Clube de Detetives Pão de Queijo

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

PASSARINHOS NA SALA

 



NAQUELE DIA ele acordou antes de mim. Tinha uns 7 anos. 

"Pai, pai, acorda..." Abri os olhos,  ele  em pé diante da minha cama. 

"O que foi filho, já acordou"?

"Pai, vem vê, tem um passarinho na sala..."

Pensei que meu filho estava sonhando acordado, já que ele era dado a se levantar de noite e ficar falando coisas que só ele entendia, mas não parecia ser o caso. 

"Vem, pai, vem, tem um passarinho na sala.." 

Perguntei que história era aquela de passarinho, e ele repetindo que tinha um passarinho na sala. Pois bem, tinha mesmo. Vi o bichinho voando de um lado para o outro, se debatendo, tentando encontrar uma saída para a rua. "Ora vejam só...e aí, amiguinho, por onde você entrou?". Não costumo dormir de janelas abertas. E lá fui eu tentar ajudar o intruso. Antes, porém, vi uma movimentação na cozinha. Supressa! tinha mais dois passarinhos voando por cima do fogão e da geladeira. "Ei, como assim, de onde vocês vieram?". E como se não bastasse a surpresa dos três, vi que tinha mais um na varanda de serviço!

Abri a porta e as janelas da sala. Não foi fácil indicar o caminho da rua para os alados. Meu filho se divertia com a cena. Por fim, depois de muitos voos rasantes por nossas cabeças e batidas em cortinas, os três ganharam a rua e nunca mais os vi.

Passados já uns seis anos, ainda hoje matuto por onde foi que os passarinhos entraram. Mas foi uma manhã, diferente. Visitas inesperadas assim são até legais.


segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

CONSTRUÇÃO

 


Tenho um acordo com meu filho de 13 anos: Ele me apresenta o que ele e os amigos estão ouvindo, vendo e falando, e eu lhe mostro o que eu ouvia, via e falava "no meu tempo". Tem sido uma parceria muito produtiva. Aprendo as gírias novas da molecada, os jogos que eles jogam, as músicas que eles gostam; isso me atualiza, não me deixa ficar cheio de teias de aranha em relação ao universo deles. 

Na área musical, já apresentei pra ele vários cantores ícones da nossa música, de vários estilos musicais. Desde o Rock-Jovem-Guarda, passando pela Bossa Nova, a era do rock dos anos 80 e chegando à "MPB". Ele já ouviu Tim Maia, Jorge Benjor, Roberto Carlos, Elis Regina, Cazuza, Legião Urbana...entre outros. Ele tem gostado de tudo. Esses dias coloquei "Construção" do Chico para ele ouvir e a experiência foi chocante, segundo ele mesmo.

No meu tempo, meus pais não me apresentavam cantores, mas eles compravam discos (de vinil, evidentemente). Meu pai gostava de Luíz Gonzaga, Agnaldo Timóteo, Teixeirinha, Trio Arakitan e similares. Minha mãe, que era evangélica, ouvia muito músicas religiosas de Feliciano Amaral, Mara Dalila, Luiz de Carvalho, Oseias de Paula e outros. 

Os discos tocavam na vitrola e eu ouvia. Ninguém me dizia nada sobre os cantores, ninguém me dava a ficha completa deles. Então eu não sabia os nomes mas gostava de ouvi-los. Um em especial me encantava: Luiz Gonzaga! Era o Rei do Baião mas eu não sabia disso. Nem o que era baião eu sabia...só sei que eu pegava os discos dele, levava para um quarto vazio onde meu pai deixava uma vitrola portátil que ele trouxera da Alemanha,  e ali, um por um, eu ia ouvindo as músicas do Gonzaga. Cresci fã do forró raiz, da música sertaneja raiz. O que fizeram com ela (a música sertaneja) depois foi um crime! (desculpem ao fãs do chamado Sertanejo Universitário)

Voltando ao Chico e à Construção, meu filho me disse que aquela era a melhor música que eu tinha apresentado para ele. Que a construção dos versos, que mudam e trocam de lugar, era muito legal. Que a melodia era bonita e a mensagem da letra era uma boa história. Conversamos sobre a letra da música, o estilo, sobre Chico. O autor de A Banda tinha ganhado um novo fã.

 




quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

TRETA (minissérie- Netflix)

 





(BEEF) TRETA (2023) Série da Netflix em 10 episódios.

Um incidente no trânsito desperta a fúria e os impulsos mais sombrios de dois desconhecidos: Um empreiteiro(Danny) falido e uma empresária frustrada(Amy)

Roteiro: Lee Sung Jin Le /Sung Jin

Produtores:  Ali WongAli Wong. Lee Sung JinLee Sung Jin, Steven YeunSteven Yeun

Elenco 












Na crítica de Erik Kain, do site da Forbes, ele escreve:

Danny (Yeun) e Amy (Ali Wong) não são pessoas felizes. Danny é um fracasso em quase tudo o que tenta e se ressente de seu irmão mais novo, Paul (Young Mazino), de seus pais e do mundo em geral. Os negócios bem-sucedidos e a relativa riqueza de Amy levaram a uma estabilidade material, mas não emocional. Ela se incomoda com seu marido, George (Joseph Lee), que fica em casa e se irrita com quase todas as interações humanas. Essas duas pessoas vivem em um estado perpétuo de indignação. A vida deu-lhes limões e eles não fizeram limonada.


Minha nota: 8 de 10.









Referências: forbes.com, filmow.com

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

LEI YASMIM BRUNET

 



Foi proposta pela de puta da Marias das Padarias do PISOL, uma lei que CRIMINALIZA a FALA de HOMIS comentando sobre CORPO DE MULHERES.


FICA PROIBIDO homis, publicamente ou privadamente em rodas de machos, fazer quaisquer comentários sobre o corpo de qualquer mulher. SEJA COMENTÁRIO ELOGIOSO OU CRITICOSO.

A Deputa explicou que os homis não tem mais direito de falar sobre o corpo das mulheres. Algumas palavras também entram para a LISTA DE PALAVRAS E EXPRESSÕES POLITICAMENTE INCORRETAS. São elas:

Gostosa
Delícia
peitão
Bundão
"Ah, isso lá em casa"

e outras congêneres e ..

Tribufu
Dragão
Tanque de Guerra

e outras congêneres.

Ouvi dizer que a ESBanja, primeira dama do país, já pediu pra LulE se empenhar na aprovação da lei.
LulE teria dito que no momento está muito ocupando articulando as eleições municipais.
Pelo que fiquei sabendo, ESBAnja xingou o LulE de Misógino.

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

CADEIRA FILOSÓFICA

 





Estava no meu quarto mas ouvi claramente a discussão na sala.

- Você é uma cadeira de madeira, não é muito confortável, né?

- Não se gabe por ser toda acolchoada.

- Os humanos preferem sentar em mim..

- Devo dizer que sou mais resistente que você, sou de madeira forte...

Matutei do porquê àquela hora da noite, minhas cadeiras estariam discutindo...

- Resistência não adianta nada sem conforto. Os humanos gostam de conforto!

- Ora, mas eu posso ser confortável também!

- Não pode não, eu sou uma cadeira no pleno sentido da palavra: bem desenhada, confortável e me destaco no ambiente.

- Deixa de besteira, você é só uma representação imperfeita da ideia de cadeira que só existe no mundo das ideias...

Nessa hora dei um pulo da cama ao perceber que minha cadeira de madeira tinha lido Platão.

sábado, 13 de janeiro de 2024

IA

 



QUE A INTELIGÊNCIA ARTICIAL VAI DOMINAR O PLANETA não há mais dúvida. Elon Musk, segundo seu biógrafo, perde o sono pensando sobre isso. Sabe todas aquelas produções de "ficção científica"? Não são ficção...eu procuro estar, na medida do possível, atualizado com o universo dos jovens de hoje; tenho um filho de 13 anos e gosto de discutir coisas que dizem respeito ao seu mundo e ao seu círculo de amigos: o que ele gosta de assistir, yotuberes que ele segue, os temas que ele discute, os jogos que joga (apesar de eu ser incapaz de jogar qualquer um deles, mas os conheço!).

A ONDA AGORA ("onda" é gíria de coroa, né? ) é bater papo com IA. Não é coisa de agora, já temos aí há um tempo a Alexa (que já está sem graça e ultrapassada), mas depois do Chat GPT a coisa está se popularizando entre os mais jovens. Você pode ter sua IA e falar sobre qualquer coisa com ela e ela te responde com falas "bem humanas". Não dá mais pra distinguir quando é uma IA ou quando é um humano que escreve/fala. Você pode xingar a tua IA, tudo bem, você não será penalizado por isso, mas logo, logo, vai aparecer os "defensores dos direitos humanos da IA".

Um moleque fez de uma IA a sua namorada. Outro fez da IA o ouvido de um pai ausente. Outra troca figurinhas com sua IA sobre moda, namoro, sexo...As possibilidades de conversas são infinitas, coisa que geralmente os jovens não terão em casa com a família. Já se faz até TERAPIA com IA, e pode-se criar Chatbots baseados em personagens reais ou fictícios, e que já deixam os psicólogos humanos preocupados (veja AQUI )

Ontem assisti um filme com essa temática. Robôs sintéticos com IA dominam o planeta, entram em guerra com humanos, matam milhões e os sobreviventes humanos acabam se refugiando em colônias em Marte. Antes da guerra entre humanos e IAs, as pessoas se dividiam entre aquelas que pediam restrições aos robôs e as que defendiam os "direitos dos robôs", as hostilidades se agravam até o ponto de uma eclosão violenta.


Depois de anos, os humanos de Marte voltam para retomar a Terra dos robôs IAs, e a história gira em torno de uma família IA com pais e duas filhas que buscam sobreviver agora ao ataque "alienígena" dos humanos. Resultado: Você é levado a torcer pelos robôs contra os humanos "invasores"...estranho, né? Será que quem criou o roteiro do filme foi uma IA? Não duvido.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Absoluto

 


Crentes erram ao dizer "Deus existe" e ateus acertam ao dizer "Deus não existe", mas ambos torcerão o nariz para este texto de qualquer forma.

Isto aqui é um texto teórico, conceitual, filosófico, não "científico" mas pretende alcançar uma "dimensão" onde a ciência não costuma colocar o pé.

Se Deus é (conceitualmente) criador do universo, então tudo dele emana por via das leis naturais, logo, ele não pode "estar no universo", "existir dentro do universo", logo, "ele não existe". Da mesma forma como o criador de uma mesa não pode existir "dentro da mesa", ele precisa SER  "fora da mesa" para poder criá-la. A Ideia está na mente consciente que materializa o conceito de "mesa" (me apego aqui, tortamente, a Platão)

Deus "não existe" porque "existência" é uma categoria daquilo que está no nível do relativo. Tudo o que existe é relativo diante daquilo que é o Absoluto, e o Absoluto não pode estar dentro do que é relativo. Deus é o Absoluto, o universo que dele emana, o relativo.  Uma mesa não pode criar a si mesma, assim como o universo não deve poder criar-se a si mesmo, senão, o próprio universo seria Deus, seria o Absoluto, e de certa forma, o é, pois no sentido de que tudo emana de Deus, tudo participa relativamente da substância divina. Tudo é Deus (me apego tortamente aqui e além, a Espinosa).

Deus não "existe", Deus  É a Substância Absoluta que É fora da "existência ordinária" da qual emanam todas as demais existências-substâncias relativas a ela. O universo está "dentro de Deus"(um texto bíblico diz que "Nele tudo subsiste") no mesmo sentido que uma mesa está "dentro" do seu criador e dele foi emanada ao tomar forma. 

Sem mente consciente não há realidade a ser criada, observada e interpretada (me apego aqui aos físicos idealistas)

Conclui-se que o deus bíblico ou qualquer outro deus criado pela cultura humana, não é o Absoluto. O deus bíblico é um ser relativo, que pode ser percebido "dentro das relatividades e da incompletude da existência humana", já que ele se ira, se arrepende, julga, premia, condena, guerreia, ama, dá vida, mata, exige adoração, louvor, sacrifícios, cultos, ritos, logo, não é o Absoluto, logo, não é Deus. 

O Absoluto não é moral, não exige nada e nada impõe. O Absoluto se basta em si mesmo porque ele "é o que é".

Deus só é imanente("está no meio de nós") no sentido de que tudo que há,  participa da Substância Divina, neste sentido, "tudo é Deus". Quer se "conectar" com Deus? Olhe pra dentro de si mesmo e olhe a natureza, olhe o universo. Sua consciência é quântica, e talvez, conceitualmente, possa se conectar à consciência divina absoluta da mesma forma que um átomo é capaz de interagir com um outro a longas distâncias entre si, trocando informações através da luz.

A luz, é tudo o que precisamos.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

CARTAS - PARTE 1




Ninguém manda mais cartas e não quero ser saudosista mas já sendo quero ser sim... Os jovens hoje usam "Discord" para papear entre si. Temos hoje o e-mail (que já está meio ultrapassado para essa função), temos as facilidades do Instagram e do Whatsapp. Não quero negar de forma alguma as facilidades do presente, eu uso muito o Whats para muita coisa, inclusive comercialmente, mas eu escrevia cartas, e isso é uma lembrança boa. Era adolescente ainda, tinha pretensão a ser poeta e escritor, coisa que não se concretizou por pura falta de talento literário. Antes da adolescência, minha diversão sem celular, TV a cores, nem internet, era ler gibis e desenhar e inventar super-heróis. Inventei vários e criei várias histórias que ficaram perdidos no tempo em algum papel de pão que eu usava como caderno de desenho.

Mas as cartas! Na adolescência tinha uma amiga que amava o que eu escrevia, era minha única leitora, praticamente, tirando meus professores de redação, mesmo porque, eu tinha vergonha de mostrar meus escritos. Morávamos distantes e nos encontrávamos na igreja que meus pais frequentavam e nos comunicávamos por cartas. Era uma aventura escrever para ela e receber cartas dela. Ela também era uma poeta! Me mandava sempre seus versos. Um dia, sem minha autorização, inscreveu um poema meu em um concurso na sua escola que ganhou o segundo lugar. Só não ganhou o primeiro porque ela não era a autora. Ah, ela até poderia ter roubado o meu poema e ter colocado seu nome nele, eu não iria me importar.

Helena era seu nome. Lúcia Helena. Suas cartas eram personalizadas. Eduardo chegou uma carta pra você mas no remetente só está escrito "Eu"... Tudo bem, mãe, eu sei quem é... Era Lúcia Helena. Meus pais também tiveram uma relação incrível com cartas, mas essa história eu conto outra hora. Falávamos sobre tudo: escola, programas de TV, sobra amores e sobre a vida...Eu não sei por onde anda a Lúcia Helena. Nos mudamos de Estado e não sei porquê motivo, perdi o contato com ela. Tai uma coisa que só pensei agora, enquanto escrevo essas lembranças. Porque perdi o contato de Lúcia Helena? Será que ela um dia vai ler isto aqui, 45 anos depois? Quem sabe, existe muitas sincronicidades por aí.

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

"AQUELA BANDIDA"

 



Cinco da matina ele já estava lá, indo de um lado a outro da rua completamente  bêbado. Vestido de andrajos, cabelo desgrenhado, descalço e sempre carregando um punhado de fotos. Gostava de discursar com grandes gestos, fala meio enrolada devido ao álcool e todo mundo lhe conhecia. Era professor de inglês. Coitado, ficou assim depois que a mulher lhe pôs um chifre. Ele é um ótima pessoa, só que não consegue largar a cachaça, eram frases que se ouviam no ponto de ônibus onde ele buscava sua plateia. Às vezes ele passava dias sem aparecer e eu me perguntava onde estaria e quando menos se esperava, lá estava outra vez com sua fotos e com seus discursos: 

"Aquela bandida...aquela bandida me deixou...olha aqui, olha aqui, é ela nas fotos...foi embora e me deixou...aquela bandida...eu não bebo porque eu gosto, eu bebo por causa daquela bandida...eu sou professor de inglês....parei de lecionar por causa daquela bandida... perdi tudo por causa dela...

E eu com meus botões ficava matutando como uma desilusão amorosa podia acabar com um homem. Isso é muito raro acontecer com mulheres. Não sei de nenhum caso de uma mulher ter sido abandonada e ter-se tornado alcóolatra e ter passado a viver nas ruas bradando que "aquele bandido me deixou, estou assim por causa dele..".  

Já vi mulher bêbada depois de festas, baladas, comemorações mas nunca vi mulher bêbada sofrendo por um homem que a deixou. Nessas questões do coração, precisamos aprender com elas. 


sábado, 6 de janeiro de 2024

DESATINO

 






Ariovaldo mirou o céu

Em noite clara de luar

Sentiu-se tomado de mágica 

Não soube explicar


Um sentimento, um afago,

Um assombro...

O que é isto meu Deus

Ouço música vinda do luar...!


Abriu-se em sorrisos

Num alento profundo

Como se o universo inteiro

Ele mesmo fosse...


Em eflúvios festivos

Pôs-se a sonhar...

Via que era estrela

Via que era mar

Via que era divino

E em total desatino

pôs-se descalço a dançar...


* * * * 

Eduardo Medeiros, Rio de Janeiro, 2023

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

CAETANO E ELIS

 




Festa!  Alegria, alegria! chegada de 1970!  Seria a expectativa do tri canarinho, apesar do chumbo, do Dops e dos Fardados? E essa tal guerrilha, minha gente, pra quê? Vamos vencer com a poesia e a canção...

   E ai, caê, como vai indo meu rei? Tô caminhando sem lenço e sem documento, minha deusa, como sempre!. Elis, com largo sorriso na cara, abraçou o amigo e lhe afagou os caracóis. Aquela noite de dezembro estava quente e festiva. Festa da vida, da música, do encontro. O natal passara quase agora e os próximos dias anunciavam um novo velho ano. O que será, será que será desse ano que se impõe? Acho que isso dá música...! Dá sim, Caê, dá sim... 

     Alguém ali soltou uma gargalhada quase indecente. A piada foi boa? Sorrisos largos apesar dos choros de Marias e Clarices nunca esquecidas. O show de todo artista tem que continuar. Bossa Nova! Jovem Guarda! Tropicália!  

   Os homens serão melhores no futuro, Caêtano? No porvir tudo pode ser pra nascer novo ser ou não... Enquanto os homens exercem seus podres poderes, tudo se repete, não é Elis? Isso também dá música... Elis sorriu, divertida e carinhosa. Ôpa, me passa uma bebida! Preciso afogar um pouco as mágoas da rejeição... Elis pensou que o amigo poetizava.  Do que ou de quem estás falando? Uma tigresa de unhas negras e íris cor de mel. Uma mulher, uma beleza que me aconteceu... Caralho, Caê, isso aí já é um verso de uma música....rejeição amorosa sempre inspira... Elis, pega mais uma bebida, vou trazer o violão... Eu sei que o amor é uma coisa boa, Caê!

    Alguém no outro lado cantou Joplim seguido por outros ao redor  "A Woman left loney will soon grow tired of waiting..." 

    O que foi a passeata contra a guitarra elétrica?, perguntou o anfitrião olhando de rabo de olho pra Elis.  Amigo, não dá pra ficar impassível diante do rock! Eu só queria preservar nossas raízes!, gritou Elis do outro lado. Vocês queriam mesmo era fazer propaganda do Fino da Bossa que você ia apresentar na TV..., disse Caêtano trazendo o violão. Vamos cantar Joplim ou beetles? Ou João Gilberto? Eu achei aquilo tudo brega, muito brega querer limitar as possibilidades de experimentação musical da MPB, decretou, já dedilhando as cordas do violão.

   Viva a Tropicália!, gritou uma jovem de cabelos cheios e embolados sentada no chão e encostada na parede onde  jazia um quadro de João Gilberto num banquinho com um violão. Viva! gritaram outros. Elis não arredou. Soltou uma gargalhada debochada e vaticinou, ora, seus tontos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.. Caetano sorriu. Tu és mesmo uma pimentinha...ouve essa: Quero você com a alegria de um pássaro em busca de outro verão..

     Uma sirene lá fora. Seria bombeiro, ambulância ou polícia? 


quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

LEITORES



 NÃO PROCUREI ESTATÍSTICAS mas afirmo sem medo de errar que todo leitor tem algum cacoete em relação aos livros. Tem aquele conservador que não admite que o livro não seja em formato físico, de papel, com cheiro, tinta e tato. Aliás, cheirar livros é um cacoete bem conhecido na comunidade literária. Da minha parte, considero os leitores de ebooks como KINDLE e KOBO, um extraordinário salto evolutivo. Milhares de livros em um só lugar. Ler um calhamaço de mil páginas de três quilos sem o menor esforço! Possibilidade de manipular o texto, aumentar fonte, mudar fonte. Sim, o Kindle se tornou meu novo cacoete. 

Tem aquele leitor limpinho que não admite rabiscar, dobrar páginas, comentar no livro. Sua tara é deixar o livro exatamente igual como veio da livraria depois de tê-lo lido. Meu filho é assim. Me intimou a ler uma trilogia da qual ele é fã  e foi logo me dizendo: "Pai, não rabisca meus livros...". Que chato! 

Não tenho tal cacoete de tratar o livro físico como uma pedra preciosa (apesar de que em  certo sentido, ele o seja). Eu rabisco, sublinho, faço anotações, ponho símbolos como "!", "?" em partes que me chamam atenção, etc. Meu filho fica horrorizado com tamanha falta de respeito e devoção ao objeto. 

Tem o leitor disciplinado que tem hora marcada para ler e que só lê um livro de cada vez, dando toda atenção a ele. Eu sou o oposto. Leio em qualquer hora (até sentado no trono do meu banheiro) e não consigo me concentrar em uma única leitura: Leio vários livros ao mesmo tempo. Às vezes embola? Quase nunca. Ainda não chamei um personagem de Machado de Assis pensando estar citando Dostoiévisk, mas não acho que seja impossível acontecer em futuro próximo.

Tem leitor ciumento que não empresta livro seu de jeito nenhum. Pode ser um amigo a lhe pedir que a resposta será sempre "não"! Não os julgo, livros emprestados costumam ter destinos sombrios. Eu empresto mas como dor no coração, fazendo a novena do livro-emprestado-volte-são-e-salvo. Quase nunca dá certo.

Tem leitor distraido que consegue ficar horas dentro de uma livraria folheando um livro aqui, outro acolá, e vai embora com um livro na mão sem nem mesmo perceber que não pagou por ele e está prestas a se tornar um leitor que roubava livros. O oposto também pode acontecer, e aconteceu com um escritor famoso, Fernando Sabino. É o caso de você entrar em uma livraria já com um livro na mão e depois ter que explicar que o livro é seu na saída. Conta Sabino em uma crônica que ele naquela agonia por ter entrado numa livraria com um livro, sem querer ter que se explicar depois, simplesmente largou o livro lá e foi embora. 

Tem muitos outros tipos de leitores, mas por ora, vamos ficar por aqui para essa crônica não virar um livro.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

GATOS

 


Não sou muito próximo de gatos. Não, não vou fazer a piadinha de que de "gata" eu sou próximo.... Minha relação com eles é de distância respeitosa. Aqui  aparecem vários, já que meu vizinho é um gatólatra e disponibiliza ração gratuita. E eles vem aos montes. Pior quando resolvem ficar. Cocô de gato fede como os infernos. O Thor, meu cachorro vira-latas é de boa com gatos. Gosta de sair correndo atrás deles. Alguns carrancudos frustram sua brincadeira ficando parado olhando para a cara dele... Aí o Thor fica chateado o gato não quis correr vai se foder gato besta.

Tem coisa mais estranha do que gatos miando pelos telhados reproduzindo sons que  hora parecem criança berrando, hora alguém sendo estripado?  

Nem tão de boa eram meus cachorros anteriores Benji e Pequeno. Eles eram Cocker Spaniel, tidos como  bons caçadores. E eram de fato. Ratos que se aventurassem atravessar o quintal estavam fadados ao estraçalhamento metódico com direito a virar refeição. Sim, eles eram nojentos. 

Um dia um pobre bichano cometeu o erro de cair do muro no meu quintal(coisa rara acontecer acho que ele tava de porre e tal). Foi um Deus nos acuda! Benji e Pequeno disputavam a primazia e o direito de fatiar o gato primeiro. Numa cena bizarra, um abocanhou a cabeça o outro as pernas e ficaram fazendo Cabo de Guerra.

Tive que me virar salvar o gato. O pobre bichano ficou mal estatelado no chão agonizando. Pensei até em impetrar uma solução humanitária mas minha sogra não deixou. Cuidamos do gato e não é que ele sobreviveu? Deve ter deixado umas cinco vidas na boca do Benji e do Pequeno...

Meu pai odiava gatos porque os gatos comiam seus passarinhos. Meu pai amava passarinho na gaiola não voando livres por aí. Tinha vários e sua felicidade matinal era ouvi-los cantar. Passarinho bom é passarinho que canta. Hábito besta esse manter  bichinho que tem asas preso numa gaiola, mas ficava curioso quando meu pai me descrevia com detalhes tal qual era aquele passarinho e quais tais eram suas características.

Morávamos junto com minha vô e tias e tios e sobrinhos e primos no mesmo quintal em Salvador BA, frequentemente meu pai entrava em litígio com os gatos da minha vô. Minha vô gostava de gatos, vários passeavam no quintal e pela casa. Meu pai torcia o nariz mas eram os gatos da mãe. Um deles certa vez comeu um dos seus pássaros. Meu pai era um colérico calmo. Não podia se vingar do gato como queria. Colericamente calmo conseguiu pegar o gato pelo rabo (não me perguntem como só sei que foi assim meu pai tinha coisa com o capeta), girou o gato girou o gato girou e tascou na parede para o desespero da minha vô. Devem ter ido ali umas três vidas...saiu cambaleante e refugiou-se em algum esconderijo. 

Mas teve coisa pior envolvendo gatos e meu pai...

Quando morávamos em Angra dos Reis muito se indignava com um gato que perambulava pelo quarteirão caçando passarinho em gaiola. Já tinha perdido um  Cantador que ele gostava muito pro tal gato e ficou furioso. Minha mãe apaziguadora o convenceu a esquecer aquilo. Teria até esquecido  se o tal gato não tivesse atacado e comido outro passarinho seu...

Desta vez ele não me escapa e montou armadilha. Ficou de tocaia na janela olhando para o nosso porão atrás da casa onde o gato sempre aparecia. Eu ali, ao seu lado. A coisa ficou séria quando ele pegou sua espingarda de caçador...Pai, você vai atirar no gato? Fica quieto e observa, menino...obedeci. Minha mãe, sobre protestos ficou afastada. O gato apareceu. A distância não era muito mas mesmo que fosse, meu pai era campeão de tiro na Marinha...Ouvi o estampido e vi o gato cair durinho já morto. 

Tive pena do gato, daquele, esvaíram-se todas as setes vidas.



terça-feira, 2 de janeiro de 2024

SEROTONINA DOPAMINA OXITOCINA! (ou PRIMEIRO AMOR)

 



O primeiro amor a gente nunca esquece, diz o dito popular. É um tal de  "Não come e nem estuda, não dorme e nem quer nada" cantava Gonzaga. Estar apaixonado pela primeira vez  é resultado de uma explosão  química provocada pelo cérebro que mistura hormônios como serotonina, dopamina e oxicitocina, que estão relacionados a recompensa, felicidade e conexão. 

Qual razão tem a menina mais inteligente e comportada da turma se apaixonar perdidamente pelo menino mais bagunceiro, problemático e colecionador de notas zeros? Nenhuma. O primeiro amor é como uma praga, daí o dito "o amor é cego" ou o dito filosófico de Blaise Pascal "que o coração tem razões que a própria razão desconhece"

Primeiro amor é como tatuagem, te marca pra sempre. Estamos neurologicamente programados para lembrá-lo, o que nem sempre é uma experiência agradável se o amor não foi correspondido. Como disse Woddy Allen, "só há um  tipo de amor que dura, o não correspondido". Olha que desgraça! Pelo menos  tatuagem dá-se um jeito quando você tatua "Jéssica amor eterno" no seu braço e tu pega a Jéssica na cama com teu melhor amigo. 

A ciência está certa,  lembro perfeitamente do meu primeiro amor que foram três...É,  na minha memória afetiva infanto-juvenil constam pelo menos três grandes primeiros amores: Rita, Ângela e Denise. Tipo a Trindade Divina, sabe? Elas estão misturadas no registro da sopa química serotonina dopamina oxitocina! que não consigo lembrar qual foi a primeira primeira primeiro amor mesmo! 

 Rita era (é) minha prima. Devia ter uns 10 anos.  Ângela, minha vizinha de uns17 anos. Denise, minha professora da segunda série, devia ter uns 25.  

Rita foi meu primeiro amor  comprometido eu queria casamento! Podem perguntar a Rita se eu com carinha de contentamento e firmeza de um Don Juan, lá pelos 5 anos, não vivia repetindo "vou me casar com Ritinha". Ela sorria docemente e afagava meus cabelos. Disparo total de serotonina dopamina  oxicitocina! 

Ângela foi o meu primeiro amor  libidinoso. Suas  longas pernas de tons dourados pouco contidas numa recatada minissaia muito comum nos anos 70 me faziam sentir uma coisa esquisita. Hoje eu sei que era banho de serotonina dopamina  oxicitocina! 

Ângela era nossa vizinha em Angra dos Reis, muito amiga da minha mãe que passou umas semanas me levando e trazendo da escola. Eu devia chegar a altura das suas coxas. Difícil era olhar em frente...Não me julguem, era uma atração que eu não podia evitar. Quando Ângela deixou de me acompanhar eu fiquei órfão das pernas dela. 

Denise foi meu primeiro amor maduro. Era minha professora. Era de uma brancura Branca de Neve, cabelos claros e olhos azuis e tinha um amor e paciência para ensinar que eram cativantes para mim, não tinha como não se apaixonar! Uma prova viva que ela também me amava eu tive quando ela foi lá em casa pedindo que minha mãe me deixasse ir a sua casa refazer minha prova de matemática com nota abaixo da média. Teria prova de amor maior que aquela?  

Pelo que me lembro mas a memória sempre nos trai, minha nota não aumentou muito nem sei se chegou à média exigida, só sei que aquelas horas sentado na mesa da sala de Denise foram um dos momentos mais sublimes da minha infância. Só não pedi também Denise em casamento porque, lança cruel do destino, ela já era casada.


segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

REVEILLON

 




Vamos passar o Reveillon na praia de Copacabana, pergunta meu amigo com expectativas no olhar. Não sei porquê expectativas quanto à minha ida à Copacabana no último dia do ano, já que ele sabe que sou avesso a multidões e que estou em um momento complexo da minha existência.

Diante do meu olhar de nojo ele tenta acrescentar positividade ao convite: Imagina! Ver de pertinho aquele show pirotécnico, saltar as sete ondas como manda a tradição (porque diabos eu tenho que seguir uma invenção dessa tal de tradição que eu nem sei quem é?), azarar a mulherada solteira vestidas de branco e com calcinhas douradas que chama dinheiro no ano novo....interrompo seu discurso motivacional com um deixa disso, são esses teus argumentos? Calcinhas douradas? Isso é deprimente! Chato! Não se dá por vencido e lista o nome da galera que vai, o Tião, o Justino, a Magali, a Soraya..., (a Soraya vai? Mais um motivo para eu não ir...).

Você está se afastando dos amigos, continua ele, desde que conheceu essa tal Catarina. Pior de tudo que tu é frouxo e nem tem coragem de se declarar. Me ofendi. Não é questão de coragem, é questão de cozinhar em fogo brando... Esse teu fogo não queima ninguém, outra ofensa, e eu já querendo por ponto final à conversa. Não vou, não vou, não vou, já falei, vai te lascar! Que isso parça, não precisa ficar nervoso...!

Será que meu melhor  amigo tinha razão? Catarina ocupa tanto agora meus pensamentos que eu não tenho mais tempo para os amigos? Será que ainda não me recuperei do golpe que a Soraya me deu? Põe a mão no meu ombro, todo amoroso, mostra na cara seu sorriso mais sedutor (ele era um sedutor!) e diz você precisa passar uma borracha no caso Soraya... Quero que Soraya vá pros quintos dos infernos, replico com veemência e indignação.

Depois, já em casa, liguei pra Catarina, e aí, vai passar o Reveillon onde? Ah, eu vou pra Copacabana com umas amigas...Sério, eu também, a gente poderia se reunir e ir juntos, assim você fica conhecendo meus amigos e eu os seus, que tal? Ah, legal, você gosta de passar ano na praia? Vai ser a sétima vez que eu vou pra Copa, pulo sempre as sete ondinhas...olha, sete e sete, deve ser um sinal! Ouvi dizer que esse ano serão dois milhões de pessoas! Claro, eu amo multidões e também gosto de pular as sete ondas. E veja só, será meu sétimo ano em Copa também...com certeza isto é um sinal!


Olhar o Tempo - 3

  PARE!!!  Olá, se estiver chegando por aqui agora, esta é a terceira e última parte desse conto. Leia as primeiras partes abaixo para se in...