UMA FRASE COMUM dita pelas crianças antigamente era "bénça, vó", "bença, vô", "bénça pai", "bença mãe". Não tenho estatísticas, mas creio que o hábito de se pedir "benção" aos mais velhos vem caindo de uso a cada década, principalmente nas grandes cidades. Não tínhamos a mínima ideia do real significado de se pedir uma benção.
Lá em casa meus pais não nos ensinaram tal costume, imagino porque minha mãe deveria achar que era coisa de católico. Minha mãe, protestante, não queria nada com o catolicismo. Mas eis que ao nos mudarmos para Salvador BA e irmos morar no mesmo terreno da minha vó paterna, um amplo espaço onde havia casas de três tios e suas famílias (sim, muitos primos), tive que aprender a petição. Todos meus primos logo de manhã, ao verem pela primeira vez qualquer adulto já iam pedindo:
- Bénça, vô.
- Bénça, tio.
- Bénça, tia.
Tive dificuldades em incorporar ao meu vocabulário a tal petição. Meus pais não se opuseram, acho que minha mãe não queria causar uma discussão em família. Aos poucos fui me acostumando a pedir benção pra todo mundo. Se eu sabia do que se tratava? Se eu sabia do porquê ter que pedir benção? Se eu sabia o que significava? Nada nadica de coisa nenhuma. Nunca ninguém me explicou, só disseram que eu tinha que pedir a benção para os mais velhos. Eu apenas pedia, assim como meus primos. Como se diz, eu ia na onda.
Tinha mais, o pedido completo da benção, incluia beijar a mão do adulto que nos brindava muitas vezes, com um carrancudo "Deus te abençoe" - acho que até mesmo alguns deles não gostavam muito da tradição...
Sou meio laico na criação do meu filho, jamais lhe ensinei tal tradição. Aqui em casa o hábito é o bom e velho "bom dia, pai", seguido por um abraço, um beijo e um cheiro. (Essas três coisas são obrigatórias). Minha sogra trouxe o costume da sua mãe católica. Todos os filhos, filhas e netos lhe pedem benção, porém, sem o beijo, abraço e cheiro porque ela é daquelas que gostam de manter distância física. Os filhos lhe beijam quase à força. E meu filho, claro, se acomodou ao ritual sem nenhum problema. Ele com seus dois ou três aninhos, viu a vó lhe decretando: "cadê a bénça da vó?, tem que pedir a bénça..." Nunca me opus.
Todos os meus cunhados mantiveram a tradição que aprenderam com a mãe, e seus filhos, também fazem a petição da benção. Meus sobrinhos porém, já desistiram de me pedir, pois eu nunca dei a mínima importância a ela. Quando me pediam benção eu, brincando, respondia:
- Alá, te abençoe.
- Oxumaré esteja contigo.
- Tupã ilumine sua vida.
Claro, a estranheza pela quebra do protocolo os deixava sem saber o que dizer. Alguns riam e diziam "que isso, tio..."; outros mais carolas, me repreendiam com um "o sangue de Jesus tem poder" ou "Eduardo, para de dizer isso para meu filho!"
Ué, me pedem benção mas não especificam de qual deus querem a benção. Eu apenas escolho um, gosto de diversidade.
* * * *
Preciso esclarecer que não sou um intolerante contra a religião de ninguém e me dou muito bem com todos meus cunhados e cunhadas e seus filhos, mas meu espírito meio irônico e gaiato, me levaram à tal brincadeira com meus pobres sobrinhos. Mas todos gostam muito de mim e a maioria já aprendeu: comigo é no "oi, tio", beijinho e abraço.
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