Clube de Detetives Pão de Queijo

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Olhai Os Lírios do Campo

 


Terminei de ler esse livro do Érico Veríssimo que eu tinha há anos em minha biblioteca e nunca tinha lido. Depois que ele se foi no incêndio, por fim, li a edição digital no meu Kindle. 

Érico Veríssimo é um dos meus autores brasileiros prediletos desde que li a trilogia O Tempo e o Vento que eu reputo ser uma das maiores obras de literatura em nosso país. Em Olhai Os Lírios do Campo, Veríssimo nos apresenta Eugênio, um personagem que desde a infância busca superar uma vida de pobreza e humilhação; o seu desprezo pela falta de ação e atitude do pai alfaiate e a condescendência da mãe à situação.  Eugênio empreende uma busca de si mesmo em sua batalha interior de superar uma vida medíocre e seu complexo de inferioridade. Mas a que custo?

O livro foi publicado em 1938 e foi grande sucesso de vendas o que possibilitou a Veríssimo se dedicar profissionalmente à literatura. O foco narrativo também é interessante já que presente e passado se alternam na jornada de Eugênio.

Eu gosto de fazer anotações em um caderno de tudo o que eu leio. Frequentemente escrevo citações do livro. Aqui, deixo algumas dessas citações que foram para o meu caderno.


" Era como essas meninas ricas que para fazerem publicidades adotam órfãos nos asilos e possam ao lado deles para os fotógrafos dos jornais..."

"Um amigo meu costumava dizer que a vida é como uma travessia transatlântica...os passageiros são dos mais variadas espécies. Uns passam a viagem a preparar-se para o desembarque no porto do seu destino e desprezam as festas de bordo, o simples prazer de viajar. Outros não sabem do seu destino, não têm nenhuma esperança no porto de chegada e procuram passar da melhor maneira possível a travessia..."

"A vida começa todos os dias"

"Não tenho nenhuma prevenção contra os ricos, seria tola se tivesse. Há os que sabem empregar humanamente sua riqueza. Elogiar a pobreza seria também doentio. O mundo foi feito para que todos nele tivessem um lugar decente. (Mas há os que) vivem às cegas, só pensam em dinheiro, esquecidos de que são mortais e de que existem o sol, os campos e as cigarras. O ideal seria um mundo em que as cigarras(que só cantam no verão) e as formigas(que só trabalham para garantir o inverno) vivessem em harmonia inteligente.."

* * * * *

"Olhai os Lírios os Campos" é uma frase do Evangelho dita por Jesus ao falar sobre as preocupações excessivas sobre a vida. "E quanto ao vestuário, por que andas solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam...E eu lhes digo que nem Salomão, em toda sua glória, se vestiu como qualquer deles.." (Mateus 6. 25-34)

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sábado, 11 de maio de 2024

Olhar o Tempo - 3

 




PARE!!! 

Olá, se estiver chegando por aqui agora,

esta é a terceira e última parte desse conto.

Leia as primeiras partes abaixo para se inteirar

do que está acontecendo no tempo...


Parte 1: Aqui 

Parte 2: Aqui


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O TEMPO

Dez anos desde o encontro na biblioteca. Agora eles tinham uma filha, Giovana. Linda menina,  tinha os olhos de Dora. Quatro anos.  Num segundo ele estava em uma livraria tentando tomar uma decisão importante, dois anos depois, se casando. Percebeu  o olhar dela em sua direção. Percebeu seu desvio de olhar. O tempo de meio segundo. Um minuto depois ela estava sentada ao seu lado. Aquela mesma Dora que ele admirava de longe na faculdade. Se ele imaginasse  que ela o achava atraente pelo ar de mistério que ele carregava... Ele se retraiu um pouco com a impulsividade da moça. Oi, achei que você estava tendo algum ataque de paralisia. Você estava tão estático olhando para o teto da livraria...você está bem?

 E agora já se foram dez anos. A filha crescia em um ritmo alucinado. Mamãe já passei da marca que você fez mês passado! Mas você está crescendo muito rápido, meu amor!  Na livraria, falaram sobre o tempo. Sobre a falta de tempo e sobre contratempos. Um era quase inércia, a outra era quase raio. Se viram em outro dia e outro dia e mais outro, como tinha que ser como cantava Renato. 

Trinta anos desde a livraria, estavam sentados na varanda de casa. Uma noite tépida  de outono. Giovana mandara avisar que chegaria na segunda e que Rodrigo estava louco para rever os avós! Que bom, o neto era a alegria daqueles tempos que antecedia  artroses e artrites.  Há trinta anos naquela livraria, o magnetismo contagiante de Dora tinha laçado de forma indelével o coração de Francisco. Depois de algum tempo juntos, se via mais confiante, mais decidido, menos dado a depressões e elucubrações pelo sentido da vida. Ela tinha lhe dado uma dose forte de imanência que acabou por equilibrar sua fugaz transcendência. O sentido da vida está na própria vida! Tempos de descobertas.

Cinquenta  anos desde a livraria,  Rodrigo cursava medicina, tal qual a vó. Sentado em sua poltrona, quieto,  Francisco se viu outra vez naquela livraria. ..Tinha ido  pensar, folhear livros e resolver uma questão existencial. O que era ele no mundo, no tempo? Naquele dia estava profundamente deprimido. Via-se  com vinte e três anos e sem perspectivas para o tempo futuro. Agora, aos setenta e três anos, olhava o tempo passado com Dora e tal qual Deus na criação, viu que era bom. 

Ela nunca soube. Por quê tinha escondido aquilo?  Ela deveria  saber que naquele dia, naquela livraria, a decisão que ele tinha que tomar era de interromper seu tempo neste mundo? A vida lhe parecia tal banal, tão sem sentido. Uma bobagem. Era isso, a vida era uma bobagem. O raio que lhe aqueceu o coração chamado Dora mudou seus planos.   Mudou seu tempo. A mesma Dora que tinha terminado com um namorado que vivia em matafísicas apaixonou-se por um homem trágico. Ele! Por quê? O mundo é tão misterioso... Afinal, a partir de Dora, o mundo e o tempo já não lhes pareciam tão banais. Misterioso sim, banal, não.  Com Dora, depois de tanto tempo, a vida já não era uma bobagem.

FIM. 






terça-feira, 7 de maio de 2024

OLHAR O TEMPO - 2

 



Olá, se chegou aqui agora,

leia antes a primeira parte desse conto 

Aqui 



FRANCISCO

 Dora não tinha tempo para ficar olhando o tempo. Vida corrida. Fazia o que tinha que fazer. Pragmática.  Não deixe para amanhã o que se pode fazer hoje era um dos seus lemas.  Tinha várias boas amigas e gostava de festa, de dançar, de rock e de Assis. Capitu era sua personagem predileta. Qual mistério ainda guarda Capitu...?  Terceiro semestre da faculdade de Medicina. Queria ser médica desde criança quando ficava brincando de clinicar com as bonecas...tá com tosse, toma xarope... machucou o dedão, tem que fazer curativo...toma um remédio para dor de cabeça...A mãe ria e dizia Não tem jeito, vai ser médica.

Teve um namorado metido a filósofo. Gostava dos metafísicos que Dora não chegava nem perto. Dora era uma existencialista. Existência vinha antes da essência e esta era construída na vida, no labor contínuo da caminhada e das experiências. Mandou o namorado passear mas que cara mais chato! Era um sábado e resolveu visitar a maior livraria da cidade. Queria comprar uma biografia de Sartre que vira resenhada em uma revista. Não quis comprar "em um click" como sugeria a Amazon, iria aproveitar o dia passeando e se desligar um pouco das mitocôndrias, citoesqueletos, lisosomas...

Estava em pé, absorta em folhear alguns exemplares na sessão de biografias quando viu aquele rapaz de óculos, calça jeans velha, não aquelas da "moda" mas realmente velha. Tinha um olhar vago, parecia que encarava o teto da livraria. No colo um livro que ela não conseguiu identificar. Estava sentado em uma das poltronas que decorava a livraria. De repente o olhar de Francisco foi do teto diretamente para o rosto de Dora que desviou o olhar meio sem graça. Será que ele percebeu que eu estava olhando para ele...? 


Continua...

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p.s a foto que ilustra a postagem é a livraria Menina e Moça, que fica em Lisboa, Portugal






sexta-feira, 3 de maio de 2024

OLHAR O TEMPO

 



DORA


Tinha a mania de olhar o mundo, de olhar o tempo enquanto estava sendo conduzido pelo tempo. Desde muito jovem evitava se abrir muito para o mundo. O mundo lhe causava certa apreensão. Não sabia porquê estava no mundo e nem sabia porquê deveria estar no mundo e nem sabia qual sua função no mundo. Um passageiro observador do tempo. Quando jovem gostava dos livros, das revistas e evitava as festas. Tinha poucos amigos mas até estes o viam como um "cara meio esquisito". Havia nele, porém, algo que atraia. Talvez seu rosto contemplativo de quem está sempre "olhando para cima" ou talvez seu falar manso que contrastava com a algazarra vocal dos poucos amigos. Mais velho apaixonou-se por Dora. Dora era como uma estrela, pensava ele. Brilhante, atraente mas distante...muito distante. Não tinha jeito com mulheres mas Dora tinha curiosidade de tecer conversas com aquele rapaz tão diferente que ela conhecera em uma livraria. Era até bonito, pensava ela. Dizem que o acaso não existe,  o que existe é "sincronicidade". E foi em uma dessas tais sincronicidades que a vida do Observador do Tempo mudou totalmente de rumo.

continua. 

Olhai Os Lírios do Campo

  Terminei de ler esse livro do Érico Veríssimo que eu tinha há anos em minha biblioteca e nunca tinha lido. Depois que ele se foi no incên...