Clube de Detetives Pão de Queijo

domingo, 22 de junho de 2025

Que temos Nós com Ela?

  



A Montanha Mágica, de Thomas Mann é um grande livro (tanto em tamanho quanto em conteúdo) e é uma das principais obras da literatura alemã do século XX. Nele se misturam filosofia, medicina, política e espiritualidade. O protagonista,  Hans Castorp, jovem engenheiro alemão visita seu primo em um sanatório para tuberculosos nos Alpes suiços. Castorp pretendia uma visita de três semanas, mas acaba ficando sete anos no sanatório à medida que é diagnosticado com sintomas da doença, o que leva Castorp a se lançar em uma  jornada de autoconhecimento. 

Em um dos trechos, um personagem diz:

"Com efeito a mossa morte é assunto dos sobreviventes mais do que de nós próprios. Quer a conheçamos, quer não, conserva pleno valor para a alma aquela sentença de um sábio espirituoso que reza: enquanto existimos, não existe a morte e se ela existe, nós já deixamos de existir; por conseguinte, não há entre nós e a morte nenhuma relação real, e ela é uma coisa que para nós absolutamente não tem interesse e que, quando muito, afeta ao mundo e à natureza, motivo porque todas as criaturas a contemplam com grande calma, com indiferença, com certa ingenuidade egoísta, e sem assumir responsabilidades..."

Isso parece racional, certo, lógico. Porém, porque durante toda nossa vida, jamais conseguimos aceitar tal lógica facilmente? 

Por que vemos a morte como perda se nela estando, já não podemos ver que perdemos alguma coisa? 

A grande benção e a grande maldição do ser humano é a  consciência de estar vivo no mundo e a consciência que um dia ele já não estará. 

Mas se não há consciência no "não-estar", então por quê?

Por que isso de forma alguma consegue chegar à nossa razão? 

Creio que há poucos sábios que possam pensar como o sábio citado no trecho do livro.

Talvez por isso criamos a ideia de uma "vida após a morte"? Porque queremos ter consciência de que morremos mas ainda estamos vivos em outro plano seja ele qual for? 

A verdade é que a nossa  razão não consegue se conformar com a não existência, e esse é o fardo que temos que carregar por termos consciência de estarmos no mundo de forma provisória.


                                                                   * * * * * * * *

31 comentários:

  1. Em 2016 eu escrevi um poema que tinha estes versos finais:
    “Sendo criados à Vossa imagem e semelhança,
    Estamos mais distantes de Ti que o boi e o leão,
    Pois eles não sabem a terrível verdade que sabemos,
    (e Vós deixastes que soubéssemos!)
    Que todos - homem, boi, leão -, morreremos um dia.
    Tenho medo, Senhor,
    Tenho muito medo”.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, Ele deixou que soubéssemos. Haveria algum propósito nisso?

      Excluir
  2. Um assunto complicado esse e rindo aqui do seu marcador 'filosofia de botequim', é isso, não vamos chegar a nenhuma lógica .O que exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida desejar ir ... serenamente. Os porquês ,Edu só citando aquela passagem já batida que "há tempo para tudo , tempo para nascer e tempo para morrer ' ... ... é cuidar para que seja mansa , sem dores...e acho triste falar na morte_ vamos viver ,menino. rs Beijinho e boa semana.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Aí é que está o "x" da coisa, amiga Lis. Por que falar da morte seria triste se é a única certeza que temos? Não deveria ser, eu sei, mas é, eu sei que é...

      Excluir
  3. Eduardo, tua crônica é uma meditação profunda dessas que atravessam a gente devagar, como a bruma das ideias que não têm resposta, mas não nos deixam em paz. A morte, de fato, escapa da lógica como um perfume que se desfaz no vento. Podemos citá-la, analisá-la, filosofá-la mas ela permanece ali, no território do incalculável.
    Sim, enquanto vivos, ela é apenas ausência futura. Mas ainda assim, tão presente. Talvez porque, ao contrário do que o personagem do livro afirma, nós sentimos a morte não a nossa, mas a do outro. E por meio dessa dor herdada, imaginamos a nossa.
    A consciência da finitude é talvez o preço que pagamos por sermos humanos. Mas é também o que nos move: amar com pressa, escrever com urgência, viver como quem sabe que há um fim e ainda assim deseja fazer sentido até lá. Obrigada por esse voo reflexivo. Me deixou em silêncio aquele bom, que vem depois da verdade sussurrada.

    Abraço,
    Fernanda!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, meu amigo, talvez seja mesmo esse o preço que pagamos por sermos humanos: a consciência do fim. E não seria essa consciência que por outro lado nos move para que vivamos a vida da forma mais plena possível enquanto estamos aqui? Se fossemos eternos, teríamos a vida como um valor inestimável?

      Excluir
    2. Sim, meu amigo, penso que talvez seja mesmo esse o preço: a consciência do fim. Mas, paradoxalmente, é essa mesma consciência que nos impulsiona. Saber que tudo tem um fim nos faz buscar sentido, intensidade, presença. Nos obriga a escolher, a valorizar, a amar com urgência. Porque o tempo não volta, e é justamente por isso que cada instante pode se tornar precioso.
      Se fôssemos eternos, será que saberíamos reconhecer o valor da vida? Ou deixaríamos tudo para depois, como se houvesse sempre uma próxima vez?
      A finitude dói, mas também nos desperta. E talvez o segredo esteja aí: viver não apesar do fim mas por causa dele.

      Excluir
  4. Que post maravilhoso! 🌿 A forma como evocaste a presença dela, com perguntas profundas e sentimentos revelados, tocou-me verdadeiramente. Ficaste com a mestria de quem lida com a essência, sem rodeios. Obrigada por partilhar essa partitura emocional.

    💜 Desejo-te uma excelente semana!
    Com carinho,
    Daniela Silva
    🔗 https://alma-leveblog.blogspot.com
    🦋 Visita também o meu cantinho 🌸

    ResponderExcluir
  5. Olá, Eduardo!
    É um tema que gera controvérsias desde sempre.
    Já estamos todos a caminho da morte desde o primeiro choro cá na Terra...
    Só que a alegria do nascimento não nos deixa raciocinar sobre a morte futura.
    Não vou me deter no tema, mas confesso, a única coisa que peço a Deus é não ver a morte de um dos meus filhos.
    Honestamente não terei forças...
    Vi presencialmente a avó e o pai que morreu em meus braços. Não é nada bonito.
    Eu creio na vida eterna, mas não com o corpo que temos...
    Ainda creio no além vida da terrena... mas não creio na reencarnação, por exemplo.
    Em todo caso, só dei minha opinião, mas não sou especialista em nada.
    Na era da IA, a vida eterna soa como história da Carochinha... para muitos.
    Tenha uma semana nova abençoada!
    Abraços fraternos se paz




    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Roselia, a fé em uma vida futura é bem reconfortante. Os cristãos acreditam no céu, os muçulmanos no paraíso, os kardecistas e orientais em reencarnação...como eu disse, talvez seja uma forma de nós enfrentarmos o absurdo que nos parece ser a morte.

      Excluir
    2. Sim, Eduardo, só dei minha opinião pois é incompatível a ressurreição com a reencarnação, mas tenho na família quem crê e não deixam de ser pessoa do bem e da paz.
      Tenho um filho que diz exatamente o que fala no final aqui:
      "talvez seja uma forma de nós enfrentarmos o absurdo que nos parece ser a morte."

      Excluir
  6. Li há anos o livro "A montanha mágica". A reflexão que aqui nos traz é aquela que muitas vezes fazemos quase sem querer. Lembro-me de ter feito um pequeno poema chamado "coragem" que diz: Escutar o rumor da morte na rotina dos dias. E renascer a toda a hora com a inocente respiração da vida. Serenamente.
    É a minha maneira de olhar para este assunto.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Gosto dos poetas pois eles são capazes de escrever versos como estes! E gosto dos filósofos que sem poesia, elocubram sobre tudo, inclusive, sobre a morte.

      Excluir
  7. A melhor maneira de a morte(que é certa) encarar é não temê-la! E as partidas que assistimos nos machucam, entristecem .Assim, melhor pensar no reencontro em outra vida! abraço, linda semana! chica

    ResponderExcluir
  8. Um autor do qual li vários livros. E o que cita é muito bom.
    Será que a morte é como uma ponte, uma passagem para a outra margem? Gostava de acreditar que sim...
    Boa semana.
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  9. Não li esse livro, mas me interessei. Já vi a morte de varias maneiras ate porque tive que lidar com ela muito cedo. Vi com revolta, com medo e hoje vejo como um destino que todos chegam. o que há depois eu não sei, mas espero que seja cheio de paz e amor.
    Bom dia.
    bj

    ResponderExcluir
  10. A morte pede passagem a partir de A Montanha Mágica. Sabe-se que a morte e a doença são motivos recorrentes em suas páginas, em suas narrativas; em A morte em Veneza é a epidemia da cólera; em A Montanha Mágica, a tuberculose, aliás onde se passa a história, Suíça, também esteve o poeta Manuel Bandeira e, ao voltar, ao Brasil, escreveu Cinza das Horas. Disse Bandeira: "Faço verso como quem chora; faço versos como quem morre", são os versos finais de Desencanto; em Doutor Fausto, a sífilis. É bom que se diga: em A Montanha, além da doença de Castorp, Thomas Mann trata do mundo adoecido em que vivia. Não se pode esquecer que a obra nasce a partir de 1914. Com tantas bombas explodindo em redor do mundo, a crise parece não ter fim e a morte parece sempre mais perto, independentemente, de filosofias e religião. E pensamos em racionalidade de outra perspectiva, sem querermos abrir portas e janelas para a morte, mas eles não pensam assim.
    Foi uma digressão racional o que fiz aqui, Edu?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Perfeito, meu amigo, a morte é tema recorrente nas obras de Thomas Mann e bem lembrado o episódio do Manoel Bandeira.

      Excluir
  11. Então Dudualdo, o negócio é punk!
    Apesar de eu detestar chamar algo de punk, que não seja o bom e velho punk rock; esse assunto é punk.
    Eu acho incrível que as crianças dos anos 80, se tivessem um celular na mão, ele certamente viraria a parece de uma casinha, ou um carrinho e essa criança seria feliz assim. Mas hoje uma criança já nasce sabendo manejar o celular e sabendo onde clicar para assistir seu vídeo, e escutar sua musiquinha favorita.
    Eu não sei... Mas tem alguma coisa a mais nesse mundo que a gente talvez não queira ver.
    O mundo teve mais mudanças nos últimos 50 anos, que no restante de toda a existência do planeta.
    Sei lá... Se isso não for uma pista de que pessoas estão evoluindo e voltando com mais coisas embutidas na memória, eu não sei o que é.
    Não se espante de um cristão pensar sobre reencarnação.
    É só filosofia de boteco.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sem dúvida uma criança hoje conhece mais de tudo do que uma criança dos anos 50 do século passado. Quiçá, de um adulto do início do século!

      Excluir
  12. "A grande benção e a grande maldição do ser humano é a consciência de estar vivo no mundo e a consciência que um dia ele já não estará" -- eu gostaria de dizer que sua frase foi espetacular, porque eu achei. Olhe os animais, os bichos em geral, vertebrados ou não, mamíferos ovíparos, etc. Só o homem possui essa consciência. Mas dizem que cavalos e bois possuem um presságio de morte. Acabei de me lembrar disso, o que faz com que essa frase tão espetacular não tenha mais essa genialidade que eu gostaria de atribuir. Acredito que o homem é quem mais se empenha nesses raciocínios. Os bichos apenas têm uma consciência de que a hora está chegando, ou talvez nem isso. Dizem que eles sabem quem é bom e quem não é. Mas não vejo nisso uma vantagem, porque não posso perguntar a um gato "o que você acha de mim, ou do fulano?", ele não pode nem me xingar.
    Mas achei interessante a postagem. Gosto de pessoas que tem o emocional mexido quando leem. Elas sentem, pensam e pensam. É ótimo um leitor assim.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fabiano, todo animal foge quando está diante do seu perseguidor na cadeia alimentar, isso não quer dizer que eles tenham alguma consciência de que se não fugirem, irão morrer e ponderar no significado da vida e da morte. Eles fogem por puro instinto. Também fugimos de uma situação perigosa por instinto de preservação, a nossa benção e maldição é exatamente a consciência de uma hora estar vivo na outra estar morto, ainda que na morte, não haja mais consciência.

      Excluir
    2. "ainda que na morte, não haja mais consciência", ainda bem. Já falei pra minha família, se alguém chegar com um papo de que mandei uma mensagem do além, só agradeçam e depois joguem fora, sem a pessoa ver, porque não sou eu. Com certeza, não quero ser perturbado depois. Já chega aqui. Se é o fim, que seja o fim de verdade.

      Excluir
  13. E pode ter certeza: esse hojem que você é, nas configurações em que você vive, não retornará. Essa sua vida é única.

    ResponderExcluir
  14. Olá Eduardo Medeiros.
    Um assunto interessante.
    Quero eu acreditar que exista um lugar melhor.
    "Talvez meu corpo vire pó, minha alma dance em constelações distantes, num universo onde o fim é só começo, e eu renasça na luz de um sol desconhecido.
    Suave semana.

    ResponderExcluir
  15. Olá grande Eduardo!

    Parece ser um espetacular livro! A verdade é que é daqueles assuntos que sempre suscitará grandes discussões entre nós. Cada pessoa tem uma visão muito própria sobre este assunto. É como diz, não se conseguimos conformar com a nossa não existência!

    Forte abraço 🤗

    ResponderExcluir
  16. Creio em vida após a morte, Edu.
    Deve ser um interessante livro
    Um grande abraço
    Verena

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, tudo bem?
      Não sei porquê não consigo entrar no seu blog...

      Excluir
  17. É por isso que concordo com quem diz que quando morremos, quem sofre são os outros: a família, quem gostava da gente... Nós nem sabemos de nada, a morte é como pegar no sôno. A morte como fim de tudo é difícil de aceitar, principalmente na nossa cultura. Bom restinho de semana!
    (●ˇ∀ˇ●)

    ResponderExcluir
  18. Que análise profunda Edu, você foi fundo. Um apanhado que uniu filosofia e teologia, explicitados de uma maneira de fácil entendimento, sem complicações ou análises que dão aquele nó na cabeça da gente...
    Interessei-me pela obra "A Montanha Mágica", vou ler assim que tiver um tempo precioso. Tempo esse que a cada dia fica mais curto e corrido, não sei o que está havendo com o tempo...Parece que ele está se esvaindo entre meus dedos, não consigo fazer mais nada...Mas só sei que a cada dia é um largo passo da nossa vida que damos ao encontro da morte, que é um grande mistério. Mas a melhor opção é não ter medo dela e viver cada dia como se fosse o último não é verdade?
    Até mais amigo e uma linda continuação de semana!
    (Ahh, achei que hoje era segunda, mas já é quarta... rsrs

    ResponderExcluir

Oi. Se leu e gostou,
Obrigado e volte sempre!
Se não gostou, perdoe-me a falta de talento "escriturístico..."