Escrevi essa "crônica-conto" no início do ano passado com o título "Caetano e Elis". Tinha algumas inconsistências. Dei uma repaginada e estou republicando com novo título mas com o mesmo teor: uma reunião de amigos onde estão presentes Caetano e Elis na chegada do ano de 1974. Resolvi brincar com alguns versos de canções gravadas pelos dois e os coloquei em algumas falas e narrativas, eles estão em itálico. Resolvi não colocar os diálogos em parágrafos com travessão para que o texto do pequeno conto fosse mais fluído.
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Festa! Alegria, alegria! 1974! Expectativas de um tempo melhor do que já foi. Gente, depois do Tri, depois de Londres, depois das guerrilhas, Parece que o tempo do chumbo grosso já passou. Afrouxaram o laço do pescoço....E essa tal guerrilha, minha gente, pra quê? Vamos vencer com a poesia e a canção...
Elis vê o amigo no recinto festivo. Ai, caêtano, como vai indo meu rei? Tô caminhando sem lenço e sem documento, minha deusa, como sempre!. Elis, com largo sorriso na cara, abraçou o amigo e lhe afagou os caracóis. Aquela noite de dezembro estava quente e aconchegante. Festa da vida, da música, do encontro. O natal passara quase agora e os próximos dias anunciavam um novo velho ano mas que poderia ser um novo tempo, de fato. Talvez. O que será, será que será desse ano que se impõe? Esperanças, meu amigo, esperanças...
Alguém soltou uma gargalhada quase indecente. A piada foi boa? Sorrisos largos apesar dos choros de Marias e Clarices nunca esquecidas. Caê, lembre-se que o show de todo artista tem que continuar e sei que uma dor assim pungente, não há de ser inutilmente...a esperança dança na corda bamba...Minha rainha, isso é bonito demais...Foi o Aldir e o Bosco. Estão escrevendo. O Henfil e todo mundo precisavam voltar...
Os homens serão melhores no futuro, Caêtano? No porvir tudo pode ser pra nascer novo ser ou não... Enquanto os homens exercem seus podres poderes, tudo se repete, não é Elis? Isso também dá música... Elis sorriu, divertida e carinhosa. Opa, me passa uma bebida! Preciso afogar as mágoas da saudade... Do quê ou de quem estás falando Caê? Uma tigresa de unhas negras e íris cor de mel. Uma mulher, uma beleza que me aconteceu... Elis, pega outra bebida, vou trazer o violão... Eu sei que o amor é uma coisa boa, Caê!
Alguém no outro lado cantou Joplim seguido por outros ao redor "A Woman left loney will soon grow tired of waiting..."
O que foi a passeata contra a guitarra elétrica, Elis, perguntou o anfitrião olhando de rabo de olho. Amigo, não dava pra ficar impassível diante do rock! Eu só queria preservar nossas raízes, respondeu Elis risonha. Vocês queriam mesmo era fazer propaganda do Fino da Bossa que você ia apresentar na TV - disse Caetano trazendo o violão. Vamos cantar Joplim ou beetles? Ou João Gilberto? Eu achei aquilo tudo brega, aquela passeata...querer limitar as possibilidades de experimentação musical da MPB, decretou, já dedilhando as cordas do violão.
Elis sorriu.
Viva a Tropicália!, gritou uma jovem de cabelos cheios e embolados sentada no chão e encostada na parede onde jazia um quadro de João Gilberto, onde o bossa nova aparecia em um banquinho com um violão. Viva! gritaram outros. Elis não arredou. Soltou uma gargalhada debochada e vaticinou, ora, seus tontos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.. Caetano sorriu. Tu és mesmo uma pimentinha...ouve essa: Quero você com a alegria de um pássaro em busca de outro verão...
Uma sirene lá fora. Seria bombeiro, ambulância ou polícia?
Muito legal a crônica. Uma das coisas mais ridículas daquela época foi a passeata contra o uso da guitarra elétrica na música brasileira. E até o Gil entrou nessa! Não há, nunca houve tolerância estre os puristas e os radicais de qualquer cor ou estilo. Não faz muito tempo vi um programa de troca de esposas na TV. A intolerância e o preconceito partiram do marido hippie e maltrapilho contra a esposa "trocada", uma senhora rica e elegante.
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