O muro que separava a minha casa da casa do vizinho Zezinho, aquele mesmo que ajudou a matar a cobra que entrou lá em casa (Quem não leu tá aqui), era feito daqueles tijolinhos antigos de barro vermelho, que hoje em dia não se vê mais. Esses daí da foto acima. Pois bem, a altura do muro era bem baixa, um adulto conseguia atravessar os quintais passando a perna por cima. Para mim, uma criança de uns 7 anos dava altura um pouco acima da minha cabeça.
Um dia em que eu meditava no quintal sobre o Belo, percebi que o murinho além de desgastado, era totalmente irregular horizontalmente. Em certos lugares era mais alto que em outros e vice-versa. Foi uma epifania estética. Aquilo me incomodou profundamente.
Imbuí-me da missão de corrigir a assimetria. Uma ida ao porão da casa onde meu pai guardava várias ferramentas e achei o que procurava para meu intento: um martelo. Tinha vários modelos e eu escolhi o mais leve. Enquanto minha mãe fazia os afazeres domésticos, comecei a martelar os desníveis ao longo do muro. Era cansativo, o martelo não era muito pesado mas exigia do garoto certo empenho físico.
Toc, toc, toc....lá ia eu corrigindo as imperfeições do murinho...
Algo totalmente inesperado aconteceu. Talvez algum gênio diabólico da feiura quisesse atrapalhar minha missão embelezadora porque quando um pedaço se alinhava, o outro logo à frente desalinhava...isso começou a me intrigar e logo depois a me desesperar, já que a cada martelada que eu dava, o muro que já era baixo, ia se encolhendo ainda mais.
Depois de algum tempo me vi derrotado. O muro continuava todo desalinhado - agora ainda mais e com o agravante que tinha diminuído bastante de altura...tanto que minha cabeça já passava agora por cima dele e eu podia ver claramente o quintal do seu Zezinho.
Não é de se admirar que quando uma criança está fazendo essas artes não aparece nenhum adulto para atrapalhar?
Mas eis que enfim, surge minha mãe no quintal. Olha aquela cena e me diz: "Eduardo, o que você está fazendo com esse martelo na mão? Por que o muro tá todo quebrado?" Eu pensei em explicar mas certamente ela não entenderia minha missão estética. Limitei-me a dizer que estava só tentando alinhar o muro.
A frase que ouvi depois foi aquela frase que toda criança de antigamente mais temia: "Quando seu pai chegar você resolve com ele..."
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Olá, amigo Eduardo!
ResponderExcluirEu tenho pavor de perfeccionismo.
Tenho um filho que mandou desmanchar uma coisinha de nada de uma obra pronta e cara porque o acabamento ficou um milímetro de diferença.
Talvez pelo ocorrido, dentre outros, por ver o desgaste que é, que tenho medo até de olhar direitinho e perceber desajustes... rs...
Enfim, estou percebendo que homens são detalhistas demais. Tenho filhos, genro e familiares assim como você. Só homens, por coincidência.
Não vejo como defeito se querer as coisas alinhadas, mas abomino como disse acima, o perfeccionismo. Talvez por incapacidade minha de lidar com o desgaste que me causaria, confesso.
Tenha um feriado aí abençoado!
Abraços fraternos de paz
Mas eu estou longe de ser perfeccionista, a crônica é exagerada. Quem é perfeccionista aos 7 anos...rss
ExcluirOi Edu, eu aqui de novo! Eu até ouvi as batidas do martelo enquanto lia! E o desfecho com o clássico "quando seu pai chegar..." foi nostálgico, comigo era o contrário "quando sua mãe chegar..." e tem o poder de deixar qualquer criança preocupada ao longo do dia, até que os pais cheguem rs.
ResponderExcluirhttps://jusreads.blogspot.com/
Eduardo, essa crônica é uma verdadeira obra-prima da infância estética frustrada! 😂
ResponderExcluirA cena do pequeno restaurador de muros, munido de um martelinho e de uma epifania sobre a simetria, merecia um curta-metragem com trilha sonora de filme francês.
A tentativa de impor ordem ao caos do mundo tijolo por tijolo é comovente e hilária. E o desfecho com a sentença clássica
“quando seu pai chegar…” é o tipo de suspense que rivaliza com qualquer final de Hitchcock. Você transformou uma travessura de quintal em filosofia cotidiana meu amigo e com um humor delicioso.
Obrigada pela gargalhada e pela ternura embutida nas marteladas! Risos 🤭
Fernanda !
E quem disse que a crônica é para ser rumorosa? Esse é o espírito da crônica: leveza e humor. E ainda são ouvidas as marteladas e o fio de prumo buscando a simetria. E se o tempo esperasse, você ainda estaria lá endireitando o muro, antes da chegada dos seus pais. Uma coisa é certa: a estética ganhos novos contornos sob o seu certeiro martelo.
ResponderExcluirUm abraço,
Que texto legal e bem humorado Edu!!
ResponderExcluirVocê nasceu para escrever...
Sabe, estava há pouco no Blog Sementes da querida Chica e ela escreveu um poema tão lindo que me encantou profundamente! A Chica poetisa tem uma criatividade sem limites.
Assim como você, que restaura as memórias da infância e faz crônicas belíssimas!! Ahh, aqui em casa ainda tem um murinho de tijolinhos vermelhos. Nossa casa tem mais de 60 anos, é antiquíssima e precisa de uma boa reforma. Mas será somente depois que o papai estiver totalmente curado o que vai demandar ainda uns longos 5 meses, pelo menos...
Gosto demais quando é assim, primeiro a gente cuida da gente para depois, quando der, cuidar da casa. Só não podemos deixar o telhado cair na cabeça...kkkkkkkk
Abraços e um excelente feriado a si e toda família amigo!!
Edu , fiquei imaginando aos 7anos cheio de atitude, dando marteladas no muro e desmontando-o. E a resposta da mãe é clássica _ não há mãe que não a tenha sacralizado ... rs
ResponderExcluirGostei ,Edu _ você é ótimo !
Ah, que anjinho eras! E essa frase, bem típaca dos outros tempoos,res...CADA UMA! Gostei da tua traqueirice!
ResponderExcluirAfinal, foste mais um gênio da estética mal compreendido!! rs
abração, chica
Desconfio que você era um portador de TOC infantil!
ResponderExcluircertamente. Não leu a crônica sobre "cacoetes"???
ExcluirLeio tudo o que você escreve, mas não me lembro de ter lido essa. Passe-me o link.
ExcluirEdu,
ResponderExcluirMaravilhosa sua narrativa.
Estou aqui em casa lidando com
a Neta Alice de 8 anos e enquanto
ela lê seu 1º livro, o pai assistiu com ela
o filme e eu achei a série ambas do mesmo
Menino Maluquinho. E sua traquinagem se
encaixa perfeitamente nas tantas que
o livro, o filme e a série abordam.
Como tenho ouvido ultimamente
no programa do Porcha:
"Quem nunca?" ou seja quem
nunca aprontou quando podia.
Bjins de bom fim de semana
prolongado.
Bjins
CatiahôAlc.
Olá, Edu!
ResponderExcluirGostei da narrativa. Voltei o filme e lá estava eu! Também eu era assim, e, infelizmente ainda continuo querendo tudo certinho, centímetro por centímetro. Mas aprendi a conviver comigo assim. Como não posso ver nada "torto" que me incomoda, trato de virar a cara, não olhar certas coisas no quintal, no pomar, nas obras, etc. aqui do sítio. E agora, aos 75, sinceramente não quero nem saber, prefiro ocupar-me com outras coisas que me dão gratificações melhores e imediatas.
(Na infância já tentei "consertar" coisas e me dei muito mal. E minha avó não esperava meu avô para me corrigir, ela mesma fazia o serviço e... ai de mim! rsrsrs).
Obrigada pela crônica. Belas lembranças me procuraram.
Um abraço.
Eis o link da minha postagem mais recente:
A cidade do sol
Isso aí Marli, aos 75 não cabe esquentar a cabeça com perfeições.
ExcluirOi Edu! Você é virginiano? Perguntei porque eles adoram organização nos mínimos detalhes, ordem e precisão em tudo. Mas eu dei uma risada com a frase de sua mãe, parece com as frases do povo lá de casa quando eu era criança, a gente não pode nem desenvolver nosso senso estético, né não? Uma das piores "artes" que eu fiz foi pintar as paredes da sala com lápis de cor! Kkkk... Abraços!
ResponderExcluirSua arte é clássica....haaaa
ExcluirDizem que sou de gêmeos, mas não ligo nem acredito em signos. E não sou nada perfeccionista, nem sei porquê nesse casa eu quis alinhar o muro. Pra mim hoje foi por senso estético...ou não...rs
A minha frase era diferente" Quando vier a tua mãe, ela resolve contigo"
ResponderExcluirEm pequena também fiz muitas traquinices e adorei ler a sua!
Um beijinho!
💫💫💫Megy Maia
🌟 Que inspiração maravilhosa sobre o poder do nosso olhar estético desde cedo! Adorei como destacas a importância de perceber beleza no dia a dia e como isso molda a nossa visão do mundo. Obrigada por partilhares uma reflexão tão sensível e cheia de significado.
ResponderExcluirCom carinho,
💜 Daniela Silva 😊
📍 https://alma-leveblog.blogspot.com
🌿 Se quiserem encontrar mais pensamentos cheios de leveza e beleza, passem por lá!
Olá Eduardo,
ResponderExcluirDei uma risada com sua historia. Aqui era com a mãe que prestávamos conta. O seu muro de tijolinho é igual ao meu da minha varanda, eu acho lindo, mas é porque não é desalinhado não, é perfeitinho.
Feliz final de semana.
Olá Edu
ResponderExcluirInteressante crónica aqui partilhas.
É um muro de arte abstrata. Rsss
Abraço e bom fim de semana.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
https://soltaastuaspalavras.blogspot.com
Kkkkkkkkkkk, boa Dudualdo!
ResponderExcluirMe lembrei de uma vez que fui com meu pai, que era eletricista de carro, em uma outra oficina onde ele foi dar um socorro em um carro que os caras não estavam sabendo consertar.
Aí meu pai foi na oficina dele buscar uma peça e eu fiquei lá.
EU ACHEI OS PONTEIROS E OS NÚMEROS DO PAINEL DO CARRO MUITO BONITOS.
Aí eu falei para o dono da oficina se não inha uma ferramenta para ele me emprestar. Ele me emprestou um martelo e uma taladeira. Kkkkkkkkkkkk. Eu quebrei o painel do carro e tirei os ponteiros.
Quando meu pai viu ele ficou louco de raiva, mas o cara da oficina (que não sei porque eu acho que se chamava Jair), me defendeu e disse que a culpa era dele.
Kkkkkkkkkk. O carro era importado, isso na decada de 80, eu tinha uns 6 anos.
Não sei quem pagou, mas deve ter custado caro.
E meu pai não me deixou ficar com os ponteiros e os númerozinhos!
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
poxa, que pena que teu pai não deixou você ficar com os ponteiros depois de tamanha obra em busca do que você queria, demonstrando que desde cedo você seria um homem de atitude...rs
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVivi em uma casa com esse muro. Era realmente muito fino e disforme. Dava vontade de fazer isso daí mesmo. Uma vez, parte dele caiu à toa, acho que não resistiu a alguma chuva, não me lembro, pois as lembrançs só dão conta do muro caído e a visão da casa do vizinho. E sim, eram baixos. E os portões nem eram tão fortes também. Só tinham para ilustrar, tipo " isso é um portão". Eram outros tempos, outra vida.
ResponderExcluirExatamente assim!
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