domingo, 19 de outubro de 2025

Surreal

 



- Papai, papai, vem vê!

- Tô indo.

- Vem rápido, papai, você vai perder!

- Calma, filho, estou terminando o almoço.

- Deixa o almoço aí e vem cá! Por favor!

- Tá bom, tá bom, tô indo.

- Olha, pai. Olha.

Apontava o dedo para o céu azul de uma manhã de dezembro.

- O quê? 

- Não está vendo?

- Tô, tô vendo é muito sol e céu azulzinho, olha que bonito!

- Bonito é mas tô mostrando outra coisa!

- Mas o quê?

- Aquele elefante com asas nas orelhas que vai passando ali...

-É o quê?

- Não tá vendo?

- Filho, elefantes com asas não existem, muito menos elefantes voadores...

- Claro que existe, eu estou vendo! Não consegue ver? Olha bem, bem ali...

O pai para. Deixa a racionalidade inútil de adulto de lado. Entra na onda e diz:

- Filho, consigo ver agora, que legal! Mas olha,  vê, ali atrás, tem a senhora elefanta cor de rosa com asas e dois elefantinhos, um cor de rosa e outro azul, olha que família de elefantes voadores linda!

Ele para. Olha para o pai com uma carinha traquina e diz.

- Pai, menos, era só o elefante azul mesmo.

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Eu Dormi Na Praça Por Causa do ET e Porque Não fui Pra Igreja

 





É, O TÍTULO é grande e exagerado.


O ano era 1982. Local: Vila Velha, Escola de Aprendizes Marinheiro do Espírito Santo (EAMES). Turma Bravo Uno. Doze meses de curso que pareceram levar doze anos para acabar.

Esperávamos ansiosos o final de semana depois de uma rotina exaustiva de acordar às cinco da matina para fazer ginástica, muitas vezes correndo pelas ruas desertas de Vila Velha, algumas vezes subindo o longo trajeto que ia dar no Convento da Penha (não espalha, mas eu dava um jeito de me esconder e evitar a exaustiva subida). Às seis tomar banho e formar para o café. Às sete  estar em sala de aula até o meio-dia para então, formar para o almoço e ter um pequeno descanso de uma hora até as atividades da tarde, que poderiam ser aulas de ordem unida (marchar por umas 3 horas), faxina pela escola, atividades em grupos especiais, aulas de tiro, aulas de natação, etc. Às cinco,  banho para a janta e estudo obrigatório das oito às nove; uma pequena ceia e depois  às nove e meia,  soninho da beleza para no  outro dia começar tudo de novo. Isso sem falar na escala 2 x 1 do plantão.

                                                    

O final de semana era nosso escape dessa rotina. A glória era ter todo o fim de semana de folga por não estar de serviço(plantão) nem sábado nem domingo, pois se estivesse, não se podia sair. Ficar na escola vazia num final de semana só para tirar serviço era deprimente. Tudo bem, tínhamos um psiquiatra de plantão.

Antes de eu fazer concurso para a EAMES, eu fazia parte do grupo de jovem de uma igreja. Tocava guitarra. Fazia retiros. Cantava em coral. Lá na escola também tínhamos um grupo de evangélicos que se reunia no tempinho entra a janta e o estudo obrigatório. Naquele sábado tínhamos combinado ir a um culto em uma igreja batista. Um bom programa para um jovem evangélico - certamente não faltaria na tal igreja, meninas bonitas e dispostas a confraternizar com uns marinheiros (já que na escola só convivíamos com homens 24 horas por dia). E quando eu digo "confraternizar", é confraternizar mesmo, não pensem em safadezas! Quem queria safadeza ia à uma boate onde havia mulheres disposta a uma confraternização, digamos, mais íntima, pelo justo valor. 

Acontece que nos cinemas tinha estreado com imenso sucesso naquele ano, o filme do ET, e eu tinha lido uma reportagem  em uma revista sobre o simpático visitante de outro planeta e fiquei com muita vontade de ir assistir. 

Naqueles tempos não era de bom alvitre jovens evangélicos irem à cinemas. Um amigo não evangélico porém,  me convidou para ir assistir ao filme. No mesmo sábado em que eu tinha combinado ir à tal igreja batista!

Parecia que um diabinho e um anjinho, um em cada lado da orelha, tentavam me convencer a ir a um lugar ou ao outro. Resolvi dar ouvidos ao diabinho. Afinal de contas, que mal teria? 

Saíamos da escola fardados e tínhamos que trocar de roupa em algum lugar. O lugar escolhido por grande parte dos alunos era o Bar do Abreu que ficava estrategicamente perto da escola. Era andar alguns minutos e podíamos trocar de roupas em um quarto nos fundos do bar que o Abreu tinha reservado exatamente para os alunos - em troca de um valor módico. 

 Deixávamos nossas bolsas com nosso uniforme lá no quarto do Bar do Abreu e cada um tomava seu rumo ao encontro do esperado final de semana. 

Tocamos para o cinema. Fiquei deslumbrado com o filme. Adorei tudo, aquilo era uma aventura muito divertida para mim aos 18 anos, viciado que eu era na Sessão da Tarde da Globo.

Terminado o filme, saímos do cinema e fomos passear por Vila Velha. Fomos lanchar, conversamos bastante sobre o filme e...esquecemos das horas...e esquecemos que o Bar do Abreu fechava às onze. Lembrei da música de Adoniran...Não podíamos perder aquele trem!  

E sim, como convém às suas expectativas, caro leitor, quando chegamos, o bar já estava fechado. Com nossos uniformes dentro! Voltar para a escola com roupas civis seria uma falta muito grave. 

Meio desolados, ficamos caminhando á esmo pelas ruas de Vila Velha. Eu, pensando porque não tinha dado ouvidos ao anjinho. 

Mas dos males, o menor, já que nem eu nem meu amigo estávamos de plantão no domingo, logo, não precisaríamos voltar para a escola, então o jeito era dormir na rua mesmo. Um quarto de pensão até que cairia bem, mas não conhecíamos nenhuma pensão e mesmo assim, nosso dinheiro tinha acabado.

Meu amigo, então, revestido de um espírito aventureiro, sugeriu dormirmos nos bancos de uma praça. A noite não estava tão fria, o céu estava limpo com estrelas na vitrine.

Dormimos. Acordamos com o sol batendo na nossa cara, com dores nas costas e algumas pessoas nos encarando. "Só podem ser da escola da Marinha", ouvi alguém dizer.

Não gostei daquela observação, afinal de contas, não éramos vagabundos, não éramos delinquentes, nem mesmo éramos carentes por dormir na praça pensando nela...

Se alguém habitou nossos pensamentos naquele noite, sem dúvida, foi  o Abreu com seu bar que fechava tão cedo.




EAMES 

EAMES

CONVENTO DA PENHA







       Algumas fotinhas do meu tempo por lá


segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Nós, Os Pobres.

 




NOSSO PRESIDENTE, LUÍS INÁCIO, declarou recentemente: 

"Pobre e trabalhador só tem valor na época das eleições porque todo mundo trata pobre bem porque ele é maioria. Depois que ganha as eleições, o pobre é esquecido mais uma vez. (...) Nós somos a maioria, e se nós somos a maioria e a gente usar a consciência da gente, a gente consegue fazer a maior revolução pacífica e democrática que esse país precisa que seja feita. É preciso acabar com os privilégios desse país para garantir que todos tenham direitos".

Que fala linda! Chego a ficar arrepiado de emoção! Que sensibilidade tem nosso presidente! Ele, que já está em plena campanha disfarçada, disse que pobre e trabalhador só tem valor na época de eleição. Ele mesmo confirma o que diz...Uma outra fala me deixou totalmente afônico. Sobre os pobres, ele disse:  "Nós somos a maioria". Esta é uma frase digna de um grande estadista, vejam  como ele se identifica conosco, pobres, ao dizer que "nós somos a maioria". INÁCIO É POBRE TAMBÉM! Sim, ele nos entende, porque é um de nós, pobres. 

Luís Inácio disse que é preciso acabar com os privilégios. Deixa eu fazer as contas aqui...é... três mandatos seus e quase dois da sua pupila Dilma. Ao todo, quase 20 anos de governos petistas e eles ainda não conseguiram acabar com os tais "privilégios".  E nem com os pobres. Mas eu desconfio que se acabar com os pobres  deste país, ninguém mais vota no PT...Tudo bem, meu presidente, eu sei que é difícil lutar contra os poderosos! 

É difícil o Executivo parir uma reforma do Estado Brasileiro que acabe com tantos privilégios? Sim, Inácio,  porque antes de querer caçar privilegiados que enriqueceram com dinheiro privado, é preciso acabar com os privilegiados que enriqueceram com dinheiro público. Mas eu sei que você sabe disso, né Inácio, és um dos tais que enriqueceram com dinheiro público. Mas o importante, e eu sei e atesto, é que sua alma ainda é de pobre. Será que em mais um mandato dá pra fazer sua revolução?




sábado, 11 de outubro de 2025

Elevação

 


Milan Kundera escreveu em A Insustentável Leveza do Ser, "que aquele que deseja continuamente 'elevar-se' deve esperar um dia pela vertigem. A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados". Para alguns, não basta subir a montanha que há próximo de casa, é preciso chegar ao topo do Everest. Admiro tais pessoas mas também tenho pena delas. Elas querem sempre a elevação. Estar no maior topo possível. Olhar o mundo do alto e contemplar seus contornos gozando na alma a satisfação de ter chegado lá. Mas quando se chega lá não há mais para onde ir. O topo é o limite da caminhada pra cima. E diante da ausência da continuidade, o que vem é a vertigem. Talvez eu diga isso porque em qualquer caminhada minha para o alto, nunca ambicionei chagar ao topo. Estabelecer-me no meio da coisa para mim já era satisfatório. Acredito que a energia que você gasta para chegar ao topo, seria melhor aproveitada se você a gastasse ali mesmo, no meio. É como o conquistador Alexandre, o Grande, da Macedônia. Ele elevou seu império até onde poderia ir. Conquistou o império persa, o Egito, a Palestina, chegou até à Índia. E então ele viu que não tinha mais nada para conquistar, sentou e chorou.


                                                                  * * * * ** 

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Dizer Adeus

 "Não aprendi dizer adeus

Mas deixo você ir, sem lágrimas no olhar..."


Esses são versos da chorosa música de Leandro e Leonardo de autoria de Joel Marques que explodiu nas rádios e nos programas de TV em 1991. Anos depois, em 1998, após a morte de Leandro, Leonardo a gravou novamente sozinho, o que provocou comoção nos fãs. Não é fácil mesmo dizer adeus. E como não é fácil dizer, difícil também é deixar ir, mas quando enfim se deixa ir, é difícil não ter lágrimas no olhar. Quem nunca teve tal experiência, seja numa perda amorosa ou numa perda familiar?  Eu levei quase 5 anos "pra deixar ir", mesmo depois que já tinha ido e não sem muitas lágrimas no olhar. Foi uma perda amorosa mas não vou provocar vossas paciências com detalhes. A letra é sábia e nos conta que o "inverno vai passar e apaga cicatriz". Certamente o inverno passa, mas não sei se a cicatriz não fica.




sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Jogos Eletrônicas e Redes Sociais

 




LI NO JORNAL O GLOBO do Rio de Janeiro, uma interessante matéria sobre redes sociais e jogos eletrônicos - quais dos dois causam mais danos ao cérebro? Oh! my god! DANOS AO CÉREBRO? Como assim...? 

Os jogos eletrônicos ainda hoje são vistos como "alienantes da realidade", "perigosos", "induzem à violência" e que poderiam deixar o "cérebro atrofiado" com adolescentes parecendo zumbis trancados no quarto.

Eu nunca concordei que jogos eletrônicos fossem nada disso. Induzir à violência? Ora, um exemplo aqui e ali que mostram jovens que resolveram sair por aí com uma metralhadora matando pessoas que supostamente foram "influenciados pelos jogos" não pode representar o universo de jovens que jogam tais jogos - que são milhões ao redor do mundo. Temos "milhões" de jovens assassinando velhinhas nas ruas? Pois é.

A matéria do jornal traz pesquisas onde ficou demonstrado cientificamente que o vilão da juventude (e da velhotude) - PREPARAM-SE -  são as REDES SOCIAIS. Como diria o Chaves, "pois é pois é pois é".

 Diz a matéria: 

No cotidiano, os elementos dos jogos ajudam a estimular a concentração e aumentar a atividade da região do córtex pré-frontal dorsolateral. ...destaca o fato do jogador receber uma resposta imediata — seja visual ou auditiva — em relação ao seu desempenho. 

Em contrapartida, as redes sociais, por serem caracterizadas por seu consumo imediato, aumentam a produção de dopamina e ativam no cérebro mecanismos de condicionamento, que incentiva o consumidor a continuar procurando conteúdos.

Parece-me óbvio. 

E está explicado porque quando você entra no quarto do seu filho, do seu neto, e ele está com um fone de ouvido jogando, pode cair o telhado na cabeça que ele nem percebe, tal a concentração que o jogo promove.

Como a grande maioria dos nascidos na era digital, Eduardinho é aficionado por jogos. Joga desde muito novinho e eu nunca vi problemas nisso, mesmo porque, sempre procurei misturar jogos eletrônicos com jogos de tabuleiro. Ensinei a ele a jogar Ludo, Damas, Xadrez, Dominó, Uno...Já tivemos partidas homéricas de xadrez! 

Na primeira infância eu lhe oferecia jogos principalmente educativos. Jogos onde ele aprendia palavras em inglês, cores, números, alfabeto....era muito engraçadinho vê-lo aos 3 anos declamando o alfabeto em inglês: Ei, Bi, Ci, Di, I, Éf...

Ele não gosta muito de rede social. Não tem Face, nem Insta, TikTok (como a maioria dos amigos têm). Fizemos juntos um canal no Youtube onde publicamos vídeos dos seus 6 aos 8 anos, até o dia que ele chegou e me disse que não queria mais brincar de gravar vídeos. Eu falei ok. (mas confesso que fiquei triste, pois gravar vídeos engraçados com ele era muito divertido).

E também tem o problema que agora aos quase 15 anos, tem uma imensa vergonha de tudo o que gravou quando era pequeno...por isso foi lá no canal dele e colocou a maioria dos vídeos em modo restrito. Entendo, vergonha adolescente das coisas que fazia e dizia quando era pequeno. Quem nunca?

Mas quando o vejo no computador, jogando algum jogo online junto com amigos online, eu não vejo isso como ruim - pelo contrário - e a matéria do jornal me confirmou isso. É claro que tudo precisa de equilíbrio. Desde muito pequeno também o incentivo a se exercitar em casa. Não pode ficar horas sentado jogando malhando  o cérebro e o foco e esquecer do corpo. Virou hábito. Ainda hoje de vez em quando ele faz treinos comigo mas não deixa de fazer se eu não fizer junto. Eu sempre cobrando: Não vai treinar hoje? Ás vezes a preguiça juvenil lhe abraça e ele diz "hoje não, pai.." ..." tudo bem, mas amanhã eu quero ver você suando"

Então, amigos, vocês que costumam ler, fazer palavras cruzadas, como estimulante cerebral, pondere colocar no cardápio um bom joguinho eletrônico. Vale até o clássico PacMan.