Clube de Detetives Pão de Queijo

sexta-feira, 19 de abril de 2024

O Homem Morto Na Cadeira de Rodas (ou A Banalidade da Vida Nas Redes Sociais)

 



Seria um bom tema para um conto macabro: Mulher leva tio idoso morto a uma agência bancária na tentativa de conseguir um empréstimo que  o idoso queria fazer enquanto ainda vivia. Seria uma ótima ideia nas mãos de um bom escritor. Porém,  isso aconteceu mesmo, não é literatura. Todo mundo ficou sabendo do caso macabro. A bem da verdade, a polícia ainda investiga se o idoso morreu antes de chegar ao banco ou se foi levado para lá já morto. Quero dar o benefício da dúvida à mulher e crer que a primeira hipótese seja a verdadeira. 

Não, não vou escrever um conto sobre o caso mas quero refletir sucintamente sobre como a vida nos tornou banal. A filósofa judia Hanna Arendt , uma grande pensadora do século XX que teve que fugir da Alemanha por causa do nazismo, conseguiu a cidadania americana e  se tornou professora universitária,  escreveu um livro marcante sobre o tema:  "A Origem do Totalitarismo" , onde buscou analisar as origens do nazismo e de governos autoritários. 

Karl Adolf Eichmann foi um oficial nazista responsável pela deportação de milhares de judeus alemães. Eichmann foi um dos principais colaboradores de Hitler, responsável pela morte de inúmeros judeus e fugiu para a Argentina depois que a Alemanha perdeu a guerra. Enfim capturado, foi julgado e sentenciado à morte em Jerusalém. Arendt foi convidada a assistir ao julgamento e escreveu suas impressões sobre Eichmann. 

Arendt chegou à conclusão que o mal que Eichamann praticava não era um "mal demoníaco", pelo contrário, era um mal constante, fazia parte do seu trabalho. Eichamann nunca se considerou culpado, defendeu-se dizendo que apenas cumpria ordens, seguindo a lei do Estado vigente à época. A ausência de uma reflexão ética do nazista de que apenas cumpria a lei sem se importar com o bem coletivo, Adrendt chamou de a "banalização do mal". 

Voltando ao nosso caso do idoso morto na cadeira de rodas, o que se viu depois da divulgação das imagens foi uma total falta de ética por parte das redes sociais. Começaram a pipocar memes jocosos com a triste figura do idoso morto e da mulher querendo fazê-lo  assinar um papel. Quem criou tais memes, e nós, que vimos e achamos graça, agimos apenas pelo impulso que as redes nos dá em compartilhar coisas, sejam elas éticas ou não. 

Sou um defensor ferrenho da liberdade de expressão e opinião nas redes. Sou contra qualquer projeto que tente controlar o pensamento das pessoas; sou contra que se instale uma "comissão da verdade" que julgue o que cada um pode ou não postar, mesmo porque, qualquer crime que se cometa  fora das redes, vale também para qualquer crime praticado nas redes. Dito isso, cabe a cada um de nós filtrar o que é relevante ou não, o que é ético ou não. Cabe a cada um de nós não nos rendermos à banalidade do mal. 


4 comentários:

  1. Olá, Edu. Prazer!
    A bizarrice dessa história é tão chocante que acho que nem Stephen King conseguiria alcançar, sei lá. Bizarro eu também acho é o uso sem ética na internet, mas é apenas mais uma vertente da irresponsabilidade de algumas pessoas saindo da vida real e também se mostrando na vida on-line.
    Estou visitando várias crônicas escritas por você e curtindo muito, parabéns!
    Beijo, beijo.
    She

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  2. Oi, Edu.
    Ótimo texto!
    Eu soube do caso, vi vídeos sobre ele, e achei o caso triste. E mais triste ainda é ver gente fazendo memes nas redes socias sobre a situação, aos quais eu só consigo reagir com emoji de tristeza. Eu acho que isso não é caso de achar graça e dar risada: É caso de entender o problema e ter sentimento de compaixão por ambos; tanto pelo homem falecido quanto pela mulher que o levou até ali.
    Bom fim de semana! 💐🎈

    ~Cartas da Gleize. 💌💕

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  3. Gostei muito, muito mesmo, do seu comentário lá no diário que venho escrevendo. Muito obrigada! Oh, vou até seguir o seu blog, viu! Se quiser seguir o meu eu danço de alegria. (meu avatar dança).
    Bom domingo e boa noite.

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  4. Edu,
    Hoje quase nada fica
    escondido. Não sei
    se acredito que o senhor só
    inspirou ou se me mantenho
    cética de que o ser humano não
    tem mesmo jeito.
    Bjins
    CatiahoAlc.

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