Pinião, Pinião, Pinião
Pinto correu com medo do gavião...
ESTES VERSOS meu pai cantarolava desde que me entendi por gente. Sempre que estava concentrado em algum serviço, fosse limpando e capinando nosso quintal, fosse degolando, sangrando e depois depenando uma galinha para o almoço, fosse pintando a casa, tava lá ele cantarolando...
Pinião, Pinião, Pinião
Pinto correu com medo do gavião...
Essa música entrou na minha cabeça por osmose e eu criança ainda, me via repetindo..
Pinião, Pinião, Pinião
Pinto correu com medo do gavião...
E assim foi durante anos e anos. Mesmo adulto, jamais procurei saber que música era aquela, ou qual era o resto da letra, já que ele sempre cantava só esses versos.
Pinião, Pinião, Pinião
Pinto correu com medo do gavião...
E como quem sai aos seus, não degenera, hoje em dia do nada, me vejo cantarolando...
Até que ano passado, o Eduardinho que já tinha ouvido antes os versos, me perguntou:
- Mas que música é essa pai? Só fica repetindo pinião, pinião, pinião...
Eu ri.
- Eu sei lá, edu, é só uma música que seu avô cantava e eu só repito.
- Ah, entendi...(não sei porquê ele sempre repete essa frase em circunstâncias variadas: "ah, entendi.")
Então, depois de quase 50 anos, meu pai já não estando aqui conosco, resolvi procurar que música era aquela e chamei o Edu pra me ajudar na empreitada. Comecei problematizando a expressão "pinião". Sugeri que deveria ser algum regionalismo nordestino. (meu pai era baiano). Aí fui pesquisar "pinião" e não encontrei nada. Alguns textos corrigiam a palavra para "pinhão". Mas não era pinhão, era pinião. Foi quando o Edu disse:
- Pinião deve ser só a abreviatura de opinião...
Achei a tese interessante. Fui pesquisar "música com a palavra pinião". Nada. Coloquei os versos completos:
Pinião, Pinião, Pinião
Pinto correu com medo do gavião...
Então achei uma explicação que corroborava a tese do Edu: em algumas regiões nordestina, alguns diziam "pinião" ao invés de "opinião". No fim, estávamos os dois certos: Significava "opinião" e era realmente uma expressão dialética nordestina.
E apareceu o nome de um tal de AUGUSTO CALHEIROS (que os mais velhos que eu devem ter ouvido falar. Ou não.). Fui ao Youtube e pimba! Lá estava um disco completo de Augusto Calheiros. Mas eu tinha que achar uma música com os versos..
Pinião, Pinião, Pinião
Pinto correu com medo do gavião...
E TINHA!!! Acho que a terceira ou quarta música. Falei um "EUREKA" para o Edu. Depois consegui achar a letra completa da música.
Pinião, pinião, pinião
Oi! Pinto correu com medo do gavião
Por isso mesmo o sabiá cantô
Bateu asa e voou e foi comê melão
Essa sumana um gavião lá dos oitero
Chegou lá no meu terreiro biliscando pulo chão
E um pintinho que tava jun'da galinha
Foi correndo na cozinha com medo do gavião
No meu terreiro tinha um pé de araça
Onde um sabiá-gonga fazia seu palantão
Um dia desse ela tava descuidada
Quase morre degolada nas unha do gavião
O gavião é um bicho carniceiro
Quando bate num poleiro come os pinto qu'ele qué
Um dia desse um se trepou lá na mesa
Nunca vi tanta afoiteza, biliscou minha muié
Minha muié se assombrou-se nesse dia
Quase morre de agonia com uma dô no coração
Gritava tanto com os dois óio abuticado
Até que eu fiquei vexado cum medo do gavião
E é um bicho mais pió do que um cão
Não há muié que se livre do bote do gavião
O gavião quando tá aburrecido
Marca o bote da muié e finda pegando o marido
** * * * * * * * * * * * * *
Ouçam essa pérola
do cancioneiro popular brasileiro
que escutei só agora completa
Pois meu pai só sabia o refrão...
Pinião, pinião, pinião
Pinto correu com medo do gavião...
(não resisti a fazer esse versinho...)
Que legal isso,Edu! As memórias ficam pra sempre registradas e há palavras que nos remetem aos nossos pais.
ResponderExcluirEle deve ter adorado, de onde está, ver tua pesquisa e "pinião"...rs..
Feliz dia dos pais!
abraços praianos, chica
Olá Eduardo Medeiros.
ResponderExcluirUma boa crônica.
Não conhecia a canção e nem o cancioneiro.
Toda canção tem o seu sentido.
Bom final de semana e gratidão pela visita.
"Perigo é constante na vida, a vigilância e a proteção são necessárias para manter a segurança e a paz."
Eduardo, que delícia de crônica! É incrível como certas frases ou cantigas grudam na memória sem que a gente perceba, como se fossem heranças invisíveis que passam de pai para filho. Ri alto com o “EUREKA” e com a reação do Eduardinho à letra completa porque sempre chega aquele momento em que o significado aparece e, junto, a surpresa (ou o susto) com o que realmente estava sendo cantado. Você transformou uma lembrança simples numa viagem cheia de afeto, curiosidade e gargalhadas.
ResponderExcluirAbraço
Fernanda
A tua crónica tocou-me o coração — é impressionante como versos simples, herdados do quotidiano, se transformam em memórias vivas e cheias de significado. A tua busca pela música perdida, a descoberta e a cumplicidade com o Eduardinho tornaram esta história um verdadeiro abraço na alma. Obrigada por partilhares tanto afeto e humor.
ResponderExcluirCom amor,
Daniela Silva 🩷🦋
alma-leveblog.blogspot.com — espero pela tua visita no blog
Meu caro Edu, sou obrigado a dizer que - PROVAVELMENTE - esses versos foram apenas aproveitados pelo compositor e que sua origem se perca no tempo e na época de brincadeiras ingênuas. E digo por quê. Nasci em BH, Minas Gerais. Quando eu era criança, lá pelos sete anos (1957), minha mãe brincava comigo dizendo esses versos, mas beliscando suavemente a pele da minha mão. Eu então beliscava a dela e isso se repetia alternadamente com as outras mãos, como se um gavião estivesse segurando a sua presa. As quatro mãos presas umas às outras eram balançadas e soltas simultaneamente. Qual a graça disso? Nenhuma, mas sua origem talvez se perca nos séculos pós descobrimento.
ResponderExcluirvejam só...é possível. Lembro que na minha infância também tinha uma brincadeira assim de ir beliscando as mãos mas com outra modinha.
ExcluirA internet é um assombro , basta determinação e achamos tudo que procuramos, e foi feliz na procura do pinião (essa nossa diversidade de opinião ) , só fico pensando como poderiam cantar com aquele dialeto rsrs brincadeira à parte achei mesmo genial a letra completa e a descoberta do cantor alagoano, Edu .
ResponderExcluirUm texto que li e reli e gosto dessa cumplicidade com o filhote.
Abraço
Olá grande Eduardo! Que espetáculo de resgate cultural! 😄
ResponderExcluirSurpreendido com o duplo sentido e a descoberta da obra completa de Augusto Calheiros.
Além do humor, trouxe-nos uma pequena aula de história da música brasileira, mostrando quem foi “A Patativa do Norte” e a sua importância para o cancioneiro popular. Mais um texto seu que me fez rir, aprender e cantarolar! 😁 Forte abraço!
Grata por esse relato. Encheu meu ❤️
ResponderExcluirVirei mais vezes
Uma investigação que deu os seus frutos.
ResponderExcluirOuvi toda a canção e gostei, apesar de musicalmente ser muito simples. Mas o cancioneiro popular é assim mesmo em todo o mundo.
Obrigado pela partilha.
Tenha uma ótima semana.
Um abraço.
A internet é um mundo particular que achamos de tudo. Que bom que achou a música e ela completa.
ResponderExcluirBoa semana!
O JOVEM JORNALISTA está em HIATUS DE INVERNO do dia 04 de agosto à 08 de setembro, mas comentarei nos blogs amigos nesse período. O JJ, portanto, está cheio de posts legais e interessantes. Não deixe de conferir!
Jovem Jornalista
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Até mais, Emerson Garcia
Ola Eduardo,
ResponderExcluirGostei muito, pois não conhecia o Augusto Calheiros. É sempre bom hoje podermos procurar historias e curiosidades pois a internet descobre tudo.
Valeu por compartilhar,
feliz dia
Muito interessante, obrigada pela partilha!
ResponderExcluirPS: Gostava muito de te convidar a ler o meu ebook gratuito sobre organização e produtividade pessoal, podes pedir já o teu através deste link
Bjxxx,
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Gostei da história.
ResponderExcluirTem coisa que a gente passa a vida inteira fazendo e nunca se pergunta o por quê.
Se não fosse seu filho, vc ia morrer sem saber o que estava cantando...
Adorei a história!!! E há canções que a gente nunca esquece.
ResponderExcluirQue pesquisa fantástica Edu! Você e seu filho poderiam se tornar historiadores, pois trouxeram uma cultura divina que estava esquecida no tempo... "Augusto Calheiros", não tinha nem ideia deste cantor e desta música tão rica. Assim que comecei a ouvir a canção, me veio à memória músicas que Vovô Gervásio ouvia muito antigamente em seu simples rádio de pilha. Muitas tinham essa introdução, esse arranjo tão especial , o coro de vozes no bis que resgatou em mim uma memória muito antiga. INCRÍVEL!!!
ResponderExcluirSeu filho foi muito sagaz ao repercutir o "duplo sentido" da música!
Parabéns aos dois, que resgate surpreendente!!
Maravilhosa semana!! :)))))
rsrsrsrs, você é perseverante, Edu!
ResponderExcluirVi o vídeo, que lindinha a música e letra.
E encontrou a letra bem direitinho, isso
é muito bom, sou mais ou menos assim,
não me entrego para a a desistência,
também vou até o esgotamento tentando
me lembrar das coisas!
rsrs, bravo!
Uma ótima semana!
Abraços
Que texto fantástico , eduardo . Vc resgatou amemória de seu pai juntamente com a música . E o legal de tudo isso é tb a participação de seu filho . As histórias em família precisam mesmo ser resgatadas . Gostei de sua insistência . Eu tb sou assim e se tem alguma palavra resgatada do tempo de minha mãe , ou seja , na infãncia , vou logo buscar a origem . Abraços
ResponderExcluirmeu link
https://kantinhodasmensagens.blogspot.com
De início, pensei ser algo sobre o pintinho correndo e um galo gritando: "encosta o cu na parede". E o pinto: "não adianta, ele quer que eu chupe".
ResponderExcluirOuvindo agora no Youtube. Adorei! Meio baião, meio forró... Gosto do gênero.
Abraços
Edu, que relato bacana! Eu já conhecia alguma coisa do Augusto Calheiros, mas confesso que não essa música completa, só uns trechos soltos. É incrível como essas cantigas atravessam gerações e carregam memórias tão vivas. Gostei demais de ver você resgatando essa história com o Eduardinho.
ResponderExcluirAbração, bom sábado.
Dan