MARIA TEREZA, logo após tomar seu primeiro café na copa da empresa onde trabalhava, dirigiu-se ao departamento de pessoal para resolver logo pela manhã uma demanda legal. Pediu licença ao entrar e dirigiu-se à mesa da secretária Judite Gonçalves. Antiga no cargo. Conhecida e admirada pelo vasto conhecimento de leis, portarias e regras relativos ao mundo do trabalho.
— Vim dar entrada em meu pedido de licença-maternidade, disse sorrindo Maria Tereza.
— Ora, enfim você conseguiu a adoção que estava buscando?
— Sim, saiu ontem, estou muito feliz!
— Muito bem, Maria Tereza, está com os documentos da adoção?
— Sim, claro.
Maria Tereza passa às mãos da secretária um documento.
— É...eu preciso da certidão de nascimento atualizada da criança ou a sentença de adoção.
— Então, tá aí.
A secretária olha melhor o documento.
— Mas isso é um certificado de nascimento inválido...
— Como inválido se sou mãe adotiva?
—Você adotou quem?
— Ora, meu bebê. Adotei ontem mesmo. Preciso dessa licença que toda mãe tem direito para passar mais tempo com ele.
Era nítido a expressão de felicidade materna no rosto de Maria Tereza e o olhar de desconfiança e indagação da secretária Judite Gonçalves.
— Você não adotou uma criança...isso aqui é uma certidão fictícia de adoção de um bebê... reborn...! Comprovante de compra de um boneco!
Foi nítida a expressão de contrariedade no rosto de Maria Tereza.
— Como boneco? Como ouça me ofender assim?
— Maria Tereza, bebês reborn não dão direito à licença maternidade...
— Como não? Isso é um total desrespeito aos meus sentimentos! Eu me sinto mãe, EU SOU MÃE!
— Você pode até ser, mas sem licença.
Maria Tereza tomou rispidamente o documento das mãos da secretária, deu meia-volta, muito contrariada e lançou a ameaça virando-se ao chegar à porta:
— Isso não vai ficar assim! Me senti desrespeitada, humilhada, vítima de preconceito cruel e desumano. Meu bebê não merece isso, eu vou processar esta empresa. VOU PROCESSAR!
* * * * *
Maria Tereza, pela segunda vez, sentiu-se aviltada com a opinião do advogado que ela contatou para explicar sua demanda. O advogado disse ser causa perdida, nenhum juiz iria lhe conceder licença-maternidade por causa de um bebê reborn.
Maria Tereza não se intimidou. Criou uma ONG chamada "Bebês Reborn Importam" (BRI). Fez contato com deputada do PSOL, conseguiu uma verbazinha pública para tocar sua ONG. Fez palestras, vídeos no youtube, Instagram e Tiktok. Não criou um blog pois lhe disseram que a audiência era muito baixa. Foi uma comoção de início, ganhou muitas seguidoras e apoio, porém, com o passar do tempo, a onda reborn foi arrefecendo e outras pautas tomaram seu lugar, como a nova onda de bonecas adultas reborn criadas para satisfação libidinosa de homens inseguros, frágeis emocionalmente e fascistas - segundo opiniões de feministas. Então a ONG BRI, passou a atacar o comércio dessas bonecas sexualizadas e ultrarrealistas que homens machistas e opressores começaram a divulgar nas redes.
De tanto militar de um lado e de outro, recebendo críticas de todos os lados, inclusive dos homens com mulheres reborn - se vocês podem ter bebê porque nós não podemos ter mamães? - indagavam eles - Maria Tereza tomou uma atitude drástica: anunciou o filho nos classificados do site Enjoei e comprou um boneco homem reborn, musculoso e bem dotado. Talvez esse lhe fosse de maior serventia.
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Qualquer coincidência com a realidade não é coincidência. De fato, na Bahia, uma mulher tentou pedir licença maternidade por causa do seu bebê reborn. E as bonecas mulheres reborn estão se encaixando (ou sendo encaixadas!!) no mesmo contexto dos bebês. O cotidiano nosso está muito interessante.
Sem querer pegar pesado demais (mas já pegando), o maior problema das "mamães" reborn deve ser a higiene íntima. Antigamente e com quase a mesma utilidade existiam as bonecas infláveis. Recentemente, vi em um programa de televisão uma mulher que queria fazer cirurgia plástica para ficar igual a uma boneca inflável. Mundo louco esse nosso!
ResponderExcluirEduardo, sua crônica é um retrato sagaz e impiedosamente cômico do nosso tempo afetivo e delirante. Maria Tereza, com seu bebê reborn e sua sede de pertencimento, representa esse território difuso entre o desejo de ser reconhecido e o ridículo onde às vezes caímos tentando sê-lo. Você conduz a narrativa com leveza e ironia precisa, equilibrando crítica social e humor absurdo sem nunca perder o ritmo. A troca do bebê pelo boneco musculoso no final é de uma inteligência sarcástica deliciosa como se o afeto, no fim, também fosse um produto que se enjoa e se troca. Rimos, mas com desconforto. E é isso que a boa crônica faz: expõe o esquisito do mundo com graça e um leve tapa na nossa consciência. Bravo! 🙌🏻
ResponderExcluirFernanda
Qué post tão simpático, adorei esse vislumbre do dia-a-dia que nos aproxima tanto dos outros! Boa semana!
ResponderExcluirCom carinho,
Daniela Silva 🦋
Visita o meu blog: https://alma-leveblog.blogspot.com
Pois é, Eduardo, o mundo virou de ponta cabeça, o melhor que a gente faz é fugir dessa viela, dessas loucuras que nos tiram o oxigênio. A sua crônica é primorosa, brinca com leveza, com humor, e escancara os delírios vividos pela sociedade, ou parte dela. Ainda bem que não precisamos nos esconder nos braços do instante.
ResponderExcluirUm abraço,
Um conto reborn! Fabiano escreveu uma antologia bacana com essa pegada. Recomendo, caso não tenha visto.
ResponderExcluirAbraços
A humanidade é desumana, diria Renato Russo! 😺
ResponderExcluirNova tirinha publicada.
Abraços 🐾 Garfield Tirinhas.
Sua crónica brinca, falando sério, deste mundo louco em que vivemos. Gostei se o ler.
ResponderExcluirUma boa semana.
Um beijo.
Só posso dizer AFFFFFF!
ResponderExcluirCada uma que inventam que não dá pra acreditar,né? Linda crônica! abraços, tudo de bom,chica
Há pessoas para tudo e mais alguma coisa.
ResponderExcluirMesmo que essas coisas sejam absurdas, há sempre quem as abrace e faça disso uma causa.
Boa semana.
Um abraço.
Esse mundo tem coisa que até Deus duvida!
ResponderExcluirBoa semana!
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Até mais, Emerson Garcia
É engraçado mas preocupante. Já ouvi varias historias de bebe reborn. Ate na novela ele foi parar. Bem interessante sua crônica.
ResponderExcluirA moda agora é levar os bebes para não enfrentar filas ou ganhar lugares no ônibus e no metro.
Feliz dia