Clube de Detetives Pão de Queijo

terça-feira, 28 de maio de 2024

COISAS PERDIDAS

 



Já aconteceu com você, tenho certeza. 

A cena é típica. Você está escolhendo uma roupa para sair e pega aquela camisa que há tempos você não usa e aí sente que tem alguma coisa no bolso. Aí é que a mágica acontece! Você achou em um bolso aquela  nota de cinquenta ou de cem reais que você nem sabia mais que existia... Aquela nota que você deixou ali para guardar mais tarde e esqueceu completamente. Pior destino terá a nota esquecida quando a peça de roupa vai para a lavadora e só depois você percebe que lavou a roupa com a nota dentro...mas quase sempre dá para salvar. É preciso medidas de emergência: Pegar com muito cuidado a nota toda molhada e retorcida, secá-la com um secador ou deixá-la quarando no sol e depois se quiser, passar um ferro para desamassar.  Se a nota já era velha, a coisa é pior, ela pode rasgar e ficar muito prejudicada. Coisa para UTI mesmo...

Nunca achei cem reais perdido em algum bolso mas já encontrei dez, vinte e até cinquenta, sem falar nas moedas. Um dia encontrei um bilhete todo amassado e desbotado no bolso de uma bermuda. Aquele certamente tomou banho sem ser notado. Era uma lista de compras: Ovos, pão integral, leite desnatado, cebola...manchas, manchas, borrados....não dava para ler tudo. 

Não sei porquê é tão emocionante achar coisas perdidas em bolsos! Deve ser a alegria do reencontro. Mas isso não acontece só com bolsos, acontece também com gavetas quase nunca abertas, em pilhas de papéis que um dia você vai dar uma olhada e nunca dá, naquela caixa de "arquivo morto"... Um dia encontrei uma foto minha e da minha esposa de quando éramos namorados. Nossa, olha só essa foto...como você era magra....Não, melhor  não dizer isso se não quiser começar uma briga. Melhor optar pelo mais simples e comovente: Olha, amor, como éramos tão jovens nessa foto...

Essa semana mesmo encontrei no fundo de alguma gaveta, misturado com várias papéis velhos, algo que me deixou deveras emocionado. Minha mãe era uma leitora voraz. Não tinha muita cultura, tinha cursado até a antiga (muito antiga quem nem sei qual era o nome que dava!) quinta série. Mas lia muito bem e lia tudo que lhe caia às mãos. Em outra hora escrevo sobre seus hábitos literários. Mas lá estava ele: Um caderno já bem velho com todas as páginas escritas. Ela tinha o hábito de anotar o nome dos livros que ia lendo. Folheei o caderno e sorri ao ver sua letra inconfundível e dezenas e dezenas de títulos anotados. Um dia ela me disse que fazia isso para não ler um livro duas vezes...ela era meio esquecida. 

Tem coisas perdidas que precisam e merecem ser encontradas.


quinta-feira, 23 de maio de 2024

Vou te contar

 



JÁ DEVE TER ACONTECIDO COM VOCÊ. Lembro-me de pelo menos três vezes que aconteceu comigo. Sentado no hospital esperando a consulta. Nesses momentos eu estou sempre lendo alguma coisa e não me apraz engendrar conversas com desconhecidos, muito menos conversas de hospital. A senhorinha sentou-se ao meu lado, parecida ter no mínimo oitenta primaveras. Simpática. 

- Sabe se o doutor Armando já chegou?

Eu lia um parágrafo tenso em um livro policial. 

- Parece que ainda não. 

Volto minha atenção ao livro.

- Qual o seu número de senha?

- Eu sou o quinto.

- Eu sou a sexta, vou depois de você.

- É...

Não sei porque,  pessoas mais idosas são pródigas em puxar conversas com desconhecidos em hospitais, bancos, dentistas, mercados... Eu geralmente gosto de conversar cm os mais idosos, eu estou caminhando célere para lá, para a eufemisticamente chamada "Melhor Idade" - melhor pra quem cara pálida? Porém, quando eu estou lendo ou escrevendo, odeio ser interrompido. Certamente esse é meu único defeito....lá rá rá rá.

- Você sabe, meu filho, já estou fazendo tratamento para artrose com o doutor Armando há um ano. Ele me explicou que eu tenho artrose nas mãos, nos joelhos, na coluna...estou toda artrorizada...

Até deu vontade de rir do bom humor da senhora. No livro, o detetive estava praticamente desvendando o mistério de um crime.

- Sabe, artrose é quando desgasta tudo. Sabe, as cartilagens? Fica tudo inflamado, meu filho! Olha, como tá inchada minha mão...dói muito, sabe? Tá até ruim para eu pegar alguma coisa...O doutor Armando me explicou que artrose também é chamada de osteoartrite - que é um nome muito feio, não acha? É doença de velho, meu filho. Ainda mais porque estou acima do peso...dá pra vê, né meu filho? Eu tenho três filhos, sabe, uma mulher e dois homens. Tenho seis netos! Pois é. Todos adultos mas nenhum me deu um bisneto...esses jovens não querem mais ter filhos, um dia vai acabar as gentes do mundo... Um filho meu, o Gustavinho trabalha da Receita Federal. Eu moro com minha gata Vitória...Mas acho que vou precisar de companhia, essas artroses não estão me deixando fazer mais nada... Se você tiver algum problema com a Receita pode falar com ele que ele resolve. O Gustavinho, olha, anota aí o número dele...

Eu para não ser mal educado, com um olho mirava a senhora e soltava alguns monossílabos e com o outro tentava ler o desfecho do caso. Faltavam cinco páginas, momento crucial de revelações inesperadas. 

- Sabe, meu filho, eu tenho um neto muito inteligente. O nome dele é Noah. É, foi a mãe que escolheu, eu acho horrível esse nome, acho que nem é nome de gente...dizem que é "Noé", acho Noé mais simpático. Aquele que salvou os animais do dilúvio,  você conhece a história, né meu filho? Mas veja, a artrose começou mesmo na mão esquerda, depois foi para a mão direita ao mesmo tempo que chegou no joelho direito...um inferno!! Será que o doutor Armando ainda demora? Você gosta de ler? Eu gosto de ver Doramas, você sabe? Aquelas séries lá dos coreanos? O doutor Armando não costuma se atrasar...você sabe que no verão passado eu fui conhecer a Itália! Veja só, nesta idade e só agora fui conhecer a terra dos meus bisavós...O doutor Armando sempre me manda fazer ginástica. Eu faço!! Dou meus passeios pela praça e faço alongamentos com uma professora de Pilates. Sabe Pilates...? O que é que você, tem filho? Artrose também?

Desisti de ler o desfecho da história. Fechei o livro, guardei na minha bolsa e fique todos ouvidos para senhorinha simpática. 


* * * * * 









domingo, 19 de maio de 2024

Da Janela

 


Fim de expediente.  Mais um dia de trabalho e ainda é segunda. Aquela onda de gente voltando para casa. Rotina. Pelo menos pego meu ônibus no ponto final. A janela é o lugar onde gosto de viajar, olhar a paisagem. Uma mãe segurando a mão da filha com algumas bolsas na outra mão. Dia de compras? Espero que o passeio tenha sido divertido. Muitos camelôs nas calçadas. Eles também logo, logo, vão fechar suas barracas e voltar para casa. Um homem sentado na calçada pedindo esmolas. Um engravatado com uma pasta 007 faz sinal para um taxi. Uma ciclista vestida a caráter pedala sua bike. Li ontem notícia  que um ciclista tinha sido atropelado no dia anterior. Um artista de rua faz piruetas no meio de uma pequena aglomeração. Olha, não esquece de colocar uma nota no chapéu do artista! O ônibus dá uma freada brusca que me tira do meu devaneio e ouço o motorista gritar furioso: QUER MORRER, DESGRAÇADO?! Por favor, atravessem a rua na faixa e no sinal, é mais seguro! Quase fui atropelado na infância. Coisa de correr atrás de pipa. Mãe proibiu, se visse ia largar a chinelada. Foquei no futebol. Tirei uma lasca do dedão jogando descalço. Tudo bem, não teve risco de morte. Ainda faltam uns quarenta minutos para eu chegar no meu ponto, se o trânsito não der um nó. Olho o céu pela janela e ainda bem que não vai chover. Com chuva tudo piora. O ônibus ultrapassa um fusquinha 67. Nossa, que raridade! Bem cuidado! Meu pai teve um fusca. Cabia um monte de gente no fusca, um mistério que ainda hoje não decifrei. Ah, que sono...trabalho foi duro hoje...fecho os olhos. Durmo. Sonho que acordo atrasado para ir trabalhar, saio de casa, vejo uma pipa avoada e quase sou atropelado por um fusca 67.  Perai motorista, vou soltar nesse ponto!!!!!





quinta-feira, 16 de maio de 2024

Olhai Os Lírios do Campo

 


Terminei de ler esse livro do Érico Veríssimo que eu tinha há anos em minha biblioteca e nunca tinha lido. Depois que ele se foi no incêndio, por fim, li a edição digital no meu Kindle. 

Érico Veríssimo é um dos meus autores brasileiros prediletos desde que li a trilogia O Tempo e o Vento que eu reputo ser uma das maiores obras de literatura em nosso país. Em Olhai Os Lírios do Campo, Veríssimo nos apresenta Eugênio, um personagem que desde a infância busca superar uma vida de pobreza e humilhação; o seu desprezo pela falta de ação e atitude do pai alfaiate e a condescendência da mãe à situação.  Eugênio empreende uma busca de si mesmo em sua batalha interior de superar uma vida medíocre e seu complexo de inferioridade. Mas a que custo?

O livro foi publicado em 1938 e foi grande sucesso de vendas o que possibilitou a Veríssimo se dedicar profissionalmente à literatura. O foco narrativo também é interessante já que presente e passado se alternam na jornada de Eugênio.

Eu gosto de fazer anotações em um caderno de tudo o que eu leio. Frequentemente escrevo citações do livro. Aqui, deixo algumas dessas citações que foram para o meu caderno.


" Era como essas meninas ricas que para fazerem publicidades adotam órfãos nos asilos e possam ao lado deles para os fotógrafos dos jornais..."

"Um amigo meu costumava dizer que a vida é como uma travessia transatlântica...os passageiros são dos mais variadas espécies. Uns passam a viagem a preparar-se para o desembarque no porto do seu destino e desprezam as festas de bordo, o simples prazer de viajar. Outros não sabem do seu destino, não têm nenhuma esperança no porto de chegada e procuram passar da melhor maneira possível a travessia..."

"A vida começa todos os dias"

"Não tenho nenhuma prevenção contra os ricos, seria tola se tivesse. Há os que sabem empregar humanamente sua riqueza. Elogiar a pobreza seria também doentio. O mundo foi feito para que todos nele tivessem um lugar decente. (Mas há os que) vivem às cegas, só pensam em dinheiro, esquecidos de que são mortais e de que existem o sol, os campos e as cigarras. O ideal seria um mundo em que as cigarras(que só cantam no verão) e as formigas(que só trabalham para garantir o inverno) vivessem em harmonia inteligente.."

* * * * *

"Olhai os Lírios os Campos" é uma frase do Evangelho dita por Jesus ao falar sobre as preocupações excessivas sobre a vida. "E quanto ao vestuário, por que andas solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam...E eu lhes digo que nem Salomão, em toda sua glória, se vestiu como qualquer deles.." (Mateus 6. 25-34)

* * * * * *

sábado, 11 de maio de 2024

Olhar o Tempo - 3

 




PARE!!! 

Olá, se estiver chegando por aqui agora,

esta é a terceira e última parte desse conto.

Leia as primeiras partes abaixo para se inteirar

do que está acontecendo no tempo...


Parte 1: Aqui 

Parte 2: Aqui


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O TEMPO

Dez anos desde o encontro na biblioteca. Agora eles tinham uma filha, Giovana. Linda menina,  tinha os olhos de Dora. Quatro anos.  Num segundo ele estava em uma livraria tentando tomar uma decisão importante, dois anos depois, se casando. Percebeu  o olhar dela em sua direção. Percebeu seu desvio de olhar. O tempo de meio segundo. Um minuto depois ela estava sentada ao seu lado. Aquela mesma Dora que ele admirava de longe na faculdade. Se ele imaginasse  que ela o achava atraente pelo ar de mistério que ele carregava... Ele se retraiu um pouco com a impulsividade da moça. Oi, achei que você estava tendo algum ataque de paralisia. Você estava tão estático olhando para o teto da livraria...você está bem?

 E agora já se foram dez anos. A filha crescia em um ritmo alucinado. Mamãe já passei da marca que você fez mês passado! Mas você está crescendo muito rápido, meu amor!  Na livraria, falaram sobre o tempo. Sobre a falta de tempo e sobre contratempos. Um era quase inércia, a outra era quase raio. Se viram em outro dia e outro dia e mais outro, como tinha que ser como cantava Renato. 

Trinta anos desde a livraria, estavam sentados na varanda de casa. Uma noite tépida  de outono. Giovana mandara avisar que chegaria na segunda e que Rodrigo estava louco para rever os avós! Que bom, o neto era a alegria daqueles tempos que antecedia  artroses e artrites.  Há trinta anos naquela livraria, o magnetismo contagiante de Dora tinha laçado de forma indelével o coração de Francisco. Depois de algum tempo juntos, se via mais confiante, mais decidido, menos dado a depressões e elucubrações pelo sentido da vida. Ela tinha lhe dado uma dose forte de imanência que acabou por equilibrar sua fugaz transcendência. O sentido da vida está na própria vida! Tempos de descobertas.

Cinquenta  anos desde a livraria,  Rodrigo cursava medicina, tal qual a vó. Sentado em sua poltrona, quieto,  Francisco se viu outra vez naquela livraria. ..Tinha ido  pensar, folhear livros e resolver uma questão existencial. O que era ele no mundo, no tempo? Naquele dia estava profundamente deprimido. Via-se  com vinte e três anos e sem perspectivas para o tempo futuro. Agora, aos setenta e três anos, olhava o tempo passado com Dora e tal qual Deus na criação, viu que era bom. 

Ela nunca soube. Por quê tinha escondido aquilo?  Ela deveria  saber que naquele dia, naquela livraria, a decisão que ele tinha que tomar era de interromper seu tempo neste mundo? A vida lhe parecia tal banal, tão sem sentido. Uma bobagem. Era isso, a vida era uma bobagem. O raio que lhe aqueceu o coração chamado Dora mudou seus planos.   Mudou seu tempo. A mesma Dora que tinha terminado com um namorado que vivia em matafísicas apaixonou-se por um homem trágico. Ele! Por quê? O mundo é tão misterioso... Afinal, a partir de Dora, o mundo e o tempo já não lhes pareciam tão banais. Misterioso sim, banal, não.  Com Dora, depois de tanto tempo, a vida já não era uma bobagem.

FIM. 






terça-feira, 7 de maio de 2024

OLHAR O TEMPO - 2

 



Olá, se chegou aqui agora,

leia antes a primeira parte desse conto 

Aqui 



FRANCISCO

 Dora não tinha tempo para ficar olhando o tempo. Vida corrida. Fazia o que tinha que fazer. Pragmática.  Não deixe para amanhã o que se pode fazer hoje era um dos seus lemas.  Tinha várias boas amigas e gostava de festa, de dançar, de rock e de Assis. Capitu era sua personagem predileta. Qual mistério ainda guarda Capitu...?  Terceiro semestre da faculdade de Medicina. Queria ser médica desde criança quando ficava brincando de clinicar com as bonecas...tá com tosse, toma xarope... machucou o dedão, tem que fazer curativo...toma um remédio para dor de cabeça...A mãe ria e dizia Não tem jeito, vai ser médica.

Teve um namorado metido a filósofo. Gostava dos metafísicos que Dora não chegava nem perto. Dora era uma existencialista. Existência vinha antes da essência e esta era construída na vida, no labor contínuo da caminhada e das experiências. Mandou o namorado passear mas que cara mais chato! Era um sábado e resolveu visitar a maior livraria da cidade. Queria comprar uma biografia de Sartre que vira resenhada em uma revista. Não quis comprar "em um click" como sugeria a Amazon, iria aproveitar o dia passeando e se desligar um pouco das mitocôndrias, citoesqueletos, lisosomas...

Estava em pé, absorta em folhear alguns exemplares na sessão de biografias quando viu aquele rapaz de óculos, calça jeans velha, não aquelas da "moda" mas realmente velha. Tinha um olhar vago, parecia que encarava o teto da livraria. No colo um livro que ela não conseguiu identificar. Estava sentado em uma das poltronas que decorava a livraria. De repente o olhar de Francisco foi do teto diretamente para o rosto de Dora que desviou o olhar meio sem graça. Será que ele percebeu que eu estava olhando para ele...? 


Continua...

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p.s a foto que ilustra a postagem é a livraria Menina e Moça, que fica em Lisboa, Portugal






sexta-feira, 3 de maio de 2024

OLHAR O TEMPO

 



DORA


Tinha a mania de olhar o mundo, de olhar o tempo enquanto estava sendo conduzido pelo tempo. Desde muito jovem evitava se abrir muito para o mundo. O mundo lhe causava certa apreensão. Não sabia porquê estava no mundo e nem sabia porquê deveria estar no mundo e nem sabia qual sua função no mundo. Um passageiro observador do tempo. Quando jovem gostava dos livros, das revistas e evitava as festas. Tinha poucos amigos mas até estes o viam como um "cara meio esquisito". Havia nele, porém, algo que atraia. Talvez seu rosto contemplativo de quem está sempre "olhando para cima" ou talvez seu falar manso que contrastava com a algazarra vocal dos poucos amigos. Mais velho apaixonou-se por Dora. Dora era como uma estrela, pensava ele. Brilhante, atraente mas distante...muito distante. Não tinha jeito com mulheres mas Dora tinha curiosidade de tecer conversas com aquele rapaz tão diferente que ela conhecera em uma livraria. Era até bonito, pensava ela. Dizem que o acaso não existe,  o que existe é "sincronicidade". E foi em uma dessas tais sincronicidades que a vida do Observador do Tempo mudou totalmente de rumo.

continua. 

Meu Pet Bebê

 VOCÊS TÃO LIGADOS   nessa onda atual mas que vem de longe, de considerar animais domésticos como "Bebê". Meu bebê pra lá, meu beb...