ANO PASSADO eu e meu filho conversávamos sobre o avô Diogo, meu pai. Como não teve uma relação muito extensa de neto-avô, já que meu pai faleceu quando ele tinha apenas 8 anos, eu contava para ele como era a minha relação com o meu pai. Acho que a maior lembrança que ele tem foi quando sem querer, o avô o trancou do lado de fora do apartamento quando estavam sozinhos em casa e levou um bom tempo para perceber que o neto tinha sumido...(depois eu conto esse caso).
Eu contava para meu filho os defeitos e as virtudes do avô. Lembranças eternas e tocantes para mim. Meu pai era um leão quando o caso era nos defender e fazer tudo o que pudesse para nos ajudar em qualquer situação. Um pai presente. Rígido em alguns aspectos e extremamente flexível em outros. Irritantemente, gostava de repetir para nós sua máxima: "Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço". Ou então, "coma o que sua mãe colocar no prato pois menino não tem gosto". Contava histórias à mesa ou na sala com a família ao seu redor. Eu adorava esses momentos. Tanto das histórias folclóricas que ele conhecia quanto histórias da sua infância ou de suas viagens pelo Brasil. E eu contava ao meu filho que tinha uma música que sempre que eu ouvia eu chorava pois me fazia lembrar dele e a saudade batia forte.
Ele me perguntou que música era e eu abri o Youtube...
A música "Naquela Mesa" foi composta por Sérgio Bittencourt em homenagem ao seu pai, o grande compositor Jacob do Bandolim, que havia falecido em 1969 aos 51 anos nos braços da esposa. Sérgio Bittencourt escreveu a canção movido pela dor e pela saudade; no entanto, Sérgio e o pai nunca se deram bem, tinham uma relação conturbada, ambos de personalidade forte e gênio difícil. Sérgio nasceu hemofílico, doença que escondia do público, o que o levou a ser superprotegido pela família, o que o tornou inseguro e arrogante. Era amado ou odiado. Sérgio faleceu aos 38 anos de infarto, igualmente ao pai em 1979. Um ano antes de falecer fez a seguinte declaração que demonstrava que apesar da difícil convivência, ele admirava o pai.
"Tenho certeza e assumo: não sou nada porque de fato, não preciso ser, me basta ter a certeza inabalável que nasci do amor, da loucura, da irrealidade e da lucidez de um gênio".
Compôs outras músicas de sucesso, como Modinha, que foi defendida e se saiu vencedora em um festival na voz de Taiguara. Consta(mas há controvérsias) que Sérgio compôs Naquela Mesa no dia da morte do pai, no velório, escrita em um guardanapo. A mesa virou um símbolo da convivência e da perda para todos que perderam o pai ou ente querido. A canção ficou famosa na voz de Elizeth Cardoso, que era muito amiga de Jacob do Bandolim. Sérgio a entregou diretamente a ela, pedindo que fosse a intérprete da canção, o que deu ainda mais peso emocional à obra.
Naquela Mesa foi gravada por grandes cantores e cantoras da MPB como Agnaldo Timóteo, Ângela Maria, Miltinho, Cauby Peixoto, Chico Buarque e outros, mas a versão que me marcou desde criança quando a ouvi pela primeira vez, foi na voz de Nelson Gonçalves. Meu pai era fã do Nelson e também da música, pois reputava ter sido o pai dele (o avô que eu não conheci) um "cabra macho bom e trabalhador".
Abro o Youtube, procuro a música e mostro para ele. Começamos a ouvir juntos. "Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim..." Quando a música terminou, olhei e vi meu filho com os olhos marejados. Não segurei a emoção e chorei... Nos abraçamos e ficamos ali, parados, sentindo aquela emoção da falta de um e ao mesmo tempo da presença de nós dois. Para mim, até aqui, esse foi o momento mais marcante que tivemos juntos.
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Nelson Gonçalves. Naquela Mesa
Que relato emocionante... uma verdadeira herança de afetos passados a limpo com palavras que tocam fundo. 💔✨
ResponderExcluirVocê conseguiu algo raríssimo: transformar a memória em ponte viva entre gerações. Esse momento entre você e seu filho é mais do que uma lembrança bonita — é um rito de passagem silencioso, onde a saudade do avô se converte em presença no abraço de pai e filho.
A escolha da música “Naquela Mesa” então, é um capítulo à parte. Uma canção que por si só já traz consigo o peso das ausências que nunca deixam de doer — e que, ao ser compartilhada, cria algo novo: uma dor dividida, que vira laço. E nesse laço, há continuidade. Há vida.
Seu texto não é apenas tocante — é um testemunho da importância da memória, da sensibilidade masculina, da presença paterna e da música como elo emocional. É história, é homenagem, é amor em estado puro.
Obrigada por nos permitir esse mergulho.
É o tipo de leitura que a gente termina de olhos marejados, mas com o coração inteiro.
Abração,
Dan
https://gagopoetico.blogspot.com/2025/04/vale-tudo.html
Poxa, valeu pelo comentário e pela visita, Dan.
ExcluirObrigada pela visita no meu Blog. Um Blog que tenho há 19 anos.
ResponderExcluirConheço a música de Sergio Bittencourt. É linda. Toda linda. A letra e a melodia.
Não sabia que ele era hemofílico, mas sabia que morreu muito cedo.
Acho que vamos sempre ter dívidas com nossos pais. Eu tenho.
Tento fazer com que meus filhos, irmãos e sobrinhos, não tenham, mas acho que não vou ter sucesso.
Tudo de Woody Allen me encanta.
Abraço,
Olá, Edu, mas que belíssima crônica!
ResponderExcluirTempêros de saudade, de carinho, de admiração e de amor não faltam! Essa música realmete diz tudo quando eles se vão, e se fixa na cabeça da gente os mesmos sentimentos ao lembrarmos do nosso pai!
Ah, quanta falta me faz o meu, também! E a memória vem a mil! quantas recordações, quantos cuidados tiveram para conosco. Quando vi escrita essa música pensei logo: ih, vem muita coisa tocante por aí, e veio...
E aí vem coisas que penso muito: por que a vida leva nossos pais tão cedo? Quando estamos maduros, pouco tempo temos para devolvermos tanto carinho e cuidados recebido.
Enfim, nada podemos mudar, é assim e pronto.
Aplaudo essa maravilhosa crônica, Edu! E que lindo o teu relacionamento com teu filhote!
Abraços daqui do Sul.
Boa tarde de quinta-feira. Com muita paz e saúde Eduardo. Obrigado pela visita e comentário. Nossa cidade possui Museus maravilhosos e gratuitos.
ResponderExcluirAi, maravilha, Eduardo, que postagem mais bela, mais ternurenta e você é mesmo um gênio, desses doidos mesmo! Valha-me Deus! Que história, Na fazenda à noite todas nós trabalhávamos sentadas ( as viúvas, mãe, avó e bisavo) e à mesa, cresciam toalhas amarradas e lindos crochês e nós, filhas, netas e bisneta, ouvindo Elizethe Cardoso, Inezita Barroso, etc... Hits daquela época! Tive uma aula espetacular numa cena linda de você e seu filho. Até perdoei seu pai por usar aquelas duras frases machistas a você, Eduardo, doce criatura que na sua ânsia de vida com seu filho, vai moldando-o dignamente a ser um bom homem! Isso é tudo! Ser bom e viver conforme o que lhe mandar o coração! Parabéns pelo Sergio Bittencurt e seu pai, Jacob do Bandolin, famoso e ainda o é. Amei! Um grande abraço a você e ao seu filho! Prossiga com esse contato lindo a ele!
ResponderExcluir"(deposi eu conto esse caso)"
ResponderExcluirÓ...! Que negócio é esse de me deixar na curiosidade? Agora você vai contar, meu querido! Faz isso não!!
Meu pai teve um jeito bem parecido em relação ao seu. Acho que a criação dele, na época, tinha essa tendência. A gente é que foi mudando essa coisa toda. Ainda bem. Porque tinha aquela bobeira de que homem não chora e outras durezas que o homem tinha que aguentar. Quaando meu pai se foi, ele já permitia a certas coisas mais sentimentais, mas algo ficara enraizado, sabe? Era meio que automático. Quem sabe um dia falo sobre isso no meu espaço. Ficaria muito grande como comentário. A música que me lembra meu pai, um delas é a do Fábio Júnior "Pai". Infelizmente. Por quê? Se eu um dia postar no blog, você vai saber.
Um abraço. Você me me emocionou um pouco, tio Dudu.
Eu adorei a sua emotiva e emocionante crônica, que me fez reavaliar a música e o Sérgio Bitencourt. Não sabia de seus problemas de saúde, apenas me lembro dele como jurado do programa do Flávio Cavalcanti, um antro de gente insuportável. Talvez por isso, ao ouvir o "Naquela mesa" eu a tenha odiado de cara, muito inferior à absurda beleza das composições do Jacob. Hoje, graças à sua crônica, já precisarei vê-la com menos antipatia. Mas continuo gostando mais das músicas do pai
ResponderExcluirDe fato, Jacob era muito talentoso mas o filho dava suas cacetadas. Sim, ele era insuportável mas tinha quem gostasse do seu estilo. Chegaram a rivalizar, pai e filho artisticamente. Diria que era uma relação de amor e ódio com mais ódio declarado e o amor mesmo só aflorou depois que o pai morreu.
ExcluirBom dia Eduardo,
ResponderExcluirUm crónica linda, emotiva, em que na verdade transmitiu para seu filho as histórias passadas com seu pai, que o menino interiorizou como se estivesse presente no tempo.
Muito bonita essa relação pai/filho, que muito orgulhará seu pai, no lugar onde está.
Beijinhos e bom fim de semana.
Emília
Eita Dudualdo, que lindo! Confesso que chorei aqui também...
ResponderExcluirEu sou chorão. Minha esposa mais durona dá risada da minha manteiguisse para coisas emocionantes.
Seu depoimento foi muito legal e que bacana a relação sua com o seu pai e a relação sua com o Dudualdinho.
Parabéns meu amigo!
O Dudualdinho vai ser seu companheiro para sempre.
Um abraço!
Oi Eduardo, passei pelo seu blog e vi essa postagem, achei linda sua crônica. Fiquei emocionada, e até lembrei de meu pai que não está mais aqui. Como é bom ler textos que nos fazem sentir emoções tão belas, vi que todos sentiram o mesmo. Parabéns pela escrita e por sua relação com seu filho, aproveitem bastante o tempo juntos!
ResponderExcluirCrónica verdadeiramente bonita! Muitos Parabéns!
ResponderExcluirBjxxx,
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Edu,
ResponderExcluirHoje só vim ler,
pra comentar volto
durante a nova semana.
Mas já digo que gostei
do tema logo de cara.
Desejo a você junto aos seus
um bom fim de semana.
Bjins
CatiahôAlc.
Boa tarde de domingo e bom início de semana. As vezes lembro das histórias dos meus avós maternos e paternos, também de uma tia que contava dos meus bisavós. Tem um ponto de ?, nessa parte Sá história kkkkk. Prefiro nem comentar kkkkk.
ResponderExcluirOlá grande Eduardo!
ResponderExcluirSão esses momentos de pai e filho que marcam-nos fortemente. Adorei ler o que escreveu. Também tenho momentos muitos fortes assim com o meu pai. É incrível como não existem histórias iguais, mas rimam!
Sinto muito que o seu pai já tenha partido.
Um forte abraço para si! 🤗
Uma crónica cheia de sensibilidade e memórias. Emocionei-me com ela. Gostei muito de ouvir a canção "naquela mesa". Gostava de ter uma história assim para contar.
ResponderExcluirUma boa semana.
Um beijo.
Talvez o seu filho conte aos seus netos esta bela história.
ResponderExcluirNão conhecia a música, mas fiquei arrepiado ao ouvi-la. Tocou-me profundamente.
Boa semana e Páscoa Feliz.
Um abraço.
É interessante e bom estas partilhas. Acho que são realmente as memórias que ficam :)
ResponderExcluirOs meus parabéns :)
Boa semana!
P.S: Já estou a seguir de volta também :)
Oi Edu, fiquei emotiva lendo suas palavras. Já ouvi essa máxima sobre a comida, porém de maneira um pouco diferente. Fico pensando quantas pessoas não tiveram uma reação alérgica e até m0rreram por conta dessa estupidez. Ignorar o que o corpo diz, até mesmo em forma de "não gosto" é uma péssima ideia. Também adoro essas histórias de família, mas no meu caso ouvi de minhas tias, não lembro de meus avôs ou minha avó contando nenhuma. A música 'Naquela mesa' me lembra muito churrasco de domingo com meus tios cantando aos berros... hahaha...
ResponderExcluirAté breve;
Helaina (Escritora || Blogueira)
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