Clube de Detetives Pão de Queijo

sábado, 12 de julho de 2025

A Vergonha de Édipo






                                                          

Estou terminando de ler o livro A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera. A história se passa nos anos 60 em uma Checoslováquia governada por uma ditadura comunista. Um dos personagens, Tomas, confrontando o governo e o povo, escreve um artigo onde argumenta que costumamos dar desculpas para não fazermos nada em relação ao arbítrio. Que os comunistas fecharam os olhos para as atrocidades do regime porque o culpado foi Stalin. Que o assassino procura se desculpar pelos seus crimes, dizendo que a culpa foi da família, da mãe, que não lhe deu a devida atenção e amor quando criança. E então ele dá o exemplo de Édipo como alguém que apesar de ser inocente, não deixou de reconhecer o próprio erro. 

                                                                 * * * * * * * * * * * 


Conforme nos conta Sófocles, Édipo era  filho de Laio e Jocasta, rei e rainha da cidade de Tebas. O casal recebe uma profecia do Oráculo de Delfos que dizia respeito ao destino do filho. A profecia trágica era: Édipo matará o próprio pai e se casará com a mãe. Assustados, Laio e Jocasta entregam o filho para um servo para que ele o mate para que a desgraça profética não aconteça.

Porém, o servo fica com pena do garoto e deixa-o pendurado pelo pé em uma árvore. Logo ele é encontrado por um camponês, que o leva para a cidade de Corinto, e lá ele é adotado por Pólibo e Mérope, rei e rainha dessa cidade. Édipo cresce então acreditando ser filho biológico deles.

Passa o tempo...

Anos depois, Édipo vai ao oráculo de Delfos e recebe a mesma profecia que seus pais receberam anos atrás: ele será o responsável por matar o próprio pai e desposar a própria mãe. Para fugir de seu destino, Édipo sai de Corinto e se muda para Tebas, mal sabendo ele que está indo ao encontro da concretização da profecia...

No caminho de Tebas,  ele encontra seu pai, Laio(evidentemente sem saber que era seu verdadeiro pai) e um servo, ambos indo ao oráculo de Delfos, pois Laio estava preocupado com alguns presságios de que a profecia recebida anos antes, estava para se concretizar. 

Acontece uma discussão entre Laio  e Édipo, pois este está atrapalhando seu caminho e acaba lhe agredindo. Édipo fica enfurecido com a agressão e assassina Laio e seu servo. Sem saber, Édipo mata o próprio pai.

O Destino é implacável...

Quando Édipo chega a Tebas, encontra a cidade sendo atacada pela esfinge, um ser monstruoso que apresenta um enigma a todos os viajantes que chegam lá. Os que não sabem a resposta do enigma são mortos por ela. 

Édipo consegue desvendar o enigma da esfinge, e esta, envergonhada, comete suicídio ao lançar-se em um precipício. A população de Tebas fica profundamente grata por Édipo libertar a cidade daquele monstro e em gratidão, oferece a ele o trono da cidade e a mão da viúva rainha Jocasta(sua mãe!) em casamento. Édipo aceita tanto o trono quanto o casamento, tornando-se rei de Tebas e marido de sua própria mãe, tendo com ela quatro filhos, chamados Etéocles, Ismênia, Antígona e Polinices.

Anos depois, uma praga atinge Tebas, e Édipo procura ajuda de adivinhos para conseguir livrar sua cidade desse mal. Um adivinho chamado Tirésias desvenda a verdade a Édipo e conta que este é o responsável pela tragédia que afeta seu reino. (uma história bem parecida com a tragédia bíblica de Jonas).

É quando Édipo e Jocasta entendem o que aconteceu. Jocasta, em profundo desespero, tira a própria vida. Édipo ordena que ela receba um funeral digno, abdica o trono de Tebas e passa a vagar como um mendigo.


A vergonha de Édipo.

Édipo e Jocasta fizeram certo ao se autocondenarem mesmo sendo inocentes, pois todos foram vítimas da roda do Destino?

No livro citado no início, Milan Kundera faz seu personagem Tomas defender a atitude de Édipo, proclamando ao povo tcheco a fazer o mesmo e não impor a outros a culpa pela sua omissão. Mesmo sendo inocente ao cumprir a profecia, Édipo fez o certo em autocondenar-se e não colocar apenas a culpa na profecia. 

Porém, tempos depois, ativistas procuram Tomas para que ele assine um manifesto criticando as prisões arbitrárias que o governo fazia contra intelectuais que criticavam o regime.  Tomas, porém, tinha sido destituído da sua função de médico pelo governo exatamente pelo texto que ele publicara anteriormente onde citava o exemplo de  Édipo.  Tomas agora era apenas um simples limpador de janelas e não quer mais assinar manifestos.

Ele já foi perseguido pelo governo, não podia mais medicar e agora ponderava porque Édipo deveria se autopunir por um crime que cometeu inocentemente? Agora, Tomas diz que fazer isso seria algo bárbaro. Porque ele deveria se por em risco novamente sabendo que poderia ser castigado de uma forma ainda pior?

Mas Tomas não se sente confortável com sua atitude. Ele foi covarde? Ele já não sabe se deveria ou não ter assinado o manifesto. É justo levantar a voz quando se tenta reduzir um homem ao silêncio? SIM. Mas não era exatamente isso que o governo queria? Que ele assinasse para poder puni-lo outra vez? 

E então o autor faz Tomas elucubrar sobre a questão: Será melhor gritar e precipitar o próprio fim, ou calar-se e barganhar uma agonia mais lenta? 

Existirá uma só resposta para essas perguntas?

Édipo foi justo consigo mesmo ou cometeu uma barbárie contra si mesmo? 


* * * *




Um comentário:

  1. Eita Dudualdo, essa postagem está muito boa!
    E a resposta é: A pessoa não deve jusrificar seus erros pelas atitudes de outras pessoas desque que não seja a gente.
    Kkkkkkkkkkkkkkk.
    Tô brincando.
    Sabe, no caso do Édipo o assunto é complicado, porque tanto os pais, quanto ele, tentaram contornar a profecia e fazer a coisa certa, mas não deu.
    Mas vou dar um exemplo aqui, que pode dar pano pra manga.
    Mas tem muita gente que não cresce na vida, dizendo que a culpa é porque seus bisavós eram escravos, ou porque seus país eram analfabetos, ou porque sua mãe era alcoólatra, ou porque foi criado na favela e por aí vai.
    E a pessoa não assume que a culpa do seu fracasso é dele mesmo.
    Essa questão é muito complicada.
    Porque alguns vão falar que eu ainda não tenho amor ao próximo ou sensibilidade social.

    Problema!!!!

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