JÁ DEVE TER ACONTECIDO COM VOCÊ. Lembro-me de pelo menos três vezes que aconteceu comigo. Sentado no hospital esperando a consulta. Nesses momentos eu estou sempre lendo alguma coisa e não me apraz engendrar conversas com desconhecidos, muito menos conversas de hospital. A senhorinha sentou-se ao meu lado, parecida ter no mínimo oitenta primaveras. Simpática.
- Sabe se o doutor Armando já chegou?
Eu lia um parágrafo tenso em um livro policial.
- Parece que ainda não.
Volto minha atenção ao livro.
- Qual o seu número de senha?
- Eu sou o quinto.
- Eu sou a sexta, vou depois de você.
- É...
Não sei porque, pessoas mais idosas são pródigas em puxar conversas com desconhecidos em hospitais, bancos, dentistas, mercados... Eu geralmente gosto de conversar cm os mais idosos, eu estou caminhando célere para lá, para a eufemisticamente chamada "Melhor Idade" - melhor pra quem cara pálida? Porém, quando eu estou lendo ou escrevendo, odeio ser interrompido. Certamente esse é meu único defeito....lá rá rá rá.
- Você sabe, meu filho, já estou fazendo tratamento para artrose com o doutor Armando há um ano. Ele me explicou que eu tenho artrose nas mãos, nos joelhos, na coluna...estou toda artrorizada...
Até deu vontade de rir do bom humor da senhora. No livro, o detetive estava praticamente desvendando o mistério de um crime.
- Sabe, artrose é quando desgasta tudo. Sabe, as cartilagens? Fica tudo inflamado, meu filho! Olha, como tá inchada minha mão...dói muito, sabe? Tá até ruim para eu pegar alguma coisa...O doutor Armando me explicou que artrose também é chamada de osteoartrite - que é um nome muito feio, não acha? É doença de velho, meu filho. Ainda mais porque estou acima do peso...dá pra vê, né meu filho? Eu tenho três filhos, sabe, uma mulher e dois homens. Tenho seis netos! Pois é. Todos adultos mas nenhum me deu um bisneto...esses jovens não querem mais ter filhos, um dia vai acabar as gentes do mundo... Um filho meu, o Gustavinho trabalha da Receita Federal. Eu moro com minha gata Vitória...Mas acho que vou precisar de companhia, essas artroses não estão me deixando fazer mais nada... Se você tiver algum problema com a Receita pode falar com ele que ele resolve. O Gustavinho, olha, anota aí o número dele...
Eu para não ser mal educado, com um olho mirava a senhora e soltava alguns monossílabos e com o outro tentava ler o desfecho do caso. Faltavam cinco páginas, momento crucial de revelações inesperadas.
- Sabe, meu filho, eu tenho um neto muito inteligente. O nome dele é Noah. É, foi a mãe que escolheu, eu acho horrível esse nome, acho que nem é nome de gente...dizem que é "Noé", acho Noé mais simpático. Aquele que salvou os animais do dilúvio, você conhece a história, né meu filho? Mas veja, a artrose começou mesmo na mão esquerda, depois foi para a mão direita ao mesmo tempo que chegou no joelho direito...um inferno!! Será que o doutor Armando ainda demora? Você gosta de ler? Eu gosto de ver Doramas, você sabe? Aquelas séries lá dos coreanos? O doutor Armando não costuma se atrasar...você sabe que no verão passado eu fui conhecer a Itália! Veja só, nesta idade e só agora fui conhecer a terra dos meus bisavós...O doutor Armando sempre me manda fazer ginástica. Eu faço!! Dou meus passeios pela praça e faço alongamentos com uma professora de Pilates. Sabe Pilates...? O que é que você, tem filho? Artrose também?
Desisti de ler o desfecho da história. Fechei o livro, guardei na minha bolsa e fique todos ouvidos para senhorinha simpática.
* * * * *
Meu Deus!Acontece e como,Affff...Tem gente que adora salas de espera!😄abraços,chica
ResponderExcluirA vida não se compadece com a idade e a velhice vai-nos indicando o fim da linha.
ResponderExcluirAté o Dr. Armando não está imune.
Bom fim de semana.
Abraço de amizade.
Juvenal Nunes
Edu,
ResponderExcluirMuito boa sua história real.
Eu faço como você, tento
ficar nos harran, mas quano percebo
que não vai dar, logo começo
uma pesquisa de personagem
e inverto a conversa.Como?
Começo eu a fazer as perguntas.
As vezes dá certo e a pessoa
trata de ficar quieta. Mas só
as vezes. Ontem eu tinha duas
bolsas de viajam pesadas nas
mãos, e a senhora resolver
conversar, quando vi que ela
não ia me deixar seguir, pousei
as duas bolsas no chão e a
ouvi...
Ótimo fim
de semana, estou
viajando a trabalho
até domingo.
Bjins
CatiahoAlc.
boa estratégia....rs às vezes a conversa fica até interessante, né?
ExcluirUma crónica muito interessante, também já me aconteceram situações similares. As pessoas de idade gostam muito de falar, cada um tem a sua história de vida que gosta de partilhar e eu gosto imenso de as ouvir.
ResponderExcluirAbraços e um excelente fim de semana
Great article and good blog. Have a nice weekend ok
ResponderExcluirQue bom que deixou pra ler as últimas cinco páginas, dando-lhe atenção. Concordo, idosos gostam de conversar, não sei se é parte da solidão que começam sentir, ou alguma nostalgia, mas eu, dou sempre atenção. e Concordo ainda mais sobre a "melhor idade". Melhor pra quem? É um nome romântico que inventaram pra velhice, mas como diz o ditado, "melhor envelhecer do que morrer jovem". Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirBem, Edu, você disse muito bem que está célere, chegando lá e já o vejo se intrometendo, puxando prosa. É isso, nós idosos adoramos prosear nas filas, nas salas de espera, nos supermercados, sabe por quê? Somos solitários.Ficamos em silêncio, trabalhando no serviço caseiro, regando, olhando e conversando com os gatos, com cachorros porque ou os filhos estão longe, meu caso, ou um filho fica em casa, solteiro, fazendo home office e eu impedida de fazer barulho. Sabe quando eu era jovem, mas não tanto, me penalizava ver como os idosos são rejeitados. Eu sempre atenta, nas filas bancárias, ajudando-os. Quando em ônibus, gritava ao motorista que ficava impaciente quando um idoso demorava para entrar, ou sentar-se e quando tinha que sair. Que deperdício reijeitar tanta sabedoria de vida!
ResponderExcluirAcabo de conhecê-lo lá da Chica, li sua postagem e achei-a divertida. É bem assim, Edu, já fui leitora voraz, mas tinha horror de ser intrrompida. Você, lendo-te aqui, foi um gentleman. Um prazer, um abraço. Viu, tenho 74 anos e amo prosear e escrever também!
Quando a melhor idade chega não tem jeito...rs
ResponderExcluirMuito divertida a sua crônica.
Um grande abraço
Verena
Olá Edu,
ResponderExcluirGostei muito da sua Crónica, com muito sentido de humor.
Mas idosos são mesmo assim. Só falam de doença.
Temos que compreender e ouvi-los.
Beijinhos e boa semana.
Emília
A gente ri, a gente para e acaba dando atenção mesmo, pois há uma carência de conversas. Correto que idosos gostam de puxar uma prosa. Mas o livro pode esperar (creio) e a idosa urge de atenção, mas é bom anotar o nome do cara do Leão pois vai que ele ruge para nosso lado, kkkkkkkkk
ResponderExcluirMuito boa crônica amigo.
Um abração e feliz semana de olho no cotidiano.
Boa noite de Paz, Eduardo!
ResponderExcluirExcelente e como já vivi tudo isso.
Agora, que estou na "Melhor idade", com artrose também, não faço com os semelhantes o que possa perturbar a paz alheia.
Converso com quem puxa assunto e me silêncio com quem está quieto.
A política da boa vizinhança é fundamental para a paz comum.
Gostei que intercalou a leitura do livro e a senhora idosa um tanto carente de atenção.
Como não tem atenção, procura...
Tenha dias abençoados!
Abraços fraternos