Clube de Detetives Pão de Queijo

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Um Certo Réveillon

  



Escrevi essa "crônica-conto" no início do ano passado com o título "Caetano e Elis". Tinha algumas inconsistências. Dei uma repaginada e estou republicando com novo título mas com o mesmo teor: uma reunião de amigos onde estão presentes Caetano e Elis na chegada do ano de 1974. Resolvi brincar com alguns versos de canções gravadas pelos dois e os coloquei em algumas falas e narrativas, eles estão em itálico. Resolvi não colocar os diálogos em parágrafos com travessão para que o texto do pequeno conto fosse mais fluído.


* * *


Festa!  Alegria, alegria! 1974! Expectativas de um tempo melhor do que já foi. Gente, depois do Tri, depois de Londres, depois das guerrilhas, Parece que o tempo do chumbo grosso já passou. Afrouxaram o laço do pescoço....E essa tal guerrilha, minha gente, pra quê? Vamos vencer com a poesia e a canção...

Elis vê o amigo no recinto festivo. Ai, caêtano, como vai indo meu rei? Tô caminhando sem lenço e sem documento, minha deusa, como sempre!. Elis, com largo sorriso na cara, abraçou o amigo e lhe afagou os caracóis. Aquela noite de dezembro estava quente e aconchegante. Festa da vida, da música, do encontro. O natal passara quase agora e os próximos dias anunciavam um novo velho ano mas que poderia ser um novo tempo, de fato. Talvez. O que será, será que será desse ano que se impõe? Esperanças, meu amigo, esperanças...

 Alguém soltou uma gargalhada quase indecente. A piada foi boa? Sorrisos largos apesar dos choros de Marias e Clarices nunca esquecidas. Caê, lembre-se que o show de todo artista tem que continuar e sei que uma dor assim pungente, não há de ser inutilmente...a esperança dança na corda bamba...Minha rainha, isso é bonito demais...Foi o Aldir e o Bosco. Estão escrevendo. O Henfil e todo mundo precisavam voltar...

 Os homens serão melhores no futuro, Caêtano? No porvir tudo pode ser pra nascer novo ser ou não... Enquanto os homens exercem seus podres poderes, tudo se repete, não é Elis? Isso também dá música... Elis sorriu, divertida e carinhosa. Opa, me passa uma bebida! Preciso afogar as mágoas da saudade...  Do quê ou de quem estás falando Caê? Uma tigresa de unhas negras e íris cor de mel. Uma mulher, uma beleza que me aconteceu... Elis, pega outra bebida, vou trazer o violão... Eu sei que o amor é uma coisa boa, Caê!

    Alguém no outro lado cantou Joplim seguido por outros ao redor  "A Woman left loney will soon grow tired of waiting..." 

O que foi a passeata contra a guitarra elétrica, Elis, perguntou o anfitrião olhando de rabo de olho.  Amigo, não dava pra ficar impassível diante do rock! Eu só queria preservar nossas raízes, respondeu Elis risonha. Vocês queriam mesmo era fazer propaganda do Fino da Bossa que você ia apresentar na TV - disse Caetano trazendo o violão. Vamos cantar Joplim ou beetles? Ou João Gilberto? Eu achei aquilo tudo brega, aquela passeata...querer limitar as possibilidades de experimentação musical da MPB, decretou, já dedilhando as cordas do violão.

Elis sorriu.

Viva a Tropicália!, gritou uma jovem de cabelos cheios e embolados sentada no chão e encostada na parede onde  jazia um quadro de João Gilberto, onde o bossa nova aparecia em um banquinho com um violão. Viva! gritaram outros. Elis não arredou. Soltou uma gargalhada debochada e vaticinou, ora, seus tontos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.. Caetano sorriu. Tu és mesmo uma pimentinha...ouve essa: Quero você com a alegria de um pássaro em busca de outro verão..

     Uma sirene lá fora. Seria bombeiro, ambulância ou polícia? 


terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Não tenho amigos de infância (Desilusões amorosas infantis)

 



ACHO TÃO LEGAL quando alguém diz sobre alguém: "Ah, ele é meu amigo de infância". Eu não posso dizer o mesmo, pois todos os meus amigos de infância estão perdidos nas areias do tempo... Areias do Tempo é o título de um dos livros de Sidney Sheldon. Acho a expressão tão poética, tão forte, tão...areosa e temporal! Aproveitei para usar aqui...com  reticências para ficar legal. Adoro reticências... 

Desde que nasci em 1964, até meus 14 anos, minha família morou em Aracaju, Salvador, Angra dos Reis, outra vez em Salvador, depois definitivamente no Rio de Janeiro. Coisas de pai militar.  Ou seja, um monte de amiguinhos de escola com os quais convivi nesse período, estão perdidos nas areias do tempo...olha, usei o termo outra vez. É redundância que se chama? 

Dos oito aos doze, estava em Angra dos Reis. De lá lembro bem de um único amigo, meu vizinho, filho do seu Zezinho Caçador (que já apareceu por aqui na crônica Olha a Cobra!) de nome Rose. Rose era um nome bem estranho para um menino dos anos 70. Mas minha lembrança do Rose é muito mais por causa da sua irmã, Regina: Uma belíssima galega no auge dos seus 16 anos que minha mãe contratou para me levar e trazer da escola. Regina tinha cabelos amarelos encaracolados até os ombros e longas pernas que sempre estavam vestidas(ou desnudas?) em minissaias coloridas. Eu ia de mãos dadas ao seu lado. Ao lado daquelas pernas...o doce movimento do seu andar  polvilhava meus sentidos de vastas emoções... 

Quando fiz dez anos, me vi já um homem. Disse à minha mãe que eu não precisava mais da companhia de Regina. Tinha começado a pegar mal ir `a escola acompanhado quando ninguém mais ia. A pressão social juvenil escolar, que é uma das mais ferrenhas que existem, me fez abandonar a proximidade com as poéticas pernas de Regina. Depois soube que ele arranjara um namorado. Aquilo para mim foi uma grande traição. Minha primeira desilusão amorosa...

Eu tinha doze anos quando Soraya entrou em minha vida. Era uma belíssima morena de cabelos longos e cheios. Para mim, a garota mais linda da escola, a própria encarnação da beleza. Nem Vênus chegava aos seus pés. Soraya me fez esquecer Regina. Meu coração disparava quando a via. Ir à escola era o momento mais feliz do meu dia. Ela correspondia, pois sempre me lançava olhares e sorrisinhos cativantes...porém, trocávamos poucas palavras. Era quase amor platônico... o que eu tinha de coração agitado, tinha de tímido. Quando meu pai anunciou que íamos nos mudar para o Rio de Janeiro minha vida terminou. Chorei, arrazoei, discuti, sugeri ficar morando com seu Zezinho...Não teve jeito. Tive que me despedi de Soraya sem nem ao mesmo ter coragem de lhe dizer "eu te amo". 

Soraya foi minha segundo desilusão amorosa. 


* * * 

Eduardo Medeiros

Janeiro de 2025

Um Certo Réveillon

   Escrevi essa "crônica-conto" no início do ano passado com o título "Caetano e Elis". Tinha algumas inconsistências. D...