NO BOTEQUIM DO JOCA, os frequentadores de sempre, todos aposentados septuagenários e que não aguentavam ficar em casa o dia todo coçando saco e ouvindo a mulher reclamar. Discutiam as questões urgentes do mundo enquanto bebiam cerveja às 11 horas da manhã. Na mesa do canto, Tonho, Luiz, Osvaldino e Caetano, todos pretos ou pardos, depois de discutirem as viagens de Lula, a guerra na Ucrânia, a vitória do Flamengo, a condenação dos golpistas do 8 de janeiro, chegaram a questão do novo Papa.
- Viu esse novo papa? - perguntou Tonho.
- Vi quando saiu a fumaça branca...emocionante! - disse Osvaldino, o mais católico dos quatro.
- E por que tem que ser branca? Isso me cheira a racismo...
- Deixa de ignorância, Tonho, é tradição de muito tempo - explicou Osvaldino.
- Ignorante é você que não percebe o racismo estrutural! Por que a fumaça não é amarela? Azul? Vermelha? E porque diabos você é católico, religião dos imperialistas e colonizadores que trouxeram nosso povo pra ser escravo aqui? Preto que se prese tem que ser do candomblé!!
- Tá dizendo que o Papa é racista? - pergunta Caetano.
Ânimos já exaltados.
- Joca, manda mais uma rodada de Brahma porque o papo ficou bom! - gritou Luiz.
Joca olhando de rabo de olho prevendo que aquela conversa não ia dar em bons termos.
- Pode ser racismo, afinal, já teve Papa preto?
- Já teve Papa Pop...aquele que tomou um tiro à queima roupa...
- Não brinca, Luiz, o assunto é muito sério! O Papa é branco, a fumaça é branca...pior, o Papa é americano! E quando tudo dá ruim, quando não tem Papa, a fumaça é preta...RACISMO!
- O que é que tem que o Papa é americano? Gosto dos americanos, replica Osvaldino. Adoro filme americano! Já viu o filme daquele monstrão, o Godzilla?
- Godzilla é um personagem japonês...!
- Mas o americano foi lá e fez os melhores filmes. Viu aquele que tem o King Kong com o Godzilla?
- São uns imperialistas! Você deveria sentir vergonha de financiar o cinema imperialista americano!
- Eu sô imperialista, desfilo todo ano na Império Serrano... pontuou, sarcástico, Luiz.
Gargalhadas geral.
- Deixa o Papa pra lá, você também vê racismo em tudo!
- É que eu sou preto, tem que ser preto pra vê essas coisas. Vocês também são pretos, deveriam ver também! Ter consciência!
Luiz, totalmente alheio às questões atuais do politicamente correto racial, mandou a tascada final que acabou com todo mundo expulso do bar:
- Preto quando não caga na entrada, caga na saída...
Foi um reboliço.
- CAPITÃO DO MATO!! Capitão do Mato!! Lambedor de saco de Senhor de engenho!! Você é uma vergonha pra raça! Preto racista!! Lambedor de bolas de brancos!! - Se esgoelava indignado Tonho na iminência de agredir fisicamente o amigo sem consciência de classe e de cor.
Luiz se acabava de rir, provocativo. O Joca, dono do bar, não queria confusão, mesmo de fregueses fieis. Mandou os quatro irem discutir racismo, Papa, imperialismo, o escambau, lá na praça e não no seu bar que isso ia acabar em ringue de rinha.
Tempo depois, sentados em um banco da praça, já mais calmo mas não menos indignado, Tonho falava do namorado da filha. Que a filha lhe apareceu lá com um cara branco quase transparente.
- Mandei na lata: Se tu namorar esse branquelo eu te deserdo!
- Mas pai, ele é branco mas é legal...
- Um branco só entra na minha família por cima do meu cadáver, do meu cadáver - bradava Tonho indignado.
* * * * * * *
Dizer o quê, Eduardo? Está na medida certa o humor, a verve, a ironia, para tratar da questão do racismo na eleição do papa. "Chapeau", como diria um amigo blogueiro quando queria poupar as palavras e não exacerbar nos comentários ou crítica.
ResponderExcluirMuito boa a sua crônica. Para ser lida e relida!
Um abraço,
Bah! Bafafá nos papos do boteco. Saiu de tuuuuuuuuudo por lá! Adorei o bom humor sempre! abraços, chica
ResponderExcluirOi Edu
ResponderExcluirTens trazido assuntos meio polêmicos ou se não difíceis de ter a resposta correta. Estive lendo as anteriores , todas bem reflexivas, o que é salutar. Quanto ao racismo só mesmo se for levado no humor como seu í caso contrário não perco tempo para conversar rsrs sou antirracista e até a pouco tempo costumava abominar qualquer prática, até por brincadeira. Seu Capitão do Mato é sofrível rsrs. Valeu,Edu, Grande abraço
Eu também sou "antirracista" mas vejo algumas contradições nos movimentos organizados.
ExcluirVocê tem alma de escritor mesmo. Os esritores (como você) que ando lendo em blogs ou ebooks por aí não perdem em nada para os que são publicados atualmente pelas grandes editoras.Digo até que são melhores.
ResponderExcluirBem legal seu texto. Que bom que é lido por muita gente aqui.
Nem tanto, amigo, nem tanto...!
ExcluirQuanta conversa não haverá à volta deste tema!!! 🤗👏😘
ResponderExcluirEu amei a crônica. Eu não sou preta, então é difícil dizer, mas o racismo estrutural está em basicamente tudo mesmo... Não sei se na fumaça do papa, mas vai saber ne
ResponderExcluirLary’s Life
Oi Lary,
Excluira atitude de Tonho com o namorado branco da filha é o quê?
Olá, Eduardo
ResponderExcluirCheguei aqui através do blogue da Lis.
O racismo tema polémico que põe o cabelo em pé.
Nem sempre o humor consegue seguir um caminho
pouco ofensivo.
Abraço.
Olinda
Eduardo uma crônica divertida e ácida, onde o humor escancara tensões reais. Entre cervejas e provocações, os personagens são retratados com humanidade e contradição como a vida é. No fundo, entre risos e exageros, fica a pergunta: até que ponto conseguimos discutir o mundo sem sermos engolidos por nossas próprias feridas?
ResponderExcluirBoa noite!
Boa pergunta
ExcluirUma boa crónica....A vida e as suas contradições...
ResponderExcluirBeijos e abraços
Marta
Rapaz, que texto legal! Mas dá o que pensar o "racismo reverso" do Tonho, principalmente sabendo que o Brasil tem a maior diversidade genética do mundo. Por mim, a miscigenação devia comer (ou dar) solta, para acabar com todos os preconceitos Sonha, Jotabê!)
ResponderExcluirEra exatamente o que os defensores do branqueamento da população diziam no início do seculo 20. Que a miscigenação ampla da população iria provocar um branqueamento natural ao longo das décadas.
ExcluirE sim , já ouvi pretos defenderem o não casamento com brancos. Não sei se isso é racismo reverso, racismo é racismo.
Eu disse “racismo reverso” só para indicar um comportamento talvez cheio de rancor. Claro, racismo sempre será racismo em qualquer forma e lugar que se apresente.
ExcluirNa minha infância e juventude era raro ver nas classes mais altas a união de pretos e claros (vamos deixar essa bobagem de “brancos” de lado). Quem não se preocupava muito com isso pertencia às classes sócio-econômicas mais baixas. Parece que hoje isso está mudando (e que bom que esteja), pois tenho visto muitos casais em que um ou uma tem a pele mais clara e o companheiro ou companheira, a pele mais escura. Um de meus filhos teve uma namorada assim. Era uma menina linda, uma gata de cor parda (antigamente chamada de mulata, uma palavra linda e que os rancorosamente corretos resolveram condenar e exibir a sua origem para quem nunca sonhou com isso – 99,99% da população).
Mas dizer que não há racismo no Brasil é pura hipocrisia e muita gente tenta defender seus descendentes do preconceito que sofreram. No meu bairro há uma família de pretos nossa conhecida desde os tempos da avó de minha mulher. Todos os filhos e filhas casaram-se com homens ou mulheres de pele clara. Eu conheço pessoalmente vários desses netos e netas. Pergunta com quem também se casaram. Todos, com exceção de apenas uma (amicíssima de minha mulher) casaram-se também com gente de pele clara. Na música, basta lembrar do Gilberto Gil. Pode ser apenas uma escolha estética dele ou uma atitude inconsciente.
Para finalizar, o que eu gostaria é que tivéssemos uma cor “brasileira”, tão linda e uniforme quanto se vê na população da Índia. E chega de escrever, pois este é um assunto que dá muito pano para manga.
Olá, caro Edu,
ResponderExcluirGostei desta tua crónica bem humorada.
Abraço e bom fim de semana!
Mário Margaride
Excelente crônica e com um sarcasmo que faz refletir.
ResponderExcluirObs: Eu não tenho estomago,
ResponderExcluirpara escrever sobre, mas quero saber
o que Vc e o Jotabê
vão escrever sobre o
assunto do momento:
Bebes Reborn.
Se escrever a respeito me avisa lá no
Espelhando. Vou estar ocupada trabalhando
com minha Família com Show de Circo
na cidade de Araruama na Feira Literária de
lá. mas me avisa que venho correndo ler.
Bjins
This story is full of raw honesty and sharp wit, capturing the complexities of race, tradition, and friendship with a clear-eyed humor. It’s a tough conversation, told with heart. I just shared a new travel post. I am excited for you to read it. Thank you. Happy weekend.
ResponderExcluire eu estava pensando nesses bebês hoje...hahhh um ótimo tema para uma boa crônica bem sarcástica.
ResponderExcluirOlá grande Eduardo!
ResponderExcluir"Branco quase transparente" 😂😂😂
Muito bom! 👏🏻👏🏻👏🏻
Essas discussões assim entre amigos são as melhores, quase acabam se matando! 😂
Mas no final continuam todos amigos na mesma xD
Grande abraço!
Eita que crônica arretada, e antes que surjam críticas infundadas, recomendo uma breve consulta ao significado — neste contexto, o termo expressa algo de qualidade excepcional. Você demonstra notável domínio na arte de escrever crônicas Eduardo, sempre com uma abordagem realista e envolvente, digna de elogios. Abraço!
ResponderExcluirO papo estava bom mesmo, pena que terminaram expulsos do bar e a conversa não foi continuada lá na praça. Pela confusão que se deu no bar talvez teria sido melhor se eles tivessem ficado em casa mesmo ouvindo as esposas reclamarem... 😂😂😂
ResponderExcluirBom final de domingo, boa semana! 🎈
Conto cheio de críticas que muito gostei de ler. Parabéns pela criatividade e por discutir assuntos tão importantes em nossa sociedade.
ResponderExcluirBoa semana!
O JOVEM JORNALISTA está no ar cheio de posts novos e novidades! Não deixe de conferir!
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Até mais, Emerson Garcia