro

Dos pinos - também estes coitados - como apanham

E nunca os querem de pé!

Inocente nisso, Pinos, saiba

Que a bola é! 


A Bola, coitada, não tem descanso, não tem paz.


Se oval é a bola, 

Coisa de americano que acha que aquilo 

É futebol, 

Sofre demais sendo agarrada, lançada,

Disputada e maltratada no touchdown !


Mas por que te queixas, bolinha, 

Seja pequena, leve, oval ou gordinha?

Nunca viu o sorriso de uma criança

Quando você chega?

Nunca viu a felicidade delas 

Quando estão com você?


A bola respondeu-me: Sim! 

A estes me dou com alegria, pequenos ainda são

E me tratam com mais calmaria. 

Mas quando crescem, ó dor que me provocam

Viro saco de pancadas em correrias!


Mas ao lembrar do saco de pancadas, 

A bola passou a meditar sobre a sua serventia.

Também o saco de areia, coitado, é esmurrado todo dia...


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sábado, 28 de junho de 2025

Enquanto Isso em Brasília...

 



SESSÃO DE UMA COMISSÃO DO parlamento brasileiro. Com a palavra, um deputado que  diz ter a alcunha de "Doido". Um ser pitoresco. Nos tempos de Bolsonaro queria ajudar o Capitão a governar, pois "um doido entende outro doido...". Hilário. 

- Senhores deputados e deputadas desta comissão, começa o Doido com uma bíblia enorme na mão. Quem nasce com bigulim, pinto, pênis é homem e quem nasce com xereca, pepeka, vagina, é mulher...Eu acredito na Bíblia e é assim que está escrito. Se todo mundo morrer e só restar dois homens ou duas mulheres, a raça humana estará extinta!! 

Dando ênfase no "extinta". 

Burburinhos na comissão. Lá atrás, ouve-se uma deputada  dirigindo-se ao presidente da comissão:

- Presidente, presidente, olha o respeito, temos uma mulher trans nesta comissão!!

Pessoas que visitavam a comissão começam um burburinho.

Continuava o Doido:

- Eu respeito qualquer pessoa fazer o que quiser com seu corpo, respeito todas as religiões, mas não posso negar a realidade, homem é homem, mulher é mulher...

macaco é macaco, político é político e viado é viado...acrescentaria o pop star cearense, Falcão.

- Presidente! Isso é transfobia, isso é crime! Gritou outro deputado de um partido que diz misturar socialismo com liberdade. Paradoxos da nossa política.

Vozes exaltadas de todos os lados.

- Presidente, olha o respeito com a opinião do parlamentar, pede um deputado de um partido conservador nos costumes que está em seu quarto casamento. Paradoxos da nossa política.

- Opinião, não, meu amigo, a realidade! A realidade! Um homem se vestir de mulher não faz ele ser uma mulher!

- Presidente, olha o absurdo, olha a transfobia...! Grita a tal deputada trans.

Falação de todos os lados. Gestos veementes. A citada deputada trans emenda: 

- Presidente, olha o absurdo do Doido dizer que homem nasce homem e mulher nasce mulher....!!

- Me prove, me prove que tô errado, respondeu Doido em largos gestos teatrais.

Mais falação, mais protestos, mas pedidos de respeito à opinião do parlamentar Doido, ânimos exaltados de todos os lados, os visitantes que acompanhavam comissão entram no balaio das reclamações...

Sem condições de continuar a reunião, o presidente da comissão interrompe a sessão. 


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Ilustração publicada em : https://www.wsj.com/

Qualquer semelhança com a realidade não terá será sido mera coincidência.

Se você não tem a mínima noção de quem é o pop star cearense Falcão, é esse cara aí ao lado do  Capitão Bolsonaro e ouça a obra prima musical filosófica "Homem é Homem".





quinta-feira, 26 de junho de 2025

O PATRÃO MANDOU CANTAR

 


PAULINHO SOARES. Quem lembra dele? 

Lembro eu garoto de ter visto o Paulinho Soares em um programa dos Trapalhões e fiquei com a música "O Patrão Mandou" (1978) na cabeça por muito tempo. Essa música é uma boa e humorada crítica ao excesso de americanismos em nossa cultura. Não acho que a enxurrada de cultura americana por aqui prejudicou nossa música ou nossa cultura - eu gosto da cultura americana! - Filmes e músicas americanas, principalmente, estão quase no mundo todo e só me resta aplaudir a sua poderosa indústria cultural, mas Paulinho deixou sua crítica bem humorada porque tudo deve e pode ser criticado.



O patrão mandou cantar com a língua enrolada.

Everybody macacada. Everybody macacada

E também mandou servir uísque na feijoada.

Do you like this, macacada? Do you like this, macacada?

E ainda mandou tirar nosso samba da parada.

Very good macacada. Very good macacada.

Não sei o que é que o patrão tem debaixo da cartola

que a gente não se solta, ta grudado feito cola.

No fim das contas o patrão manda e desmanda

e ainda faz do Rei Pelé mais um garoto-propaganda.

O patrão mandou cantar com a língua enrolada.

Everybody macacada. Everybody macacada

E também mandou servir uísque na feijoada.

Do you like this, macacada? Do you like this, macacada?

E ainda mandou tirar nosso samba da parada.

Very good macacada. Very good macacada.

O patrão é fogo! Ele é quem dá as cartas quando o jogo

Tá metendo sempre o bico no fubá, qual tico-tico

No troca-troca o patrão que é mais rico, já levou o Rivelino e vem depois buscar o Zico.

O patrão mandou cantar com a língua enrolada.

Everybody macacada. Everybody macacada

E também mandou servir uísque na feijoada.

Do you like this, macacada? Do you like this, macacada?

E ainda mandou tirar nosso samba da parada.

Very good macacada. Very good macacada





Paulo Soares da Costa (Belém, PA, 9 de agosto de 1944 – Rio de Janeiro, RJ, 6 de maio de 2004), compositor popularmente conhecido como Paulinho Soares.

Em 1968, começou a trabalhar na área publicitária, compondo jingles para a produtora Planisom, de Chico Feitosa.

Dois anos depois, participou, como compositor, do V Festival Internacional da Canção (TV Globo), com “Quebra-cabeça” (c/ Marcello Silva), interpretada por Antônio Adolfo e o grupo A Brazuca.

Venceu, no ano seguinte, a fase nacional do VI Festival Internacional da Canção (TV Globo), com “Kyrie” (c/ Marcello Silva), interpretada pelo Trio Ternura. A música foi classificada em 3º lugar na fase internacional do evento. Nesse mesmo ano, gravou seu primeiro disco, produzido por Ian Guest, um compacto simples contendo suas canções “Roda-roda-roda” e “Vitória”.

Em 1972, gravou suas músicas “Elizabeth” e “Bate-boca” para a trilha sonora de “Uma rosa com amor” (TV Globo).

Na década de 1990, realizou shows em diversas casas noturnas cariocas.

Em 1999, fundou, com Gilberto Cortez, a “Confraria do Kareca”, roda de samba que costumava se reunir semanalmente no Bar Severina, em Laranjeiras (RJ), com a participação de oito músicos e de artistas convidados.

Paulinho Soares faleceu em 6 de maio de 2004, vítima de enfarte, aos 59 anos, em sua casa, no Rio de Janeiro.


domingo, 22 de junho de 2025

Que temos Nós com Ela?

  



A Montanha Mágica, de Thomas Mann é um grande livro (tanto em tamanho quanto em conteúdo) e é uma das principais obras da literatura alemã do século XX. Nele se misturam filosofia, medicina, política e espiritualidade. O protagonista,  Hans Castorp, jovem engenheiro alemão visita seu primo em um sanatório para tuberculosos nos Alpes suiços. Castorp pretendia uma visita de três semanas, mas acaba ficando sete anos no sanatório à medida que é diagnosticado com sintomas da doença, o que leva Castorp a se lançar em uma  jornada de autoconhecimento. 

Em um dos trechos, um personagem diz:

"Com efeito a mossa morte é assunto dos sobreviventes mais do que de nós próprios. Quer a conheçamos, quer não, conserva pleno valor para a alma aquela sentença de um sábio espirituoso que reza: enquanto existimos, não existe a morte e se ela existe, nós já deixamos de existir; por conseguinte, não há entre nós e a morte nenhuma relação real, e ela é uma coisa que para nós absolutamente não tem interesse e que, quando muito, afeta ao mundo e à natureza, motivo porque todas as criaturas a contemplam com grande calma, com indiferença, com certa ingenuidade egoísta, e sem assumir responsabilidades..."

Isso parece racional, certo, lógico. Porém, porque durante toda nossa vida, jamais conseguimos aceitar tal lógica facilmente? 

Por que vemos a morte como perda se nela estando, já não podemos ver que perdemos alguma coisa? 

A grande benção e a grande maldição do ser humano é a  consciência de estar vivo no mundo e a consciência que um dia ele já não estará. 

Mas se não há consciência no "não-estar", então por quê?

Por que isso de forma alguma consegue chegar à nossa razão? 

Creio que há poucos sábios que possam pensar como o sábio citado no trecho do livro.

Talvez por isso criamos a ideia de uma "vida após a morte"? Porque queremos ter consciência de que morremos mas ainda estamos vivos em outro plano seja ele qual for? 

A verdade é que a nossa  razão não consegue se conformar com a não existência, e esse é o fardo que temos que carregar por termos consciência de estarmos no mundo de forma provisória.


                                                                   * * * * * * * *

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Senso Estético Precose



 ESSES DIAS  lembrei-me de um ocorrido na minha infância que demonstra que já desde tenra idade, possuo um senso estético-artístico muito elevado. Explico:

O muro que separava a minha casa da casa do vizinho Zezinho, aquele mesmo que ajudou a matar a cobra que entrou lá em casa (Quem não leu tá aqui), era feito daqueles tijolinhos antigos de barro vermelho, que hoje em dia não se vê mais. Esses daí da foto acima. Pois bem, a altura do muro era bem baixa, um adulto conseguia atravessar os quintais passando a perna por cima. Para mim, uma criança de uns 7 anos  dava altura um pouco acima da minha cabeça. 

Um dia em que eu meditava no quintal sobre o Belo, percebi que o murinho além de desgastado, era totalmente irregular horizontalmente. Em certos lugares era mais alto que em outros e vice-versa. Foi uma epifania estética. Aquilo me incomodou profundamente.

Imbuí-me da missão de corrigir a assimetria. Uma ida ao porão da casa onde meu pai guardava várias ferramentas e achei o que procurava para meu intento: um martelo. Tinha vários modelos e eu escolhi o mais leve. Enquanto minha mãe fazia os afazeres domésticos, comecei a martelar os desníveis ao longo do muro. Era cansativo, o martelo não era muito pesado mas exigia do garoto certo empenho físico.

Toc, toc, toc....lá ia eu corrigindo as imperfeições do murinho...

Algo totalmente inesperado aconteceu. Talvez algum gênio diabólico da feiura quisesse atrapalhar minha missão embelezadora porque quando um pedaço se alinhava, o outro logo à frente desalinhava...isso começou a me intrigar e logo depois a me desesperar, já que a cada martelada que eu dava, o muro que já era baixo, ia se encolhendo ainda mais.

Depois de algum tempo me vi derrotado. O muro continuava todo desalinhado - agora ainda mais e com o agravante que tinha diminuído bastante de altura...tanto que minha cabeça já passava agora por cima dele e eu podia ver claramente o quintal do seu Zezinho. 

Não é de se admirar que quando uma criança está fazendo essas artes não aparece nenhum adulto para atrapalhar? 

Mas eis que enfim, surge minha mãe no quintal. Olha aquela cena e me diz: "Eduardo, o que você está fazendo com esse martelo na mão? Por que o muro tá todo quebrado?" Eu pensei em explicar mas certamente ela não entenderia minha missão estética. Limitei-me a dizer que estava só tentando alinhar o muro.

A frase que ouvi depois foi aquela frase que toda criança de antigamente mais temia: "Quando seu pai chegar você resolve com ele..."


                                                                 * * * * * * * * *


 

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Bienal dos Quase 60

 



Este ano está rolando por aqui a famosa Feira Internacional do Livro do Rio de Janeiro, maior evento literário da América Latina. O evento acontece um ano aqui e outro em São Paulo.  A primeira edição da Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro ocorreu em 1983, nos salões do Hotel Copacabana Palace, na Zona Sul da cidade. Participaram naquela ocasião 86 editoras que ocuparam 1400 metros quadrados. Em dez dias de evento, cerca de 20 mil pessoas visitaram a feira que movimentou na moeda da época - o tal do Cruzado, de péssima lembrança -  45 milhões, sendo vendidos 25 mil livros.

Destaque da programação foi o lançamento do livro "Quinze Contos" do ex-presidente Jânio Quadros e uma homenagem ao cinquentenário de "Casa-Grande & Senzala", de Gilberto Freyre.



Alguém aí já leu os contos do Jânio? Eu nem sabia que ele tinha escrito contos! 

Também teve destaque a encenação da peça infantil "A Bela Borboleta" de Ziraldo e ainda o seminário "O Livro no País".

Em 1987 o evento passou a se chamar Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro e se transferiu para o Riocentro, o maior centro de eventos do rio.  E a Bienal cresceu a cada edição. Na atual, a feira ocupa os incríveis 120 mil metros quadrados e estima-se que 600 mil pessoas passam por lá este ano.

Eu frequento a Bienal desde os anos 90. Era para mim e alguns amigos, o grande programa do ano. A última que eu tinha ido, porém, foi em 2013, quando o Eduardinho tinha apenas 2 anos e claro, foi com a gente. Vê aí algumas fotinhas.









Claro que comprei uma infinidade de livros infantis de todo tipo para ele. Minha maior missão naqueles tempos era fazer dele um leitor quando crescesse - e funcionou.

Depois dessa, só agora voltei à Bienal. E no dia que eu fui - no sábado - estava uma loucura! Era uma multidão disputando espaço para andar entre as editoras, para entrar nas lojas, para pagar e sair das lojas. Sem nenhum exagero, chegamos lá por volta das 11 da manhã e fomos embora às 9 da noite, e talvez tenhamos "perdido" quase 3 horas em filas. AJA PERNA!!! 

Mas valeu o cansaço, o tumulto. Dava para encontrar livros com até 50% de desconto sobre o preço normal. Não deu pra comprar muita coisa - a maioria, claro, foram livros do Eduardinho - pois o tempo gasto nas lojas realmente cansava mas tudo bem, o passeio, a energia do lugar, tudo compensa.

E lá não tem nenhum problema se largar e sentar (e até deitar) em algum cantinho com risco de levar alguma pisada para descansar, beber uma água, repor as energias. Em uma dessas paradas, encontramos duas famílias que tinham vindo de Brasília e do Mato Grosso. A mãe brasiliense tinha trazido a filha que enquanto levava horas dentro das lojas, descansava com o marido no chão. "Isso foi um golpe da minha filha", reclamava ela...a outra mãe veio cumprir o desejo da filha que fizera 15 anos que tinha pedido como presente visitar a Bienal do livro. E lá estava ela também largada no chão, tomando uma aspirina, enquanto a filha curtia seu presente.

Também tem umas fotinhas e um videozinho.







Parar pra tirar foto era se arriscar a ser atropelado também...



Eduardinho sempre fugindo das minhas gravações...nem parece aquele menininho falante entre os 7 - 10 anos que fazia vídeos para o Youtube (outro dia eu falo disso).



E PRA FECHAR A CONTA E PASSAR A RÉGUA, tinha que ter uma piadinha dele:

- Pai, a gente devia ter  ido na segunda (hoje) quando você já fosse idoso e ia pagar meia entrada...


                                                         * * * * * * * * * ****












terça-feira, 10 de junho de 2025

Idosos

 




EU CONVERSAVA COM três bons amigos de longa data. Todos beirando aos 60, assim como eu. Todos muitos preocupados em se alimentar bem, fazer exercícios, essas coisas. Tem que cuidar agora pra não chegar (se chegar!) aos  80 sem conseguir caminhar, sentar e levantar sozinho  sem que todas as juntas se travem.  Sabem como é, né, sessenta é um marco. Assim como quinze, dezoito, trinta, quarenta, cinquenta...vejam o exemplo da foto acima: ela se chama Ernestine Shepherd, é americana e está entre as mais velhas fisiculturistas do mundo. Ela tem 80 aninhos. 

Se você já passou dos 60 e nunca teve o hábito de exercitar-se, está na hora de mudar de rumo. Você precisa caminhar, fazer musculação, deixar de comer porcarias. (aquilo que todo mundo adora como bolo, biscoito recheado, pizza, cachaça, cerveja, todynho...)

Os 60 te trazem alguns benefícios sociais(alguma coisa boa tinha que trazer!), mas logo de cara (não que seja bem um benefício), a sociedade brasileira te considera um IDOSO. Que palavra horrível...! Idoso rima com lodoso, duvidoso, vagaroso, oneroso...mas alguém dirá que também rima com caridoso, estiloso, prazeroso, ditoso...Ok, ok, não vamos fazer uma guerra de rimas.

A sociedade nos chama de idoso mas como compensação te dá alguns benefícios, como eu dizia: Você agora tem direito a meias-entradas em eventos culturais e esportivos. Você pode andar de transporte público de graça. Olha que vantagem! Será que é por isso que se vê tanta vovó e tanto vovô passeando de ônibus para cima e pra baixo? Bom, não vou criticar, deixa os vovós passearem. Teremos também direito a passagens interestaduais de graça ou com desconto (aqui vi vantagem! Qualquer dia pego um bus pra belorizonte visitar o Jotabê e não quero beber Todynho, vou logo dizendo). 

E não para por aí: temos prioridade em atendimentos em bancos, hospitais, repartições públicas, supermercados. Acho que esse é o benefício que os sexagenários mais usam. Já viram qualquer fila em qualquer lugar que precise de fila? Só tem cabeça branca, e hoje em dia nem isso, pois todo mundo pinta o cabelo, principalmente as vovós, mesmo com essa onda feminista de impor às mulheres maduras que assumam as suas madeixas naturalmente despreteadas. Êpa, esta palavra acho que não existe, acabei de inventar e me parece meio... racista!? Oh, Deus, livrai-me do cancelamento! Mas eu dizia que a fila dos idosos é maior do que a fila dos não idosos, prova cabal de que o Brasil envelheceu antes de ficar rico. Uma lástima. E as mulheres normais tão pouco se lixando para essa norma feminista dos cabelos brancos - e tenho dito.

Uma feminista exaltada berraria na minha cara: "TÁ DIZENDO QUE FEMINISTAS NÃO SÃO MULHERES NORMAIS???" Olha, moça, o que escrevi tá escrevido, não vou me explicar e tomar mais o tempo dos meus célebres leitores. E leitoras. Viu como eu sou pela igualdade...?

Teremos cada vez mais problemas com a Previdência. Logo, logo, uma nova reforma será necessária e quero ver quem será o presidente e qual congresso vai arcar com o ônus político. Em países da Europa aconteceram várias manifestações nos últimos anos contra reformas de previdências, como na França, Itália, Espanha, Grécia, Alemanha e Portugal. Entendo os protestos mas a conta não estava fechando. 

Aqui no Brasil os gastos com previdência levam boa parte do orçamento da União, sempre com déficits homéricos. E agora estão se falando em mexer na previdência dos militares e digo: tem que mexer mesmo. (sim, não sou corporativista), assim como na previdência dos maiores cargos públicos do país, principalmente do Judiciário.

Então, até os países que ficaram ricos antes de ficarem velhos estão tendo dificuldades na área previdenciária, só o Brasil que não soube ficar rico antes de ficar velho vai ficar de fora?

E que venham meus 60, terei mais uma tag temática para escrever: Crônicas dos 60.


sábado, 7 de junho de 2025

Noites Cariocas com Tim Maia

 

Nelson Motta


EM 1980, o compositor, escritor, produtor, roteirista, jornalista, etc, Nelson Motta, criou a casa de show "Noites Cariocas" que ficava localizado no alto do Morro da Urca no Rio de Janeiro. Aquele que pra chegar ao topo tem que ir de bondinho (ou por trilha se você tiver espírito aventureiro. Fiz uma vez a trilha mas subir de bondinho é melhor...). Antes, a casa tinha sido a badalada  Dancin' Days, também aberta por Motta em 1976, antecipando a moda das discotecas que foi impulsionado pelo filme Embalos de Sábado à Noite, de John Badham de 1978 e que tinha John Travolta como protagonista. Lá também foi o palco que viu nascer o grupo musical feminino As Frenéticas que eram um furacão de ousadia e músicas dançantes. "Abra suas asas, solte suas feras, caia na gandaia, entre nesta festa..." A música, composta também por Nelson Motta e Ruben Barra se tornou tema da abertura da novela Dancin' Days de Gilberto Braga na Globo. 

Pela Noites Cariocas passaram várias cantores, cantoras e bandas que tiveram vida longa como Gang 90, Blitz, Lulu Santos, Ritchie, Lobão, Barão Vermelho...Numa das noites, a casa tinha preparado uma surpresa para o público - na maior parte de jovens que queriam namorar, curtir o visual e pular ao som da chamada "Música Prapular Brasileira".

A surpresa daquela noite era o rei do funk e soul, TIM MAIA. Porém, o tempo passava e nada de Tim chegar. É sabido que Tim ganhou a fama de não comparecer a seus próprios shows. Ele tinha concordado em cantar no Noites Cariocas depois de muita insistência. A lotação estava esgotada, cheias de VIPs, roqueiros, pessoal da MPB e sambistas.

Já passava da meia-noite e nada de Tim chegar. Ainda estava em casa, na Gávea, e por telefone disse que só sairia de casa se recebesse seu cachê em dinheiro vivo - não confiava em cheques - o produtor Duda catou todo o dinheiro da bilheteria e  partiu para a casa de Tim. Foi recebido por ele de calção e chinelo. Convidou Duda pra tomar um drinque, cheirar uma carreirinha e fumar um baseado. Tim confessou, contando o dinheiro e rindo, que morria de medo de andar de bondinho...bebeu e cheirou pra tomar coragem. Quando chegaram  na Praia Vermelha,  Tim olhou os bondinhos subindo e balançando suavemente e bradou: 

"Não entro nessa porra de jeito nenhum. Só com anestesia geral".

Lá de cima, por telefone, Nelson tentou convencer o apavorado Tim a subir, pois os ânimos da plateia estavam exaltados. Em tom jovial, com aquele vozeirão, Tim falou para Nelson:

"Meu amigo Nelsomotta (a única pessoa que, apesar da intimidade, só chamava os amigos pelo nome completo), eu tenho uma ideia melhor: em vez de eu subir, você manda o pessoal aqui pra baixo e a gente faz o show na praça.."

Brincadeiras à parte, enfim, conseguiram enfiar Tim dentro de um bondinho. Subiu de olhos fechados e entrou no palco cantando "Vale Tudo". O show, claro, foi um grande sucesso.


* * * * * * **


As Frenéticas




Tim Maia, Vale Tudo



Um pouco do Morro da Urca, Praia Vermelha e um panorama da Cidade Maravilhosa



(Canal de André Steiner. https://www.youtube.com/watch?v=aEmitWnMGlc)


quinta-feira, 5 de junho de 2025

Cacoetes

 


EU JÁ TIVE, E VOCÊ? Acho que todo mundo teve, pelo menos na infância. Refiro-me a CACOETES. Para deixar o significado mais correto possível, me servi do dicionário para expor todos os seus significados:

CACOETE.

Movimento muscular involuntário do rosto ou do corpo; tique. Mau hábito; hábito vicioso que alguém faz por costume. Costume próprio que caracteriza alguém; mania, trejeito, momice.[Linguística] Tendência para preferir ou usar repetida e automaticamente certas palavras, expressões etc.Comportamento da pessoa que repete uma ação por hábito. [Popular] Habilidade, jeito, vocação para algo: escritor sem cacoete para a escrita. Etimologia (origem da palavra cacoete). Do latim cacoethes.is; pelo grego kakoethes.es, "enganador".

Outro aparentado do cacoete, é o TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo - só o nome já dá medo).  Este mais grave, pois geralmente, permanente. Também fui buscar no dicionário o significado certinho:

TOC.

Transtorno Obsessivo-Compulsivo que se caracteriza pelo aparecimento permanente de crises obsessivas, de pensamentos, ideias e imagens que aparecem na mente de alguém sem que esta pessoa consiga evitar, sendo aliviadas somente por rituais compulsivos.

Eu passei a infância manifestando vários cacoetes, por exemplo, ficar lambendo a manga da camisa. Minha mãe vivia reclamando e me passando sermões mas não adiantava, os cacoetes precisam se manifestar em seu tempo próprio pois do mesmo jeito que vêm, vão. Eu tinha um toda semana mas não consigo me lembrar de muitos. Minha irmã também era uma cacoeteira de mão cheia. Ela teve cacoetes mais bizarros que os meus, como fazer um movimento de colocar os lábios superiores pra cima expondo os dentes utilizando os dedos indicadores de cada mão. 

Os cacoetes da infância geralmente estão relacionados a imaturidade neurológica, ansiedade, excitação, imitação de comportamentos ou até fadiga e falta de sono.  Talvez ou fosse ansioso. É isso, eu era. O TOC, como já disse, é algo bem mais complexo e permanente mas até pode ser controlado. Não tem um causa única e pode estar relacionado a fatores genéticos, psicológicos e ambientais.

Quando ainda estava na ativa na Marinha, conheci um cabo que tinha um TOC prá lá de estranho. Ele trabalhava de motorista - e quando o conheci me perguntei quem fora o doido que tinha lhe dado aquela função. Ele tinha movimentos involuntários das mãos e braços. Enquanto dirigia, um dos braços subia ora pra frente, ora para trás. Quando mudava a marcha do carro, tensionava totalmente o braço que chegava a tremer. Eu não o conhecia até um dia pegar uma viatura com ele. Até hoje não sei se ele tinha TOC ou algum outro problema neurológico. Ele devia ser muito considerado por algum comandante para estar na ativa daquele jeito. Perguntei a colegas que o conheciam e todos me disseram que era um ótimo motorista, nunca tinha batido nenhuma viatura apesar dos espasmos espetaculares dos braços.

De repente imaginei um maestro diante da orquestra com esses movimentos aleatórios...

E você, confessa pra mim: Quais foram teus cacoetes?

 



sábado, 31 de maio de 2025

A Cobra Deixou de Fumar

 



TEM COISAS QUE TODO MUNDO DIZ E tem coisa que todo mundo já disse e quase não diz mais. Depende da época e do lugar. Explico-me:  "Ficar a ver navios", "conversa pra boi dormir", "fazer das tripas coração". Você conhece todas elas se tem uma certa idade. São as chamadas "expressos populares" que ninguém sabe quem criou e só existem até quando haja quem as diga. Algumas já estão enterradas e só os bem mais velhos ainda lembram e até falam, mas se falam perto de alguém mais jovem corre o risco de ouvir coisas do tipo,  "Tu é velho, hein"?? Já ouvi isso do meu filho. E não gostei. Senti-me vítima de...de...como é que fala? Uma dessas fobias de hoje em dia... Alias, estamos nos tempos das expressões populares com "fobia". Homofobia, transfobia, gordofobia...Ah, lembrei! ETARISMO. Mandei na cara do moleque: "Tu não me diz isso porque é etarismo..." Coisa de véio mesmo" - confirmou ele. Total falta de respeito com um quase idoso.

Cada nova geração cria suas próprias expressões populares. Você, meu amigo, minha amiga, mais experiente, com mais quilômetros rodados, já percebeu quanta coisa que a gente dizia (eu não, ainda não sou idoso) e que saiu de uso sem a gente nem perceber? Uma expressão ficou muito famosa durante a Segunda Guerra: A COBRA VAI FUMAR" - expressão atribuída a um grito de guerra da Força Expedicionária Brasileira. Alguém ainda aí fala isso...? TU É VELHO! Olha o maldito etarismo de novo...preciso me policiar. 

De acordo com o Observatório da Língua Portuguesa, existem pelo menos 50 palavras "antigas" que têm quase desaparecido das expressões cotidianas.


Algumas delas são:


Sacripanta

Antigamente usada para designar alguém astuto, falso ou mal-intencionado, especialmente um homem. Um "homem canalha", por exemplo. Hoje, soa como xingamento de novela de época ou personagem de comédia.

Quiproquó

Uma confusão causada por mal-entendido, geralmente cômica ou absurda, originada do latim quid pro quo. 

Balela

Uma "conversa fiada" (outra expressão que já não se usa tanto), história inventada. Uma "lorota", para resumir.

Lambisgoia

Lambisgoia era uma expressão com muitos significados: de mulher fofoqueira e intrometida a brega e "fubanga" (como os jovens de hoje em dia chamam, em substituição), um sentido teatral e depreciativo.

Sirigaita

Uma mulher atirada, sem-vergonha, com julgamento moral embutido. 

Pachorra

Pode ser muita coisa. De uma falta de urgência ou cinismo à vontade admitida de fazer algo absurdo: "Não acredito que ela teve a pachorra de fazer isso!"

Safanão 

Pouca gente sequer sabe do que se trata: é um tapa ou empurrão rápido e brusco, às vezes na tentativa de contenção, às vezes de punição.

"Levou um safanão da tia".


Perguntei ao Eduardinho(14 anos) se ele já tinha ouvido ou sabia o que significava algumas dessas expressões: Ele conhecia e sabia o que significava "balela", "Sirigaita" e "lambisgoia". Não sei porquê diabos um adolescente de 14 anos saberia isso...perguntei, ele me disse que não sabe como sabia, só sabia. Entendi.

Mas eu, um quase idoso antenado no que falam os mais jovens, pedi a ele para me ensinar alguma expressão que os adolescentes hoje em dia falam, sem ser o maldito "Tá ligado" que é uma praga na boca de adolescentes. Ele me disse algumas e eu compartilho aqui com vocês, velhos  que ainda leem blogues: CORINGAR. Sabe o que é? Pois eu sei: É quando alguém ouve alguma coisa engraçada e cai na gargalhada e não consegue parar. Diz-se: "fulano coringou". 

Se você conhecia e tem mais de 60, parabéns, tu é um jovem velho antenado e tá ligado!

domingo, 25 de maio de 2025

O Quepe do Meu Pai

 




Carlos Diogo, meu pai



O CÉREBRO joga no lixo toda lembrança que não foi marcante em nossa vida e preserva as que nos marcaram de alguma forma, como por exemplo, aquelas com forte carga emocional como medo, alegria intensa, tristeza ou trauma. Essas emoções ativam regiões do cérebro como o hipocampo que reforçam o armazenamento dessas memórias. Como se o cérebro entendesse que essas memórias possam ser úteis para a sobrevivência ou para decisões futuras. Existe também a "poda sináptica. Durante a infância, o cérebro depois de uma fase de crescimento, faz uma "limpeza" chamada poda sináptica. Conexões neuronais pouco usadas são eliminadas. Memórias que foram pouco acessadas ou com pouco importância emocional tendem a ser descartadas. Incrível, não é? Todo mundo tem essas lembranças da infância mais tenra que estão preservadas ao mesmo tempo que tantas outras foram apagadas. 


4 ou 5 anos de idade.

Meu pai fardado (ele era da Marinha), saindo para trabalhar e eu segurando o seu quepe. Ele me dizendo, "me dá meu quepe, Eduardo, tô atrasado". E eu, quepe do pai na mão respondendo: "Só vô te dá se você falá 'me dá, meu filho'..." Eu gostava quando meu pai me chamava de " meu filho".  Impaciente, falou outra vez: "Eduardo, eu tô atrasado, me dá o quepe". Meu pai parado na porta de casa, minha mãe ao seu lado, e eu afastado alguns metros segurando forte o seu quepe contra o peito. "Só vô dá se falá 'me dá meu filho' ", repeti, firme como uma rocha. Então meu pai vem  em minha direção, e diz: "Meu filho, me dá meu quepe!". Sorri satisfeito. Uma alegria imensa. Meu pai não deve ter entendido o que aquele "meu filho" significava para mim. Extremamente profissional, jamais chegara atrasado ao serviço e eu ali, lhe atrasando! Não lembro se ele me deu um beijo (não era muito de beijar os filhos, em compensação, toda hora beijava minha mãe e isso eu achava muito legal). O que eu sei e o que meu cérebro achou importante registrar, foi a satisfação ao ouvi-lo me chamando de "meu filho".