Clube de Detetives Pão de Queijo

terça-feira, 29 de abril de 2025

Pai e Filho - O Manuscrito

 


MEXENDO em uns papéis velhos da escola do Eduardinho, encontrei um já rasgado com uma história escrita. Perguntei-lhe quando  tinha escrito o texto. "Faz tempo, pai, foi antes da casa pegar fogo..."(depois eu conto essa história). Então ele tinha dez anos. 

Muito se discute hoje como fazer os jovens gostarem de ler e muitas opiniões são dadas mas para mim uma coisa é básica: Uma criança terá o gosto pela leitura em uma razão proporcionalmente direta ao quanto ela encontra de livros em casa e quanto os pais leem. Desde que ele aprendeu o alfabeto em casa com vídeos educativos e começou a ler com 4 anos, comprei uma penca de livros infantis para ele. Eu lia para ele antes de dormir. Quando fez 8 anos, comprei a coleção completa dos livros de Monteiro Lobato e lhe pedi que a cada livro que lesse, fizesse uma anotação em um caderno do que ele tinha achado. Hoje em dia ele confessou que achava aquilo muito chato mas fazia porque eu mandava...pô, eu só pedia com carinho...mas creio que isso facilitou sua leitura e escrita. Ele já escreveu um livro de 200 páginas aos 13. Está escrevendo um conto e vai escrever a continuação do livro. Depois eu posto aqui em uma "Crônica Literária".

Vou deixar aqui o continho que ele escreveu com dez anos. (como ele não deu um título, vou deixar sem e digitar exatamente como ele escreveu)

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O mundo está uma loucura: Ondas irregulares, a falta de água, a temperatura beirando os 70 graus...estava tudo um inferno e tudo culpa de uma ideia idiota de um menino prodígio chamado Rick.

- Eu vou consertar - dizia ele para si mesmo eufórico. - Só preciso voltar alguns dias antes, a liberdade ainda deve ter um pouco de carga. 

Liberdade é uma máquina pequena, mas engenhosa capaz de levar o usuário a qualquer lugar de qualquer data, porém ela está um pouco danificada e quase sem carga, forçando Rick a voltar apenas há um dia atrás.

Ele apertou uma série de botões na Liberdade que resultou num portal de coloração esverdiada. Rick se apressou e entrou no portal, deixando o mundo de caos e desespero para trás; o portal se fechou.

Rick sentiu o seu corpo se esticar e um mal estar gigante, mas o momento ruim logo passou e ele se viu no dia 03/09/2123 num quintal bonito com um garoto de 15 anos idêntico ao Rick dando uns toques finais numa máquina que concede ao usuario a proeza de ir a qualquer lugar de qualquer data, que apelidou o protótipo de Liberdade; a máquina de Rick quebrou na viagem.

- 30 minutos- pensou Rick - tenho apenas 30 minutos para mim impidir de tentar pegar algumas pedras de marte para fazer pesquisas.

- Esta feito! - gritou o menino quando terminou a máquina - eu só preciso revisar meu plano antes de começar. - O garoto abriu um caderno que estava ao lado dele e em uma página qualquer tinha anotado um plano relativamente simples para pegar um pouco do solo e rochas de Marte para fazer algumas pesquisas sobre vida nele.

Subitamente ele vira para o lado e vê um vulto indo em sua direção. - Quem é você?! gritou o menino com uma voz tremula - eu...sou você - respondeu Rick, chegando um pouco mais perto dele. O garoto começou a reparar que a pessoa que estava em sua frente era identica à ele.

- Como você chegou aqui? - Perguntou o garoto - não tenho tempo para explicar, agora eu só preciso da sua máquina - disse Rick, pegando a Liberdade e dando meia-volta. Ei, - gritou o menino- demorou um ano para eu terminar! - desculpe Rick, mas se eu deixar isso com você vai acabar com a lua cortada na metade. disse Rick: Como assim? perguntou o garoto meio assustado. Rick deu um suspiro de ódio - se eu te contar a história você me deixa ir com a máquina? - sim - respondeu o garoto.

Rick calculou que ainda tem 10 minutos restantes e começou a contar: Você irá errar as coordenadas e o portal vai surgir em volta da lua, fazendo parte dela ficar para o seu lado do portal, quase não te atingindo por pouco e quebrando o teto e parede da sua casa. Você, no momento do choque, vai por instinto apertar o botão de fechar o portal, que resultará no portal se fechando e cortando a lua como se fosse de papel. Nas primeiras horas, nada de diferente acontecera, apenas parte da lua dentro de sua casa, mas depois de mais ou menos 15 horas, a mudança de peso na lua irá fazer ela se desgrudar do campo gravitacional da terra, resultando no fim do mundo...


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Quando eu achei o manuscrito e mostrei pra ele, sempre crítico falou: "Isso tá uma bosta, eu era uma criançinha...nem cheguei a acabar a história.." Eu ri. Disse que ainda assim, estava bem legal e que ia publicar aqui. Ele fez cara feia. Então tá, filhão, dá cá um abraço.

A historinha é confusa mas valeu pelo exercício de escrita e criatividade.




O manuscrito




Seu caderno de "resenhas"






sábado, 26 de abril de 2025

Deixa de Arte, Menino!

 

NA MINHA CRÔNICA anterior, recebi comentários muitos auspiciosos! Perdão, não sou assim tão formal(só quando incorporo um autor do século 19), eu só queria mesmo uma oportunidade de usar essa palavrinha que acho tão legal...

Os blogueiros que comentam por aqui sempre deixam colaborações interessantes que enriquecem o meu texto. Tem comentário tão interessante que dá vontade de colar aqui e tecer novas crônicas a partir deles! (acho que vou começar a fazer isso e abrir uma nova temática: Crônicas Reagentes).

Isso aconteceu com um comentário do poeta  Dan André. Ele entendeu de forma diversa uma expressão que eu usei: "quem faz arte não tem tempo de fazer arte" e apesar dele não ter captado o significado simbólico que eu dei à expressão, fez um comentário belíssimo que eu precisei repetir aqui: 

Essa tua frase bateu fundo: “quem faz arte não tem tempo pra fazer arte”. Te entendo sim — é o paradoxo de viver mergulhado no sentir, mas nem sempre conseguir transformar isso em obra. Mas, de um jeito ou de outro, a arte escapa, né?

Quando menino, eu ouvia muito minha mãe dizendo "aquele menino é arteiro" ou "aquele menino só faz arte" - e no caso, não se refere à arte artística, e sim, uma expressão muito usada no Nordeste e também no Sudeste do Brasil para significar uma traquinagem, bagunça, aquela travessura que toda criança gosta de fazer. 

Talvez o Poeta não conheça a expressão, mas de qualquer forma, construiu uma argumento tão bom para "quem faz arte não tem tempo de fazer arte" que me obrigou a replicar aqui.

"É o paradoxo de viver mergulhado no sentir, mas nem sempre conseguir transformar isso em obra", comentou ele e isso é formidável, pois é raro mas acontece sempre...De fato, muitas vezes a arte está dentro do nosso  universo interior mas alguma coisa a impede de sair! Seria o caso da famoso "folha em branco" Ou atualizando, "cursor piscando". E a coisa não sai e você olha para a folha e você olha para o cursor piscando num claro desafio como te perguntando: "Não vai escrever nada"? "A inspiração foi embora"? 

Também me deparei com um verso instigante da blogueira do amor(desculpe, Rosélia, pela alcunha, mas é assim que te vejo) que diz respeito ao assunto da dificuldade que o artista tem de parir sua arteEm um dos seus versos, ela diz:

"Na extrema solidão, recebe um talento inusitado do apreço pela leitura e pela escrita. Comprime seu talento ao peito, espreme a inspiração...(blogue Amor Azul (Aqui)).

E esse verso me fez lembrar de uma citação de Carlos Drummond de Andrade sobre a luta com a inspiração e com as palavras. Assim comentei ao poema de Rosélia:

Solidão e escrita caminham juntos. Escrever é se trancar em si mesmo e deixar essas nossas amigas - as palavras - às vezes tão solidárias, outras vezes tão arredias, brotar de nossa pena assim, de forma espontânea ou como, quem faz um parto difícil... As palavras não se deixam domesticar facilmente. É uma luta. E para o nosso poeta maior Drummond, é uma luta vã.

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quarta-feira, 23 de abril de 2025

A Arte Pode Salvar

 



EU ACREDITO MESMO nessa frase, de que a arte pode salvar. Quem faz arte não tem tempo pra fazer arte, se é que você me entende. A banda materna da minha família é toda mergulhada na música. Meu avô era compositor e maestro. Compôs a que até hoje é considerada a música que mais representa a cidade de Natal, RN(conto esse caso depois). 

Todos meus tios, incluindo minha mãe, eram envolvidos com música. Um tio, Vivaldo Medeiros, tinha um estúdio aqui no Rio onde ensinava violão clássico, popular e cavaquinho. Acompanhou  muitos cantores, apareceu até em filme da velha Atlântida. Quando menino, contava minha mãe, solou o Hino Nacional no cavaquinho diante da escola toda formada. 

Minha mãe Valda cantava muito bem, muito afinada. Como era evangélica, só cantava na igreja. Teve uma época que meu pai cogitou levá-la a uma gravadora cristã. Ela declinou e agradeceu. Era extremamente humilde e dizia que não saberia se portar na igreja tendo um disco gravado. Uma prima minha, filha da minha tia Valdenise, esta sim, chegou a gravar um disco por uma conhecida gravadora cristã aqui do Rio, a MK Publicitá. Porém, a prima Elisabethe sofria do mesmo problema da minha mãe: muito humilde e sem nenhuma pretensão para ser artista contratada. Foi dispensada pela gravadora depois do primeiro disco gravado  porque lhe faltava-lhe o glamour...hoje, continua cantando nas igrejas mas sem vínculo artístico com nenhuma gravadora. A arte verdadeira deve ser livre...

Minha mãe, além da música, gostava muito de literatura. Escrevia muito bem e lia de forma ávida tudo  o que podia, até bula de remédio e classificados de jornal e só tendo cursado a antiga quarta série que talvez hoje, pela decadência do nosso ensino, deva se igualar à nona série do Ensino Fundamental...O livro que mais lia era a Bíblia. Se não me falha a memória, leu a Bíblia toda 12 vezes.  Herdei dela o gosto pela leitura, escrita e pela música. Aos 13 anos eu tinha uma obsessão: aprender a tocar violão. Na ausência do instrumento em casa, fiz umas gambiarras para aprender as posições das notas no braço do violão, mas isso eu conto outro dia. Na falta do violão, me embrenhei nos livros, gibis, na escrita de histórias em cadernos e nos desenhos de histórias em quadrinhos que eu fazia em papel de pão (uma folha grande, ótima para desenhar onde as padarias da época embrulhavam os pães). Minha mãe era a minha única e entusiasmada leitora.

A ARTE PODE SALVAR! Ao dizer isso, fico lembrando de todos os trabalhos socias que muitos grupos fazem em comunidades carentes levando música, teatro e literatura para o povo. Enquanto o menino está aprendendo a tocar um instrumento, enquanto estiver com um livro na mão, enquanto estiver envolvido em qualquer outra arte, a sedução do banditismo que está ali, tão perto dele, será menor. Nos anos 90, tive um grupo de teatro amador e fazíamos apresentações em igrejas, escolas e  também ações sociais e festivais culturais. Via como a arte seduzia os jovens.

Que nossas escolas ensinem português e matemática mas busquem também, inundar a cabeça da garotada com arte. E toda arte vale a pena. (menos a arte progressista pós moderna...).  


Vivaldo Medeiros. Fobó na Roça . 1956


canal youtube: https://www.youtube.com/watch?v=jLIumhK-_24


A PRIMA BETH gravou esse disco gospel no começo dos anos 2000. Não consegui extrair nenhuma música, por isso vou deixar pra quem quiser ouvir um pouquinho, o link no youtube:  https://www.youtube.com/watch?v=d7ipi9SQsso




AH, JÁ IA ESQUECENDO....o baneer que ilustra o texto, lá no início, eu criei para um dos meus antigos blogues, e ele ilustrava bem os meus interesses: cultura e arte.

AH, E QUEM SABE, um dia posto eu dando um tostão da minha voz ao som do meu violão para vocês...(sim, porque pagar mico também é uma arte)


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sábado, 19 de abril de 2025

Vai, Nazareno

 

HÁ MUITO ESCREVI um poema sobre Jesus e a páscoa cristã que se perdeu na multidão de meus arquivos digitais. Sei que tinha publicado no Face mas achar uma postagem de tanto tempo por lá é uma "Via-Crúsis"... Então, decidi rememorar e reescrever o poema. Era como se fosse a ressureição do poema...ideia bem propícia à época. 

Ficou assim: 


Vai, Nazareno

Olha esse povo como te segue

Como ovelhas desgarradas

Em busca de um pastor


Vai, Nazareno

Proclama  palavras de esperança

Fala outra vez de um novo reino

Que está prestes a chegar

Fala com o  Samaritano

Fala com o romano

Fala com o fariseu 

Fala até comigo,

Um pobre ateu


Vai, Nazareno

vai cumprir tua sina

vai de peito aberto

potestades não te calarão


Vai, Nazareno

Tua manjedoura foi pobre mas  alegre, 

Teve bichos e magos e estrela no céu

Mas teu derradeiro ato, Nazareno, 

Será de sofrimento, angústia, dúvidas e fel


Vai, Nazareno 

Cumprir tua sina

Vai nos ensinar o que é ter coragem, 

O que é superar dor e aflição 

E de peito aberto, dizer "missão cumprida"

Render teu espírito

Para que nasça a ressurreição.



Eduardo Medeiros,

Páscoa de 2025

* * * * * * *

Não sei se consegui captar a essência do original mas tá aí.

E só pra esclarecer quanto ao "pobre ateu", não me considero como tal

mas certamente minha forma de entender Deus para os cristãos devotos

seria uma forma de ateísmo.


Tudo bem, tudo certo, ficou como frase de efeito

Considero-me um cristão do meu jeito.


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Pra completar a obra,

pedi para a compositora IA Suno

colocar uma música no poema. 


FICOU ASSIM.




terça-feira, 15 de abril de 2025

Procópio, o Retardatário

 


ERA TÃO SEM PRESA, MAS TANTO, TANTO, que levou mais de vinte e quatro horas para nascer. Ficava no vai não vai ou vem não vem. A mãe já  prostrada, exausta, sem forças para fazer força quando a médica lhe dizia "Forçaaaaaa!!!" Quando a médica já ponderava fazer uma cesária pra arrancar o menino lá de dentro,  depois de muitos "Aiiinn", "Ughhhh", "Sai, seu filho da puta..." berrados pela mãe, viram que por baixo ele não sairia mesmo, confirmando as ponderações da médica. "Ele subiu, o danadinho tá se escondendo.." disse a médica à uma enfermeira. Cesária feita, eis que ele vem ao mundo contrariado. Levou 5 minutos para chorar. De raiva. 

Aos 5 anos ele perguntou ao pai:

- Pai, porque meu nome é Procópio? 

- Procópio era o nome do seu bisavô, um importante empresário do ramo de calçados, seu nome é uma homenagem a ele. Sem falar que Procópio também era o nome de um grande ator brasileiro, o Procópio Ferreira...

-Mas pai, meus colegas de escola se  chamam Lucas, Ricardo, Maria... 

- Nomes comuns, meu filho, seu nome é especial. Um nome forte: Pro-có-pio!

Ficou pensando que quando fizesse 18 mudaria seu nome para Enzo.

Procópio apesar de lerdo, era inteligente, foi o primeiro da classe em todo o Ensino Fundamental, o que era extraordinário, já que nunca estudava e sempre chegava atrasado nas aulas. 

- Procópio, onde você estava? A aula já começou faz vinte minutos!

- Eu esqueci que tinha aula agora, professora. 

- Mas como assim, esqueceu? Onde você estava? É proibido ficar no pátio depois do recreio!

- Eu estava trancado no banheiro, professora, estava pensando como a vida é corrida...! 

- E ontem, você chegou com meia hora de atraso. 

- Vi um gato dormindo em cima  de uma moto e fiquei olhando para ele...

Gatos eram animais inteligentes. Calmos. Dormiam muito e não tinham presa pra nada, a não ser para subir no telhado pra pegar gatas. Não faziam festas estripuliosas quando viam o dono chegar como os cachorros, bichos estressados e agitados que babam com a língua pra fora. Ponderou que a melhor vida a ser vivida era a vida de um gato. Os cachorros pensam que os donos são deuses pois lhe dão abrigo, comida e carinho. Gatos não, gatos pensam que eles são os deuses, já que não fazem nada e os donos lhe dão abrigo, comida e carinho...

Recado da professa para os pais que ele entregou à mãe com uma cara de fastio: "O Procópio, apesar de ser um bom aluno, é muito displicente, está sempre se atrasando, se desliga da realidade, seria bom levá-lo a um psicólogo". A mãe nem comentou com o pai, e mandou outro recado para a professora dizendo que o filho não tinha nenhum problema, que só era um pouco desligado e desacelerado. Era um menino zen, que vibrava em uma frequência diferente do resto das pessoas apressadinhas e estressadas.

No Exército, ficou vários dias detidos por deixar de cumprir ordens do sargento. "Depois eu faço, Sargento, tem que ser agora...?" No dia do juramento à bandeira, depois de cumprir seu serviço militar obrigatório, acordou já eram sete da manhã e todos os demais soldados já estavam fardados prontos para a cerimônia. O sargento responsável pelo seu pelotão relevava a lerdeza de Procópio pois admirava como ele aprendia tudo muito rápido. Na aula de desmontar e montar um fuzil foi capaz de repetir o passo a passo sem errar nada, enquanto os demais se enrolavam sem saber onde enfiava cada peça. Aquela dicotomia entre a rapidez de aprendizado e lerdeza de ação era um causo interessante. 

Procópio tinha abandonado os estudos depois do Ensino Médio porque achava tudo chato. "Mas não vai cursar uma faculdade? O que quer fazer da vida"? perguntava o pai. Ele só ficava olhando o pai de forma serena e tranquila e depois de um tempo pensando, dizia que iria resolver depois, só precisava de um tempo maior, porque tinha que resolver aos 22 anos o que iria fazer da vida? O pai replicava que na idade dele já pegava no batente ao lado do avô na loja de sapatos da família. 

Vender sapato é tão chato, pensava Procópio observando uma fila de formigas que subia pela parede da cozinha. 


* * *

E nem te conto agora como Procópio resolveu ser marceneiro e o que aconteceu no dia do seu casamento.




quarta-feira, 9 de abril de 2025

Naquela Mesa (Crônica de Pai, Filho e Avô)



ANO PASSADO eu e meu filho conversávamos sobre o avô Diogo, meu pai. Como não teve uma relação muito extensa de neto-avô, já que meu pai faleceu quando ele tinha apenas 8 anos, eu contava  para ele como era a minha relação com o meu pai. Acho que a maior lembrança que ele tem foi quando sem querer, o avô o trancou do lado de fora do apartamento quando estavam sozinhos em casa e levou um bom tempo para perceber que o neto tinha sumido...(depois eu conto esse caso).

Eu contava para meu filho os defeitos e as virtudes do avô.  Lembranças eternas e tocantes para mim. Meu pai era um leão quando o caso era nos defender  e fazer tudo o que pudesse para nos ajudar em qualquer situação. Um pai presente. Rígido em alguns aspectos e extremamente flexível em outros. Irritantemente, gostava de repetir para nós sua máxima: "Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço". Ou então, "coma o que sua mãe colocar no prato pois menino não tem gosto".  Contava histórias à mesa ou na sala com a família ao seu redor. Eu adorava esses momentos. Tanto das histórias folclóricas que ele conhecia quanto histórias da sua infância ou de suas viagens pelo Brasil.  E eu contava ao meu filho que tinha uma música que sempre que eu ouvia eu chorava pois me fazia lembrar dele e a saudade batia forte. 

Ele me perguntou que música era e eu abri o Youtube...

A música "Naquela Mesa" foi composta por Sérgio Bittencourt  em homenagem ao seu pai, o grande compositor Jacob do Bandolim, que havia falecido em 1969 aos 51 anos nos braços da esposa. Sérgio Bittencourt escreveu a canção movido pela dor e pela saudade; no entanto, Sérgio e o pai nunca se deram bem, tinham uma relação conturbada, ambos de personalidade  forte e gênio difícil. Sérgio nasceu hemofílico, doença que escondia do público, o que o levou a ser superprotegido pela família, o que o tornou  inseguro e arrogante. Era amado ou odiado. Sérgio faleceu aos 38 anos de infarto, igualmente ao pai em 1979. Um ano antes de falecer fez a seguinte declaração que demonstrava que apesar da difícil convivência, ele admirava o pai.

"Tenho certeza e assumo: não sou nada porque de fato, não preciso ser, me basta ter a certeza inabalável que nasci do amor, da loucura, da irrealidade e da lucidez de um gênio".

Compôs outras músicas de sucesso, como Modinha, que foi defendida e se saiu vencedora em um festival na voz de Taiguara. Consta(mas há controvérsias) que Sérgio compôs Naquela Mesa no dia da morte do pai, no velório, escrita em um guardanapo. A mesa virou um símbolo da convivência e da perda para todos que perderam o pai ou ente querido. A canção ficou famosa na voz de Elizeth Cardoso, que era muito amiga de Jacob do Bandolim. Sérgio a entregou diretamente a ela, pedindo que fosse a intérprete da canção, o que deu ainda mais peso emocional à obra.

Naquela Mesa foi gravada por grandes cantores e cantoras da MPB como Agnaldo Timóteo, Ângela Maria, Miltinho, Cauby Peixoto, Chico Buarque e outros, mas a versão que me marcou desde criança quando a ouvi pela primeira vez, foi na voz de Nelson Gonçalves. Meu pai era fã do Nelson e também da música, pois reputava ter sido o pai dele (o avô que eu não conheci) um "cabra macho bom e trabalhador". 

Abro o Youtube, procuro a música e mostro para ele. Começamos a ouvir juntos. "Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim..." Quando a música terminou, olhei e vi meu filho com os olhos marejados. Não segurei a emoção e chorei... Nos abraçamos e ficamos ali, parados, sentindo aquela emoção da falta de um e ao mesmo tempo da presença de nós dois. Para mim, até aqui, esse foi o momento mais marcante que tivemos juntos.


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Sérgio e Elizeth Cardoso



Jacob do Bandolim



Eduardos. Eu, Carlos Eduardo; ele, só Eduardo (porque na família tem um monte de Eduardos por tradição e depois eu conto porquê)




Eu, talvez com uns 5 anos com meu pai. 








sexta-feira, 4 de abril de 2025

Love Story

 







Maria Tereza e Maria da Glória passeavam  pela calçada à beira-mar. O sol já se ia longe num belo entardecer. João Vicente vinha em sentido oposto. Logo viu Maria Tereza, apaixonou-se. Aquelas paixões imediatas, impositivas, quase perturbadoras, mas foi Maria da Glória que antes, por ele se apaixonou.  Aquelas paixões imediatas, impositivas, quase perturbadoras. O sorriso que João Vicente endereçou aos lindos olhos de Maria Tereza foram recebidos com desprezo. Não sabia (como poderia saber?) que o coração de Maria Tereza era terreno árido, impenetrável e  o olhar mavioso e receptivo que Maria da Glória endereçava ao olhar de João Vicente, da mesma forma ignorado foi. Os olhos que o moço queria eram os olhos de Maria Tereza, não os olhos de Maria da Glória. Em angustiante desconexão do acaso, os três por si passaram, João Vicente de chapéu na mão, estatuado em uma reverência decorosa para Maria Tereza que semblante fechado, o  ignorou mais uma vez. O rapaz sofreu a indiferença daquela que tinha certeza, poderia ser sua grande paixão, sem perceber que talvez a outra, essa paixão pudesse vir a ser. João Vicente quedou-se conformado, a olhar as duas se distanciando, angustiado que o amor o tinha recusado. 

O mesmo pensou Maria da Glória.

E foram infelizes para sempre.


Eduardo Medeiros.