Clube de Detetives Pão de Queijo

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Senso Estético Precose



 ESSES DIAS  lembrei-me de um ocorrido na minha infância que demonstra que já desde tenra idade, possuo um senso estético-artístico muito elevado. Explico:

O muro que separava a minha casa da casa do vizinho Zezinho, aquele mesmo que ajudou a matar a cobra que entrou lá em casa (Quem não leu tá aqui), era feito daqueles tijolinhos antigos de barro vermelho, que hoje em dia não se vê mais. Esses daí da foto acima. Pois bem, a altura do muro era bem baixa, um adulto conseguia atravessar os quintais passando a perna por cima. Para mim, uma criança de uns 7 anos  dava altura um pouco acima da minha cabeça. 

Um dia em que eu meditava no quintal sobre o Belo, percebi que o murinho além de desgastado, era totalmente irregular horizontalmente. Em certos lugares era mais alto que em outros e vice-versa. Foi uma epifania estética. Aquilo me incomodou profundamente.

Imbuí-me da missão de corrigir a assimetria. Uma ida ao porão da casa onde meu pai guardava várias ferramentas e achei o que procurava para meu intento: um martelo. Tinha vários modelos e eu escolhi o mais leve. Enquanto minha mãe fazia os afazeres domésticos, comecei a martelar os desníveis ao longo do muro. Era cansativo, o martelo não era muito pesado mas exigia do garoto certo empenho físico.

Toc, toc, toc....lá ia eu corrigindo as imperfeições do murinho...

Algo totalmente inesperado aconteceu. Talvez algum gênio diabólico da feiura quisesse atrapalhar minha missão embelezadora porque quando um pedaço se alinhava, o outro logo à frente desalinhava...isso começou a me intrigar e logo depois a me desesperar, já que a cada martelada que eu dava, o muro que já era baixo, ia se encolhendo ainda mais.

Depois de algum tempo me vi derrotado. O muro continuava todo desalinhado - agora ainda mais e com o agravante que tinha diminuído bastante de altura...tanto que minha cabeça já passava agora por cima dele e eu podia ver claramente o quintal do seu Zezinho. 

Não é de se admirar que quando uma criança está fazendo essas artes não aparece nenhum adulto para atrapalhar? 

Mas eis que enfim, surge minha mãe no quintal. Olha aquela cena e me diz: "Eduardo, o que você está fazendo com esse martelo na mão? Por que o muro tá todo quebrado?" Eu pensei em explicar mas certamente ela não entenderia minha missão estética. Limitei-me a dizer que estava só tentando alinhar o muro.

A frase que ouvi depois foi aquela frase que toda criança de antigamente mais temia: "Quando seu pai chegar você resolve com ele..."


                                                                 * * * * * * * * *


 

5 comentários:

  1. Olá, amigo Eduardo!
    Eu tenho pavor de perfeccionismo.
    Tenho um filho que mandou desmanchar uma coisinha de nada de uma obra pronta e cara porque o acabamento ficou um milímetro de diferença.
    Talvez pelo ocorrido, dentre outros, por ver o desgaste que é, que tenho medo até de olhar direitinho e perceber desajustes... rs...
    Enfim, estou percebendo que homens são detalhistas demais. Tenho filhos, genro e familiares assim como você. Só homens, por coincidência.
    Não vejo como defeito se querer as coisas alinhadas, mas abomino como disse acima, o perfeccionismo. Talvez por incapacidade minha de lidar com o desgaste que me causaria, confesso.
    Tenha um feriado aí abençoado!
    Abraços fraternos de paz

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    1. Mas eu estou longe de ser perfeccionista, a crônica é exagerada. Quem é perfeccionista aos 7 anos...rss

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  2. Oi Edu, eu aqui de novo! Eu até ouvi as batidas do martelo enquanto lia! E o desfecho com o clássico "quando seu pai chegar..." foi nostálgico, comigo era o contrário "quando sua mãe chegar..." e tem o poder de deixar qualquer criança preocupada ao longo do dia, até que os pais cheguem rs.

    https://jusreads.blogspot.com/

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  3. Eduardo, essa crônica é uma verdadeira obra-prima da infância estética frustrada! 😂
    A cena do pequeno restaurador de muros, munido de um martelinho e de uma epifania sobre a simetria, merecia um curta-metragem com trilha sonora de filme francês.
    A tentativa de impor ordem ao caos do mundo tijolo por tijolo é comovente e hilária. E o desfecho com a sentença clássica
    “quando seu pai chegar…” é o tipo de suspense que rivaliza com qualquer final de Hitchcock. Você transformou uma travessura de quintal em filosofia cotidiana meu amigo e com um humor delicioso.
    Obrigada pela gargalhada e pela ternura embutida nas marteladas! Risos 🤭

    Fernanda !

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  4. E quem disse que a crônica é para ser rumorosa? Esse é o espírito da crônica: leveza e humor. E ainda são ouvidas as marteladas e o fio de prumo buscando a simetria. E se o tempo esperasse, você ainda estaria lá endireitando o muro, antes da chegada dos seus pais. Uma coisa é certa: a estética ganhos novos contornos sob o seu certeiro martelo.
    Um abraço,

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