QUEM ME CONTOU disse que foi assim:
Na estação, o trem para e um idoso entra pela porta à sua frente. Por acaso era o vagão feminino. O vagão estava cheio. De mulheres, visto ser um vagão feminino...(não me diga!). Criaram tal vagão para proteger a honra das mulheres que eram constantemente assediadas por homens machistas com síndrome de Don Juan. Mas acho que a lei precisa ser atualizada, visto o aumento exponencial de mulheres que assediam mulheres...
Ele foi entrando, se esgueirando, empurrando as mulheres em busca de um lugarzinho pra ficar. Não havia lugarzinho algum e até ficar em pé no meio de tanta mulher foi difícil. Algumas foram condescendentes, outras, nem tanto.
- Meu senhor, isto aqui é um vagão feminino, não viu a placa não?
- Minha filha, a porta que abriu mais perto de mim eu entrei, tô atrasado para minha consulta!
Algumas mostraram-se preocupadas com a idade avançada do senhor.
- Senhor, precisa se segurar pra não cair....
- Mas como é que eu vou cair se não consigo nem me mexer, minha filha?
De fato, o idoso tinha estacionado no meio de duas mulheres com alto teor de gordura corporal.
Outra, do grupo das preocupadas:
- Mas senhor, não tem ninguém que possa te levar de carro pra consulta não? Quantos anos o senhor tem?
- Vou fazer 89 semana que vem, minha filha. Tenho consulta hoje, não posso faltar!
- Sim, mas ninguém poderia lhe acompanhar?
- Marquei a consulta há três meses e ainda tô atrasado. Vou ficar aqui quietinho, pode deixar.
Outra, da turma legalista argumentou:
- Mas o senhor tinha que entrar em outro vagão, não neste...
E aí começou uma pequena discussão entre condescendentes e legalistas. O idoso se viu objeto daquela discussão e só repetia:
- Tenho consulta, tô atrasado. Faço 89 semana que vem! Não vou assediar ninguém. Já faz uns 30 anos que não assedio ninguém...fiquem despreocupadas, minhas filhas.
Uma legalista com cabelo pintado de azul:
- Então quer dizer que o senhor era assediador quando era mais novo...?
Não se sabe se foi a agitação, o aperto ou a pressão arterial, o idoso começou a dizer que estava passando mal.
- Ai, que tô suando frio...ai, minha filha, tô passando mal...tenho consulta...tá marcado....tô atrasado....
Se tivesse espaço, o idoso cairia no chão, mas pendeu o pescoço de lado, fechou os olhos e desmaiou ali mesmo, no meio das duas Avantajadas.
Preocupação geral. Até das legalistas.
- Olha, acode o vovô, ele tá desmaiado!
- Gente, alguém assopra aí a cara dele, deve estar sem ar.
- Mas o ar-condicionado tá ligado.
De uma forma ou de outra, conseguiram colocar o vovô sentado.
Apareceu uma garrafinha de água.
- Dá pra ele beber!
- Como ele vai beber se tá desmaiado?
- Joga na cara dele que ele acorda.
- Cuidado que ele pode se assustar e ter um infarto.
- Mas depois que ele acordar tem que ir pro vagão certo.
- Não seja tão insensível.
- Lei é lei. Temos que ter todo o cuidado com essa raça de homens mesmo velho, mas que já foi assediador...
- Tu não está exagerando, não?
- Gente, dá água pro vovó!
** * * * * *
Quando o vovô abriu os olhos o trem estava parado com as portas abertas e um funcionário da estação tentava retirá-lo do vagão para lhe prestar atendimento.
O vovó protestou.
- Me deixa aqui, me deixa aqui! Já estou bem, já estou bem! Foi só a pressão que caiu. Não quero sair não, manda o trem andar, tenho consulta, tenho consulta, tá marco há três meses...!
Até as legalistas não conseguiram segurar o riso e não ter simpatia pelo vovó.
-Deixa o vovô aí, moço, ele já tá bem. Ele tem consulta, tá marcado há 3 meses e ele tá atrasado!
- E semana que vem ele faz 89 anos...
* * *
Só mais uma cena do cotidiano carioca nos trens da Supervia.
Bacana sua crônica! Eu nem me lembrava do vagão destinado às mulheres, mas acho graça da posição das "legalistas" que automatizam o cumprimento da regras. Por não me lembrar desse vagão exclusivo, dei uma rápida olhada na internet e descobri que em BH o metrô tem (ou tinha) um vagão assim. E a reação de alguns movimentos sociais e feministas foi criticar a medida por considerá-la "uma forma de segregação, que não resolve a questão do assédio, mas apenas desloca o problema". É muito difícil conviver com radicais e fundamentalistas!
ResponderExcluirNão sabem o que querem...rs
ExcluirNoooooossa, tu escreves de modo a nos prender até o final, aguardando os acontecimentos com curiosidade!
ResponderExcluirTantas cenas devem acontecer nos trens.Essa do vovô foi ótima e rendeu ótima crônica! abraços, chuca
Oi Edu, adorei a história. Tranquilamente uma cena que poderia acontecer num dia qualquer em uma cidade qualquer. Gosto de escritas fluidas como a sua.
ResponderExcluirAté breve;
Helaina (Escritora || Blogueira)
https://hipercriativa.blogspot.com (Livros, filmes e séries)
https://universo-invisivel.blogspot.com (Contos, crônicas e afins)
Uma história interessante... E há milhares de histórias a acontecerem neste momento nos autocarros, nos metros...que nos fazem rir e até chorar por vezes...
ResponderExcluirBeijos e abraços
Marta
Eduardo, eu ri, me enterneci e no final quase quis adotar o vovô! Que personagem maravilhoso ou melhor, que retrato perfeito do cotidiano absurdo que só a vida real oferece. A cena no vagão feminino, com
ResponderExcluircondescendentes e legalistas debatendo enquanto o vovô desmaia espremido entre duas Avantajadas, é puro teatro do cotidiano tragicômico, terno e hilário. E esse desfecho então…
“Ele tem consulta, tá marcada há três meses!” virou grito de guerra.
Você tem um talento raro pra transformar a queda urbana em poesia cômica. Amei demais!
Abraço com risos,
Fernanda
Que ternura este relato sobre o avô e o trem! 🚂 A forma como retratas o encontro entre gerações é tão carinhosa que deu-me vontade de ter assistido pessoalmente. 😊
ResponderExcluir💜 Desejo-te uma excelente semana!
Com carinho,
Daniela Silva
🔗 https://alma-leveblog.blogspot.com
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Boa noite, amigo Edu.
ResponderExcluirInteressante crónica aqui nos trazes.
Gostei de ler.
Votos de uma boa semana.
Abraço de amizade.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
https://soltaastuaspalavras.blogspot.com
Meu amigo, gostei da história. Muito bem contada. Não parei de ler e queria saber mais. Se o avô conseguiu a consulta, se gostou de estar entre tantas mulheres... Não sabia que havia nos comboios vagões só para mulheres . Coisas do passado, não?
ResponderExcluirUma boa semana.
Um beijo.
Aqui no Rio tem desde 2006.
ExcluirUm conto prodigioso, porque é ficção (não procura contar a verdade) e muito bem contado.
ResponderExcluirE digo eu no meu poema de hoje:
Se a construção mente,
ela também nos brinda com a verdade,
que não existe,
através do embuste da ficção.
Os meus aplausos.
Boa semana.
Um abraço.
Fabuloso! O meu elogio pelo belo texto!
ResponderExcluirBjxxx,
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Olá grande Eduardo!
ResponderExcluirAdoro, adoro, adoro ler os seus textos! Acabo sempre por me rir com a maioria das coisas que você escreve. É fantástico ahahaha, acho-lhe imensa piada! 😀
Gostei de ficar a conhecer a história! ehehe
Abraços! 🤗
Muito boa a estória. Vivam os velhinhos.
ResponderExcluirBoa semana!
O JOVEM JORNALISTA está no ar cheio de posts novos e novidades! Não deixe de conferir!
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Até mais, Emerson Garcia
Olá!
ResponderExcluirQuantas e quantas histórias podem surgir, seja no trem, ônibus ou metrô.
Como escreveu:
"Só mais uma cena do cotidiano carioca nos trens da Supervia."
Boa semana.
Que engraçado :)
ResponderExcluirCláudia - eutambemtenhoumblog
Imagino quantas histórias boas essa Supervia tem como pano de fundo das crónicas cariocas. É um amontoado de gente dia sim outro também e o vagão das mulheres resolve em parte os problemas ... rsrs e o vovô não é nada bobo ou melhor se fez de bobo ... Sempre uma bom texto., Edu . Deixo abraços.
ResponderExcluirOlá, Eduardo
ResponderExcluirUma crónica muito interessante.
Um vagão só para mulheres é novidade
para mim.
A história do vovô com consulta a que não
pode faltar, se muda de vagão pode perder
a consulta, e o que não se deve ter divertido
com a discussão das duas frentes de batalha.
Um texto excelente do quotidiano.
Abraço
Olinda
Por pouco. muito pouco mesmo, não perco essa viagem. Acompanho de longe a partir do seu ponto de vista, ou melhor do ponto de vista que lhe contaram. Como quem conta um conto aumenta um ponto, brincadeira, sei o quanto você fiel aos fatos. Acho que o velhinho era esperto, ele queria ficar ali no bando de saia. Quem conhece o velho Rio de Janeiro, sabe que tudo rende uma boa crônica, sobretudo nas mãos de quem tem verve para instigar o leitor, como você o fez tão bem.
ResponderExcluirUm abraço, Eduardo!
pode pois é um vagão para mulheresMas acompanhei
Ótima esta crônica Eduardo! Obrigada por trazê-la aqui. Me faz refletir sobre o que falamos, quando falamos e em que situação falamos. Às vezes as pessoas perdem a mão do bom senso. Espero que o velhinho tenha conseguido chegar na consulta!
ResponderExcluirUm grande abraço!
Que crônica maravilhosa, retratando o dia a dia em um vagão de trem feminino. Na verdade eu fiquei receosa pelo vovô, que não teve um momento de paz. Conheço bem os legalistas e não são flor que se cheire...hehehe Eles deixam qualquer um fora de si quando se dizem donas da razão e não pouparam nem o vovozinho que saiu só para a sua consulta..
ResponderExcluirParabéns Edu, tem talento de sobra!!!
Maravilhosa semana!!!
Edu,
ResponderExcluirAdorei a publicação.
Gosto de texto assim agitado
e pontuado com um pouco
de cada representação.dessa
nossa tão fragmentada sociedade
e as posturas tão desconexas
pra não dizer sem noção.
Amei o compromisso do Vô.
Aproveito para deixar minha
posição de quem DETESTA
essa coisa de separação
seja lá do que seja.
Ah mas você não anda de ònibus
e trem. Quem disse que não!
E nunca passei por coisas chatas.
Mas sempre prestei atenção
ao meu redor.
òtima publicação.
Bjins
CatiahôAlc.
Dudualdo, como as coisas estão malucas no mundo né?
ResponderExcluirCara, eu conheço cada vez mais gente que está alucinado, apontando o dedo para os outros.
Cada vez mais pessoas se relacionando de qualquer jeito.
Cada vez mais pessoas "flex", que topam tudo na calada da noite.
O mundo está muito louco!
Eles conseguiram.
As famílias estão com os dias contados.
Legalistas para tudo o que existe.
Mas tudo conforme a visão deturpada que lhes ensinaram.
Um abraço, jovem!!!
kkkkkkkk, eu fiquei nervosa com essa história do vovô com hora marcada! Deu vontade de dar um sopapo na mulherzinha feminista que queria tirar o vovô de qualquer jeito!
ResponderExcluirPoxa, Edu... kkkkk
Muito divertida essa crônica, mas deu raiva na hora ali...
Uma ótima quinta - feira!
Saio sorrindo!
Olá Edu
ResponderExcluirPobre vovô
Acabou perdendo a consulta...rs
Você escreve muito bem.
Um grande abraço
Verena
Kkkkk...eu fiquei com pena do vovô, mesmo passando mal ele só pensava na consulta marcada há 3 meses. Deve ser num posto de saúde daqueles que tem de chegar de madrugada para conseguir uma ficha. Tomara que não tenha perdido a consulta. Um abraço!
ResponderExcluirEsse vagão está parecendo um octógono de MMA feminino! rsrsrsrs
ResponderExcluirNova tirinha publicada. 😺
Abraços 🐾 Garfield Tirinhas.
Olá amigo,
ResponderExcluirBem divertido a sua crônica. Fiquei solidaria ao vovó, pois quem espera três meses de consulta não quer perde-la de jeito nenhum. O Rio de janeiro nos proporciona essas cenas engraçadas e as vezes nem tão divertida assim.
Te deixo um beijo
Edu, meu amigo, essa crônica é tão carioca que veio com suor, buzina, pressão baixa e a tradicional divisão filosófico-existencial entre “condescendentes” e “legalistas”, com direito a cabelo azul como critério de identidade política. Confesso que, no meio da leitura, eu já estava quase gritando: “DÁ ÁGUA PRO VOVÔ, PELO AMOR DE DEUS!”
ResponderExcluirE olha só, coincidência ou carma bem-humorado do universo: no dia 05/07 foi meu aniversário — e ganhei essa pérola de presente em forma de crônica! Dizem por aí que quem me contou foi assim mesmo... e se não foi, devia ter sido, porque tem tudo o que um bom presente de aniversário precisa: caos, humanidade, ironia, e um vovô quase desmaiando entre duas “avantajadas”.
Sério, Edu, obrigado por transformar um episódio tão tipicamente nosso em algo tão hilário quanto comovente. E um viva ao vovô: guerreiro urbano, sobrevivente de apertos e cronista acidental de um país onde até pegar o trem vira novela premiada.
Ah, e já que ele faz 89 semana que vem, alguém manda um bolinho pra ele, tá? E uma consulta adiantada também.
Abração camarada !
Daniel
https://gagopoetico.blogspot.com/2025/07/silencios-de-inverno.html
Coitado do vovô! Mas o mundo e a humanidade mudou drasticamente e hoje está um assombro o comportamento! Ao seu relato, o que lhe contaram, pareceu-me que as pessoas se encontram bem caóticas naquele momento que acabou passando mal e a bondade surge para acudi-lo. Casei-me em Copacabana, Edu e naquele tempo, os cariocas eram super acolhedores e afáveis, mas andar de ônibus por lá, era um horror! Ainda bem que as embaixadas mudaram para Brasília e meu marido, funcionário da Embaixada da Alemanha, tivemos que nos mudar, óbvio, pra lá! Que alívio! Isso é uma outra história, mas meu elo com o Rio não acabou! Abraço amigo, Eduardo!
ResponderExcluirOlá, Eduardo!
ResponderExcluirPensar que há 50.anos eu andava de trem saindo da faculdade (zona Sul) para trabalhar na zona Oeste do RJ. Eram outros tempos...
Deus me livre de andar de trem por aí hoje em dia. Só mesmo em vagas especial turístico em outros Estados.
Vejo como uma crônica c critica social nítida, mesmo com humor.
Tenha dias abençoados!
Abraços fraternos de paz